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ENTREVISTA ARACY AMARAL
Brasil parece que começou finalmente a perceber
que têm indígenas e que essa cultura também é
importante para a gente.
Eu não sei se o Brasil já descobriu isso… Acho que
ainda não. Porque no caso da presença africana isso
não tem dúvida, está a flor da pele. Afinal de contas
o branco hoje é uma minoria no Brasil. E o que é o
branco? Ninguém sabe se existe branco no Brasil.
É muito raro. Quem não é miscigenado de alguma
forma? Existe a herança indígena, mas para nós ela
transparece muito na arte popular, que também é
uma coisa que ainda não foi assimilada e aceita. Não
falo só da arte pura, tipo cestaria Yanomami, mas da
arte popular do interior do Ceará, que é riquíssima,
ou do Piauí... Já existem inúmeras galerias traba-
lhando nessa direção. Mas ainda não existe uma
aceitação que valorize o caráter precioso dessas
obras, entende? Mesmo a preservação delas.
Dentre seus trabalhos recentes, está a curadoria
de uma mostra de desenhos de Tarsila, em cartaz
na Fábrica de Arte Marcos Amaro. Você poderia
falar um pouco sobre esse aspecto da obra dela?
A exposição – que é uma curadoria conjunta também eu fui vanguarda na década de 1960, 1970, depois
com Regina Teixeira de Barros, grande estudiosa e eu fui historiadora na década de 1970, 1980. Depois
curadora – traz o desenvolvimento do percurso da fui diretora de museu. Eu curti demais ser diretora
Tarsila a partir do desenho. É muito curioso ver como da Pinacoteca, porque eu alterei completamente a
o exercício do desenho pautou o desenvolvimento e a imagem da Pinacoteca. Era um museu fechado, que
libertação dela como artista, desde, digamos assim, as pessoas faziam sinal da cruz quando passavam
o estudo, a formação, primeiro acadêmica, depois na frente pensando que era um templo. E depois
parisiense, com grandes mestres da época como comecei a fazer exposições, cursos lá dentro, curso
Andre Lhote e Gleizes, até chegar a uma liberação de modelo vivo, exposições temporárias. Mudei a
total e ela se sentir apta a voltar à figuração, numa Pinacoteca e essa mudança, que foi sensível, foi um
viagem a Minas, com toda liberdade, mas com um prazer, uma satisfação enorme. Colocar lá Ana Maria
espírito de síntese muito grande. Depois ela vai Belluzzo, colocar lá o Paulo Portella, um fazendo
cair um pouco numa figuração, num realismo tão arte-educação, outro me ajudando na pesquisa,
ao gosto das décadas de 1930, 1940, 1950, que é a poder montar lá aquela exposição do Projeto Cons-
época que, digamos assim, vai liberar também uma trutivo Brasileiro na Arte, cursos, tudo foi muito
figura como Portinari. Uma época também em que interessante. Nesse período da Pinacoteca ainda
ela escreve crônicas para o Diário de S. Paulo, e faz haviam os salões, uma época em que acabou. Os
muita ilustração para livros, muitíssimas. Como não artistas jovens eram lançados a partir de salões de
existia mercado para a pintura, ela vive de ilustra- cidades pequenas e depois, com os prêmios que
ções, vive também de crônicas. Não é uma época eles ganhavam, passavam para um outro patamar.
de inatividade, mas de alteração de atividade.
Hoje dependem do mercado.
Se você tivesse que escolher dentre as várias Agora, a partir das décadas de 1980 e 1990, um fenô-
personalidades que você tem, como critica, pro- meno novo entra no mundo da arte no Brasil: Volpi, FOTOS: PATRICIA ROUSSEAUX
fessora, diretora de museu... por exemplo, que vendia muito pouco até a década
Eu não sei o que eu seria. Eu fui uma mistura de de 1940. Ele vai fazer a primeira exposição em 1944,
tudo isso. Em cada momento eu fui uma coisa. Se numa pequena galeria, na Barão de Itapetininga.
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