Esculturas de Kader Attia expostas na mostra Irreparáveis Reparos. Foto: Gui Gomes/ Divulgação
Filho de pai argelino e mãe berbere, Kader Attia é um dos artistas franceses mais reconhecidos da sua geração. Ele cresceu na Argélia e nos subúrbios de Paris e usa essa experiência de viver entre duas culturas como ponto de partida para desenvolver sua prática artística, com a qual podemos entrar em contato em Irreparáveis Reparos, mostra individual do artista em cartaz no Sesc Pompeia até 30 de janeiro.
Em sua obra, Kader tem demonstrado interesse especial na noção de reparação, conceito entendido por ele como um processo de aperfeiçoamento e cicatrização, seja das instituições ou das tradições, dos sujeitos ou dos objetos; algo que pode estar ligado às perdas ou às feridas, à recuperação ou à reapropriação. Em Irreparáveis Reparos, sua reflexão principal ocorre no período posterior ao conflito – no que resta e na ausência –, utilizando também do vazio para indicar a antiga presença de algo.
Assista ao vídeo e saiba mais:
Quer saber mais sobre a mostra? A arte!brasileiros visitou a exposição e o colunista Fabio Cypriano conta um pouco de sua experiência pessoal em texto para a edição #53 da revista. Leia aqui.
Irreparáveis reparos – Kader Attia fica em cartaz até 30 de janeiro de 2021. Para a segurança de todos frente à pandemia de coronavírus, a temperatura corporal é aferida na entrada e o uso de máscaras é obrigatório durante toda a visitação. Reserve seu ingresso no site do Sesc Pompeia clicando aqui.
"Cena de crime IV", de Laís Matias, é uma das obras a compor a Exposição do Prêmio Vozes Agudas para Mulheres Artistas. Foto: Cortesia Vozes Agudas
Voltado exclusivamente para mulheres, o Prêmio Vozes Agudas recebeu mais de 800 inscrições em sua primeira edição. Com objetivo de construir plataformas de visibilidade para o trabalho de artistas mulheres ainda não absorvidas pelo circuito tradicional das artes, o edital selecionou três vencedoras, concedeu duas menções honrosas e no próximo dia 22 de março abre sua primeira exposição coletiva, unindo essas artistas a um grupo de doze convidadas na Galeria Jaqueline Martins, em São Paulo.
Com entrada gratuita, a mostra fica em cartaz até o dia 01 de abril e a visitação pode ser agendada com a própria galeria. Pensando em permitir o acesso àqueles que seguem em isolamento ou moram em outras cidades e estados, o coletivo também disponibilizou as obras em seu site (clique aqui). Nos próximos meses, a exposição terá ainda um outro recorte em Brasília, na Galeria Karla Osório, reunindo artistas do Centro-Oeste; e uma última versão em Recife, em local a ser definido, buscando apresentar trabalhos das regiões Norte e Nordeste.
Em todas as ocasiões, participam das mostras as vencedoras do prêmio: a fotógrafa gaúcha afro-futurista Laryssa Machada; a mineira Massuelen Cristina, que transita por mídias tecnológicas para construir narrativas subjetivas de percepção, em que aspectos raciais e de gênero dialogam com as contradições da vida; e a paulista Monica Coster, com seu trabalho escultórico e performático com uma perspectiva poético-biológica dos processos digestivos; bem como, o coletivo Terroristas del Amor (CE) e a artista Vulcânica PokaRopa (SP), menções honrosas no edital.
Na edição paulista, especificamente, integram a exposição as convidadas Alice Yura (MS), Ana Elisa Gonçalves (MG), Bella PPK do Mal (SP), Bruxas de Blergh (MG), Érica Magalhães, Érica Storer (PR), Laís Matías (SP), Lília Malheiros (SP), Maria Livman (SP), May Agontinme (SP), Mirla Fernandes (SP) e Vanessa Ximenez (RJ).
