Page 35 - ARTE!Brasileiros #49
P. 35
tiveram um aumento de 30% de público. “Isso é extre- Povo e o JAMAC, entre muitos outros. “Tivemos ao todo
mamente interessante porque vai um contra o que a 90 apresentações, com quase mil pessoas ativamente
gente poderia esperar neste momento de crise. Então participando. E não é de números que estou tratando,
para mim, em um museu como a Pinacoteca, é preciso mas de uma proposta para pensar sobre quem é que
tentar entender que tipo de situação estamos vivendo tem espaço para falar nesta instituição. A ideia de pen-
e como reagir a ela.” sar quem tem o poder, romper os privilégios, pensar
Segundo ele, em tempos de radicalização, nos quais sobre quais vozes precisam conquistar esses espaços”,
tudo é polar e dual, pode-se perceber também “uma seguiu Volz.
coisa que é o contrário disso, algo que o Guilherme Isso significa, segundo ele, que instituições como a
Wisnik descreveu de modo muito bonito no livro Den- Pinacoteca precisam se colocar nesta posição de ouvir,
tro do Nevoeiro. Que é aquela grande neblina, em que de escutar, de celebrar a diversidade e “de entender
a gente percebe que tudo que sabíamos talvez não que talvez nosso privilégio é poder oferecer um palco
seja mais suficiente”, disse Volz. “E que estamos no aberto”. “Se não conseguirmos criar essa identificação,
momento em que as narrativas que achávamos que como é que, caso as situações políticas ou de censura
eram lineares não bastam, pois há muitas histórias, apertem ainda mais, vamos acreditar que seremos
não apenas uma.” defendidos pelas pessoas, inclusive as que não costu-
Para o curador, o desafio atual vai além de questões mam se interessar por cultura?”, concluiu o curador.
finanças e gestão, e centra-se especialmente na relação
com o público. “É o público quem vai nos proteger.” A ARTISTAS BENEFICIADOS POR BOAS GESTÕES
partir destas constatações, Volz discorreu sobre uma Após o debate com os gestores de instituições, a segunda
exposição especifica apresentada este ano na Pina- mesa do seminário reuniu dois artistas, Gabriela Noujaim
coteca, intitulada Somos Muit+s: Experimentos sobre e Jonathas de Andrade, e duas especialistas em gestão
coletividade, que partiu do questionamento sobre como cultural e soluções criativas, Ana Carla Fonseca e Katia
criar maneiras de refletir junto ao público – “inclusive Araújo de Marco Scorzelli. Primeira a falar, Noujaim,
com aqueles que estão do outro lado da rua e viraram que é graduada em gravura pela Escola de Belas Artes
as costas para a cultura”. “Porque a gente acredita que da UFRJ, contou sobre a importância dos cursos gra-
o lugar da arte é o de gerar imaginação sobre outras tuitos que realizou ao longo dos anos na EAV Parque
formas de viver junto, outras formas de imaginar uma Lage, com professores como Dionísio del Santo, Evany
convivência democrática.” Cardoso, Anna Bella Geiger e Fernando Cocchiarale.
A exposição partiu da obra e do pensamento de duas “Foram fundamentais para a minha formação como
figuras históricas chaves para se pensar a participação artista. E se não fossem gratuitos eu não teria como
na arte: Joseph Beuys e Helio Oiticica. “O Beyus já falava fazer”, destacou.
nos anos 1970 que a arte não é um meio para algo, ela Além de apresentar seu trabalho, que lida com corpo,
é o lugar da imaginação. Ela tem um valor econômico memória e ancestralidade e levanta questões políti-
não pelo que ela rende, mas porque a criatividade tem cas sobre as causas indígenas e ambientais, Noujaim
um valor econômico em si”, disse o curador, destacando adentrou o tema da gestão cultural ao falar sobre sua
que a construção de uma vida cultural deve passar por experiência de dez anos com projetos patrocinados
um processo coletivo de participação. pelos centros culturais do Banco do Nordeste. Através
A partir das obras dos dois artistas históricos, a mostra da instituição, a artista realizou mais de uma dezena
reuniu outros trabalhos contemporâneos, entre eles o de projetos na região. “Foi fundamental para conhecer
de Rirkrit Tiravanija – Untitled 2019 (demo station n.7) o interior do país e a nossa cultura”.
–, que ocupou o octógono da Pinacoteca com “um palco “Esses centros culturais, diretamente ligados ao governo
aberto, alto demais, disfuncional, que de baixo não dá federal, também apoiam alguns pontos de cultura em
para ver nada. Mas para quem está em cima a vista é cidades menores. E atualmente estão enfrentando
maravilhosa”, contou Volz. “Então há uma inversão de muitas dificuldades, estão em risco”, contou. “E eu
papeis, é um trabalho que fala muito mais sobre poder, considero fundamental a permanência destes centros,
sobre as relações entre ‘nós juntos’.” porque nessas cidades são o único movimento cultural
Para atuar neste palco, a Pinacoteca chamou artistas existente, que fornece acesso à teatro, cinema, arte
e coletivos como o Legítima Defesa, o coro da Casa do contemporânea e oficinas de arte gratuitas.”
35
Book_ARTEBrasileiros_49.indb 35 14/11/19 00:56