marli matsumoto
"Poltrona tentáculo de ovo", 2020, de Raphaela Melsohn. Foto: Divulgação

Uma charmosa casa de estilo modernista com toque oriental abriga a recém-inaugurada galeria Marli Matsumoto Arte Contemporânea, na Vila Madalena. Somando experiências consistentes adquiridas em sua passagem pelas casas Nara Roesler, Raquel Arnaud e Luisa Strina, a mais nova marchand da cidade acompanhou de perto vários artistas consagrados, viu o mercado de arte crescer e se profissionalizar e agora vai colocar tudo em prática nesse projeto. Bolhas Siderais é o tema lúdico da exposição inaugural que se insere na atmosfera zen do espaço onde obras de 14 artistas, com curadoria de Juliana Monachesi, desenvolvem engenhosos modelos de deslocamentos para a compreensão da narrativa. Marli fala das bolhas particulares em que habitamos e que nos jogam para outros cosmos, bem diferentes daqueles que vivíamos há um ano e meio, com muitos deslocamentos, encontros, reuniões apressadas e contínuas. Parte das obras parece responder a esse âmbito crítico. Toda a exposição segue o princípio minimalista da casa/galeria ligada a uma aura que sugere tranquilidade, o que está evidente em todos os espaços.

Ela entende seu projeto como “dialética da transição”, traduzida como aquele momento em que você é perpassada por um movimento lento, daqueles que vão entrando num tipo de trabalho e, quase sem perceber, adentra em outros, num círculo contínuo do fazer. “Estamos no meio de uma grande incógnita, uma situação mundial da qual ninguém escapa”. Um momento de mais perguntas que respostas. Como se comportar em relação à pandemia é uma das questões que todos enfrentamos diariamente. “Em meio a tudo, temos que valorizar a manutenção do planeta, as questões que envolvem as minorias indígenas, afrodescendentes, de gêneros, enfim, com tudo o que constitui esse momento. É a hora de revisitar e rever tudo isso, nossos valores e a possibilidade de encontro com as pessoas, porque é isso que move a arte, ela precisa do espectador”. Com essa determinação, Marli decidiu fazer a exposição mesmo se contasse apenas com três ou quatro obras e pudesse chamar só uma pessoa para a ver: “Isso já teria valido à pena”.

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Sem Título, 2021, de Anna Maria Maiolino. Foto: Divulgação

Quando Marli comunicou a Luisa Strina que seguiria um projeto solo, ela respondeu que hoje as coisas são diferentes, os territórios não estão demarcados, as fronteiras são mais fluidas e as pessoas fazem parcerias. Marli concordou com, inaugurou sua galeria e continua a participar de alguns trabalhos com Luisa. “Por exemplo, vou cuidar da obra da Anna Maria Maiolino e viajar com a Luisa para a Art Basel, executando coisas diferentes daquelas que faço na minha galeria”. Ainda sem um elenco de artistas definido, ela mantém uma relação próxima com alguns artistas com quem trabalhou por anos. “Para esta exposição, por exemplo, a Maiolino fez questão de me enviar uma obra nova. Tudo o que ela fez na pandemia resultou nessa escultura aqui exposta”.

Apesar da crise, algumas galerias estão abrindo filiais fora do Brasil e outras não escondem seu sucesso de vendas. Pergunto se existe um mercado realmente sólido para a arte, que não é atingido como os demais segmentos. Marli diz que sim. “Em tempos de crise a arte é uma forma das pessoas fazerem investimentos, diversificá-los. Não que a gente transforme a obra em commodities, mas de fato pode-se realizar grandes investimentos em arte e existem pessoas que iniciam suas coleções nesses períodos.”

No topo, rachadura, 2021, de Raphaela Melsohn

Formada em história pela USP, o que a ajudou nesse conhecimento de arte, Marli se interessa pela pesquisa e procura conhecer melhor os artistas com quem trabalha. “Não tenho um projeto pronto para a galeria, pretendo manter a casa aberta para ver todas as possibilidades, sentir o que se pode fazer em termos de relacionamento do mercado com a arte, com a parte institucional, com o mercado internacional.” E ela se pergunta: por que não trazer artistas de fora? Por que não usar o espaço para convidar uma galeria do exterior para expor aqui? Estas são algumas das questões que gravitam em sua cabeça.

A forma como Marli pensa a galeria/casa é um exemplo bem simples do que já está desenvolvendo. “Havia uma estante na sala, então eu convidei a Rita Mourão para ocupar aquele espaço. Ela está fazendo uma curadoria em paralelo, mas convergindo para a exposição.” Isso vai sempre acontecer na galeria porque Marli acredita que os projetos coletivos estão ganhando força e as relações se aproximam e se consolidam cada vez mais. A casa entra na exposição como um lugar de acolhimento. “A Poltrona Tentáculo de Ovo, de Raphaela Melsohn, é fruto da pandemia, está ligada ao ato de criar dentro de sua casa num espaço mais aconchegante”. Há claramente uma tentativa de dissolver o congelamento de nossa relação com o objeto. “O rolinho de espuma preso à cadeira tem mais de oito metros, são grandes tentáculos vindos do acolhimento de uma TV com uma música e que conversa com os neoconcretos da Magdalena Jitrik.” Esta obra, quase hipnótica, convida o visitante a entrar dentro dela e dialoga com a ideia do ovo da Lygia Pape, exposto no mesmo ambiente.

Marli Matsumoto
“Pedras bordadas (botão)”, 1998, de Ana Linnemann. Foto: Patricia Rousseaux

Instalada logo na entrada, a escultura de Anna Maria Maiolino se ergue elegante e ereta como uma planta ou uma espada, apontando para o universo como o epicentro de uma circularidade. Para Marli, as bolhas siderais trouxeram a ideia de como esse cosmo todo foi trazendo uma consciência diferente. “Cada artista tem algo dentro de si. A Adriana Aranha faz crochê que demanda um tempo de espera, de construção circular, tecendo um tubo feito de 2000 a 2010, bem simbólico desse período.” Um fio sobe e desce lentamente na cadeira onde ela fez o trabalho, sentada. A ideia foi reunir artistas mais jovens, na média de 30 anos, ao lado de outros com 50 ou mais, como os consagrados Maiolino e Jorge Macchi, ampliando os limites do possível e confrontando a legitimidade estética atemporal.

O sistema de arte mudou bastante nas últimas décadas e novas galerias surgem constantemente na cidade. No passado, tudo girava em torno da Bienal de São Paulo, hoje os colecionadores, críticos, diretores de museu chegam regularmente ao Brasil, durante todo o ano. “Eles primeiro vão a Inhotim, depois seguem para São Paulo e, em seguida, para o Rio de Janeiro, em um movimento vivo e constante”, comemora Marli.

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