Rubem Ludolf, Estudo para pintura, 1970, Giz pastel sobre papel.
Rubem Ludolf, Estudo para pintura, 1970, Giz pastel sobre papel. Foto: Coleção particular

Duas importantes instituições ganharam uma sede física no início de 2020 em São Paulo. O Paço das Artes e o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) têm histórias um pouco parecidas no que diz respeito à busca por um espaço que pudessem chamar de “casa”. Ambas as instituições possuem em comum o fato de terem à frente duas mulheres que não descansaram por um só momento ao trabalhar por um lugar fixo.

Com atividades desde 1997, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) nasceu da vontade da galerista Raquel Arnaud de cuidar de acervos documentais de artistas. Foi por “acidente”, ela conta, que tudo começou a se desenrolar. “Um dia, houve uma enchente na casa do Willys de Castro e ele veio me trazendo alguns documentos para que eu guardasse e salvasse da enchente”. A partir daí, ela passou a pensar de forma mais intensa sobre como faria para guardar aqueles materiais de forma a preservá-los. Anos mais tarde, quando o escultor Sérgio Camargo faleceu, em 1990, ela recebeu da família o seu espólio, e junto a ele vieram muitos documentos. “De repente, me vi com documentos desses dois artistas e pensei em fundar o Instituto de Arte Contemporânea”. O bom relacionamento de Raquel com outros artistas foi fazendo com que, com o passar dos anos, eles fossem aderindo ao IAC, que hoje cuida de mais de 42 mil documentos higienizados, organizados, catalogados e digitalizados. Raquel enfatiza o apoio do arquiteto Jorge Wilheim no incentivo à criação da instituição.

Sérvulo Esmeraldo, Projeto para Lentes, 1968, caneta hidrocor sobre papel
Sérvulo Esmeraldo, Projeto para Lentes, 1968, caneta hidrocor sobre papel Foto: Acervo Instituto de Arte Contemporânea

Quando foi fundado, apoiadores conseguiram que o IAC fosse alocado em um prédio na Universidade de São Paulo (USP), em um prédio que tinha pertencido à Faculdade de Filosofia. “No primeiro comodato que ficamos lá, mais reformamos do que qualquer outra coisa”, ela conta. Com a troca de reitoria da universidade no ano de 2011, o prédio foi requisitado de volta. Saindo de lá, o IAC foi acolhido pelo Centro Universitário Belas Artes. À época, acervos de mais de 8 artistas já eram cuidados pelo instituto. “Já tínhamos um volume de documentos muito grande, que só crescia. Então, o espaço lá foi se tornando pequeno. Precisávamos crescer, mas a faculdade também precisava de mais salas, por exemplo”. Ela frisa a gentileza do Belas Artes em todo o tempo de acolhida: “O tempo lá foi importante porque nos deu fôlego para pensar em soluções”.

A única forma encontrada de não ter mais dúvidas sobre a permanência nos espaços foi arrumar uma sede própria. Então, Raquel decidiu junto à família que venderia algumas obras de sua coleção para a compra de um imóvel que servisse como sede fixa. A partir deste ano, o IAC tem, portanto, uma sede própria, localizada no começo da Avenida Doutor Arnaldo, em São Paulo, pouco depois do entroncamento com Avenida Paulista. Somam-se, ao todo, 900 metros quadrados em um projeto assinado pelo arquiteto Felippe Crescenti, com salas de exposição, área administrativa, café, sala de higienização e os espaços específicos para arquivamento, que contam com aparelhagem especial para armazenamento e preservação, além de segurança. O instituto é responsável por cuidar, hoje, de documentos de Amilcar de Castro, Hermelindo Fiaminghi, Iole de Freitas, Lothar Charoux, Luiz Sacilotto, Sergio Camargo, Sérvulo Esmeraldo e Willys de Castro. Até o próximo ano, arquivos documentais de Antonio Dias, Carmela Gross, Ivan Serpa, Jorge Wilheim e Rubem Ludolf serão tratados e também disponibilizados.

Regina Silveira, CASCATA, 2020 instalação. Impressão digital sobre vinil adesivo.
Regina Silveira, CASCATA, 2020. Instalação. Impressão digital sobre vinil adesivo. Foto: Divulgação

Um caso similar

Desde o início de 2016, quando o Paço das Artes foi despejado do espaço que ocupava na USP, houve uma sensação de incerteza de qual seria seu futuro. O edifício, projetado pelo mesmo Jorge Wilheim que ajudou a impulsionar o IAC, possuía um grande espaço para a realização das atividades e era habitado pelo Paço há quase 20 anos. Por pertencer à Secretaria do Estado da Saúde, sempre houve uma tensão em relação à permanência da instituição naquele local. “De qualquer maneira, pegou a gente de surpresa. Foi tudo muito rápido. A solicitação para que saíssemos de lá foi feita muito em cima da hora”, conta a diretora do Paço, Priscila Arantes.

Ainda houve negociação para que pudessem ficar ali em um período expandido, pelo menos até realizarem a exposição de Harun Farocki, que já estava programada há algum tempo, o que foi acatado. Após o despejo, apenas um ano depois, o Paço foi orientado a ocupar uma sala na entrada do Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS-SP), enquanto internamente se articulava na procura de uma nova sede. Essa alocação se deu pelas duas instituições serem geridas pela mesma Organização Social (OS). A sala cedida para a realização de exposições foi utilizada para manter a Temporada de Projetos, o carro chefe do Paço. Exposições maiores precisaram de parcerias para serem montadas, como com a Oficina Oswald de Andrade e o MAC-USP. “Estabelecer redes de relações, conexões, foi nossa forma de resistir. Essas redes foram muito importantes porque ficava muito confuso para as pessoas saberem se o Paço tinha fechado ou não”. Em momento algum, a equipe deixou de se engajar na busca por um local que pudesse chamar de lar.

Regina Silveira, LUNAR, 2002/2003. Vídeo digital. Em colaboração com Ronaldo Kiel
Produção e realização: Olhar Periférico
Trilha sonora: Rogério Rochlitz.
Foto: Divulgação

Foi apenas ao final de 2018 que um desenrolar substancial aconteceu, quando foi anunciado que o casarão Nhonhô Magalhães, em Higienópolis, teria um espaço designado para ser a nova sede do Paço. Desde então, a equipe da instituição trabalhou na transferência de suas atividades para lá. A inauguração foi realizada no dia 25 de janeiro, com a individual Limiares, de Regina Silveira.

O Paço ocupa o subsolo do Casarão, tendo três salas de exposições que somam mais de 300 metros quadrados. Enquanto isso, sua parte administrativa fica na parte superior do edifício, que é de propriedade do Shopping Pátio Higienópolis desde 2005, quando foi vendido pelo governo de São Paulo. O edital de licitação, porém, tinha como cláusula que uma parte deveria ser cedida por vinte anos à Secretaria de Cultura, tempo que pode ser renovado. “As pessoas dizem: ‘Ah, que bom que você esperou’. Não, eu não esperei. Foi um trabalho que conquistamos como equipe”, comentou Priscila em entrevista para a ARTE!Brasileiros em dezembro. Ela comenta todo o processo que encarou até, finalmente, ter um espaço para o Paço. Ela também fala sobre os projetos que serão realizados ainda este ano, sobre a residência artística internacional que será oferecida e sobre o machismo no mundo da gestão cultural. Confira a entrevista na íntegra em nosso site.

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