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"Ouro por espelho", de Laryssa Machada, uma das vencedoras do Prêmio Vozes Agudas para Mulheres Artistas. Foto: Cortesia Vozes Agudas
"Flores para Iemanjá", de May Agostinme. Foto: Cortesia Vozes Agudas
Adentrando o circuito artístico
Situado em São Paulo, o Vozes Agudas é um coletivo feminista de estudos e intervenções. Ligado ao Ateliê397 (leia nossa matéria sobre o espaço independente), ele é formado por artistas, pesquisadoras, curadoras e gestoras culturais. O Prêmio foi uma das iniciativas de 2020, visando dar espaço a mulheres que seguiam à margem do circuito das artes, seja por questões de linguagem ou contingência social.
Por isso, além da participação nas exposições, cada uma das vencedoras ganhou um prêmio no valor de R$1.000,00 e um conjunto de atividades para impulsionar a divulgação de seus trabalhos. Devido à boa repercussão, o Coletivo Vozes Agudas já planeja uma segunda edição a ser lançado ainda em 2021.
"Ofrenda" [Oferenda], mural feito em ocasião do Converse City Forests em Lima, Peru. Foto: Divulgação.
A poluição do ar é um dos principais problemas das grandes metrópoles. Mas como seria se uma arte de rua conseguisse agir para minimizar esse impacto ambiental? É isso que propõe o projeto Converse City Forests. A ação global pretende espalhar em diversos países murais feitos com tinta fotocatalítica, um material que usa a energia da luz para decompor os poluentes atmosféricos nocivos.
Segundo a Converse, empresa responsável pelo projeto, “qualquer superfície revestida com esta tinta torna-se uma superfície purificadora de ar ativa, que ajuda a proteger as pessoas de gases nocivos. A tinta faz o papel de árvores em lugares que elas não podem crescer”. Pesquisas de instituições brasileiras e internacionais[1] também apontam as propriedades deste material e explicam que é a presença de nanopartículas de elementos como o dióxido de titânio que confere à tinta, a partir do fenômeno da fotocatálise, novas propriedades: a autolimpeza das superfícies e a purificação do ar.
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"Pindorama", mural de Rimon Guimarães em São Paulo, feito com tinta fotocatalítica na ação do Converse City Forests. Foto: Divulgação
"Pindorama", mural de Rimon Guimarães em processo. Foto: Divulgação
Em 2020, o Brasil recebeu pela primeira vez um mural ecológico deste tipo. Em uma empena vizinha à Via Elevada Presidente João Goulart (o famoso Minhocão), em São Paulo, Rimon Guimarães criou Pindorama. A estimativa é que o grafite tenha um efeito equivalente a 750 árvores. Ao lado de outros murais ecológicos da América Latina – feitos em Santiago (Chile), Lima (Peru) e Cidade do México -, a obra segue a temática “orgulho, ancestralidade e raízes locais”, baseada em referências e pesquisas dos povos originários brasileiros.
Além disso, o Converse City Forests teve atuação em outros continentes. Na África, realizaram um mural em Joanesburgo (África do Sul), já a Oceania conta com um grafite em Sidney (Austrália). Na Europa, Varsóvia (Polônia) e Belgrado (Sérvia) receberam obras ecológicas, enquanto a Ásia foi o continente mais impactado, com produções em Ho Chi Minh City (Vietnã), Manila (Filipinas), Jakarta (Indonésia), Bangkok, Ratchaburi e Chiang Mai (Tailândia).
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"Ofrenda" [Oferenda], mural feito em ocasião do Converse City Forests em Lima, Peru. Foto: Divulgação.
Mural em Warsaw, Polônia, feito em ocasião do Converse City Forests. Foto: Divulgação.
Mural em Ho Chi Minh City, no Vietnã, feito em ocasião do Converse City Forests. Foto: Divulgação.
Mural em Santiago, Chile, feito em ocasião do Converse City Forests. Foto: Divulgação.
