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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
inClusiva e arrojaDa. A nova disposição do acervo da pescoço acaba repercutindo em todas as demais, como
Pinacoteca do Estado de São Paulo, aberta no final de a apontar para o drama de ser artista negro no Brasil.
outubro passado, é um salto de qualidade da instituição. É um dos momentos emocionantes da mostra e que
Na versão anterior, o acervo estava disponível em 400 aponta para um forte diálogo com 2020, ano em que
obras ocupando 11 salas e outras 150 obras acessíveis o movimento negro conquistou grande visibilidade.
em arquivos, totalizando 550 no total. Sidney Amaral, aliás, está presente em vários outros
Agora, o acervo ocupa 19 salas, tanto do primeiro momentos da exposição, característica reservada a
como do segundo andar do edifício sede, com cerca de
mil obras de mais de 400 artistas. As artistas mulheres
passaram de 17 para 95, e os artistas afrodescenden-
tes de 7 para 26. Não são ainda números suficientes
para dar conta de uma história da arte brasileira ver-
dadeiramente plural, mas não há dúvida de que é um
avanço a se notar, algo difícil de se perceber em outras
instituições.
A disposição anterior tinha um princípio de que
menos é mais, buscando dar mais visibilidade ao que
estava exposto. Funcionou, e por isso é possível agora
uma outra organização muito mais radical, que abandona
a ordem cronológica, o que outros museus importan-
tes como o Centro Pompidou (Paris) e a Tate Modern
(Londres) já fazem há tempos.
Essa quebra na ordem temporal é substituída por
três eixos: Territórios da Arte; Corpo e Território; Corpo
individual/Corpo coletivo. São como grandes temas que
permitem exercícios curatoriais mais livres e, ao mesmo
tempo, sintonizados com reflexões contemporâneas.
Aí está um dos trunfos dessa nova ordenação, que de
fato parte de uma constatação bastante necessária: só
é possível rever o passado com os olhos do agora. Um
acervo é, afinal, o arquivo de um museu, e como ensina
Jacques Derrida, “o arquivo será sempre lacunar, toda
leitura será diferente”. A equipe da Pinacoteca que fez a
mudança levou a sério esse princípio e deixou escolas,
movimentos e termos rígidos de lado para permitir um
FOTO: LEVI FANAN / ACERVO DA PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO
novo olhar reflexivo - que já tem um prazo definido para
terminar: 2025.
Outro diferencial importante é que a curadoria assu-
me uma atitude realmente propositiva, onde a disposição
de obras alcança um modo instalativo, já que em cada
sala criam-se ambientes não só surpreendentes, como
bastante contundentes.
É o caso da parede sobre autorretratos, que faz
parte do eixo Territórios da Arte, onde se veem artistas
acadêmicos, modernos e contemporâneos mescla-
dos, mas o destaque acaba sendo a pintura de Sidney
Amaral (1973-2017), artista negro que sempre abordou
questões relativas à raça e é visto na cortante obra
Imolação (2009). A imagem dele com uma arma no
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