Fotografias da série "Djingareyber", de Tiécoura N'Daou. Foto: Divulgação.
Fotografias da série "Djingareyber", de Tiécoura N'Daou. Foto: Divulgação.

No novo episódio do Acervo Comentado VB, a embaixadora Irene Vida Gala [1] fala sobre a história e a cultura do Mali, país da África Ocidental com presença marcante no Videobrasil. Retomando feitos e características do Império do Mali, ela comenta o vídeo Faraw ka taama (A viagem das pedras), de Seydou Cissé, e a série de fotografias da série Djingareyber, de Tiécoura N’Daou.

“Na obra desses artistas, nós percebemos a presença das religiões tradicionais. Percebemos que, em um país profundamente islâmico, permanecem as referências às religiões tradicionais e ao animismo. É interessante que quando o Islã chega à África Ocidental, ele é bastante permeável ao diálogo com a religião local. Não havia uma tentativa de imposição da nova religião. Esse Islã se fez um Islã híbrido”, afirma Vida Gala.

Ela destaca que “há também uma discussão muito evidente entre o tradicional e o moderno. Para um artista contemporâneo – de uma África hoje completamente contemporânea -, trazer para o público reminiscências do seu passado e da sua tradição é uma afirmação da sua identidade”.

A embaixadora aponta essa característica na obra de Seydou Cissé: “Quando vemos, por exemplo, no filme A viagem das Pedras, a formação daquela barragem, ela é um elemento do novo, uma referência ao colonizador que trouxe aquilo ao país ainda antes de sua independência. Depois aparecem uma mãe e uma filha, uma vestida com roupas ocidentais, outra com roupas tradicionais; aquilo não é por acaso. A filha indica que a barragem era útil para eles, e a mãe, tradicional, indica que aquilo era um elemento de tristeza”.

Tal dualidade também é referenciada pela crítica de arte e curadora Joëlle Busca ao salientar que “como a animação dá movimento à imagem, a magia dessas lendas funde-se com a do cinema para dar vida às centenas de milhares de trabalhadores sacrificados à construção faraônica da barragem de Markala. As imagens projetam-se, no sentido literal, como o chicote. Empurradas pelo instrumento mágico, as pedras rolam pelas encostas e se amontoam na ordem certa para construir as paredes”.

 

A segunda obra comentada por Vida Gala é Djingareyber, do artista multimídia Tiécoura N’Daou. Uma série fotográfica composta por oito imagens, Djingareyber fala sobre a mesquita de Timbuktu, ocupada por terroristas em 2013 no Mali. As fotos mostram a restauração do local pela população da cidade, numa tentativa de preservação de sua herança. Os registros apresentam uma tradicional cerimônia de emplastro que reúne mulheres, homens, jovens, crianças e idosos. O ritual é um testemunho, para as comunidades de Timbuktu, dos esforços feitos para a retomada do patrimônio e da vida cultural local, tão rica antes dos conflitos.

Finalizando seu comentário, a diplomata enfatiza a importância da oralidade na transmissão das culturas no continente africano: “Ambos os trabalhos que comentamos trazem uma referência ao que foi uma lenda, o registro oral da tradição. Quando o homem branco chega para colonizar a África, ele chega com uma ideologia de que a África não tinha história. Essa falta de história justificaria a presença do branco para colonizar. Mas as sociedades africanas são sociedade de uma história oral”.

Sobre o Acervo Comentado

Acervo Comentado Videobrasil é uma nova parceria entre arte!brasileiros e a Associação Cultural Videobrasil. A cada 15 dias publicamos, em nossa plataforma e em nossas redes sociais, uma parte de seu importante acervo de obras, reunido em mais de 30 anos de trajetória. 

A instituição foi criada em 1991, por Solange Farkas, fruto do desejo de acolher um acervo crescente de obras e publicações, que vem sendo reunido a partir da primeira edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (ainda Festival Videobrasil, em 1983). Desde sua criação, a associação trabalha sistematicamente no sentido de ativar essa coleção, que reúne obras do chamado Sul geopolítico do mundo – América Latina, África, Leste Europeu, Ásia e Oriente Médio –, especialmente clássicos da videoarte, produções próprias e uma vasta coleção de publicações sobre arte.

Este projeto contribui para “redescobrir e relacionar obras do acervo Videobrasil, e vertentes temáticas, na voz de críticos, curadores e pensadores iluminando questões contemporâneas urgentes”, afirma Farkas.


[1] Formada em Direito pela USP, concluiu o Instituto Rio Branco em 1986. É Embaixadora e tem 35 anos de carreira diplomática. Serviu nas Embaixadas do Brasil em Lisboa, Luanda e Pretória, além da Missão do Brasil na ONU e no Consulado Geral do Brasil em Roma.
No Itamaraty, em Brasília, foi chefe da Divisão de África Meridional. Foi Embaixadora do Brasil em Acra, Gana, até fevereiro de 2017.Sua carreira está estreitamente associada a postos, missões e visitas no continente africano, tendo cumprido missões temporárias nas Embaixadas do Brasil em Bissau, Dacar, Maputo e Lusaca, entre outras.
Lançou o projeto MONUEM – ERESP, que leva as simulações do modelo ONU a escolas de ensino médio da rede pública do estado e do município de São Paulo.
Está no documentário “EXTERIORES – Mulheres Brasileiras na Diplomacia” (2018), que registra os cem anos de mulheres na carreira diplomática.

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