Em todas ações do projeto há uma atuação intensa da comunidade criativa da Converse, os All Stars. Parte de uma comunidade global da empresa, eles são aproximadamente 3 mil membros ao redor do mundo em 30 países. O grupo de São Paulo conta com cerca 120 jovens entre 18 a 23 anos, todos ligados ao universo da arte de alguma forma.
Descentralizando lutas e artes
Porém, para a equipe, as florestas urbanas pareciam ainda muito centralizadas. Pensando em pulverizar a ação do projeto em São Paulo e levar a tecnologia da tinta para mais pontos da cidade, criaram o City Attack, eixo do Converse City Forests responsável pela criação de 60 murais distribuídos pelas diferentes regiões da capital.
Essa etapa foi destinada ao artista Pina e baseia-se em obras feitas com estêncil, buscando replicar as artes de forma mais rápida. Em colaboração com a Converse, o artista escolheu três All Stars que tivessem linhas de pesquisa e militâncias distintas, para que pudesse expressar as lutas de cada um através da sua arte. Os selecionados foram Lucas Fidelis representando a luta anti-racista; Vitória Leona, que retrata os povos originários, e Lucy Eclipsa, simbolizando a luta de pessoas trans não binárias.
“É importantíssimo que olhemos para a cidade como um território em disputa. Trazer mais camadas ao projeto e levá-lo para os mais variados lugares é democratizar o acesso à arte e informação nas ruas”, explica Lucy Eclipsa. Para a artista, isso tem especial importância pela missão do City Attack de colocar em pauta as lutas identitárias: “Não é de hoje que espaços culturais como museus e galerias não são convidativos e inclusivos para pessoas trans, negras, indígenas e periféricas, porque a maioria desses lugares é elitizado. Essas intervenções trazem pautas para que todos que passarem por ali tenham a experiência de pensar – mesmo que por pouco tempo – na importância das lutas dos corpos pretos, indígenas e trans, inspirando artistas e marcas a levarem essas responsabilidades nos seus trajetos”.
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Mural de tinta fotocatálitica feito em ocasião do City Attack, eixo do projeto Converse City Forests. Foto: Divulgação
Mural de tinta fotocatálitica feito em ocasião do City Attack, eixo do projeto Converse City Forests. Foto: Divulgação
Mural de tinta fotocatálitica feito em ocasião do City Attack, eixo do projeto Converse City Forests. Foto: Divulgação
Vitória Leona faz coro e acredita que a ação também tenha um impacto direto em sua arte e militância. “Participar dessa ação me fez refletir sobre o que faço, o que represento e como isso me posiciona no mundo. Não é uma campanha para exaltar à minha imagem, e isso me faz entender como carrego uma mensagem comigo e sou representante da minha história”, compartilha.
Para Fidelis, é justamente a justaposição das pautas que torna o projeto ainda mais potente e atual, “a ambiguidade que essa tecnologia traz, entre a mesma tinta que emite arte e mensagem política, emite um ato ambiental, é bonita de acompanhar.” Ao que Lucy complementa: “Hoje em dia é necessário unir a luta pelos direitos humanos e meio ambiente, são lutas emergentes e que falam sobre a vida, a saúde e a ocupação dos espaços, colocando em xeque a raiz desses problemas atuais”.
Still de "Mesa curandera", de Louidgi Beltrame, 2018. Foto: divulgação.
Com abertura no dia 22 de fevereiro, a coletiva Uma História Natural das Ruínas abre o programa de exposições do Pivô de 2021. A mostra propõe uma revisão crítica da distinção moderna entre cultura e natureza a partir da obra de um grupo singular de quinze artistas de diferentes contextos e gerações, alguns deles apresentando suas obras no Brasil pela primeira vez.
Participam da mostra:Denilson Baniwa (Brasil), Louidgi Beltrame (França), David Bestué (Espanha), Minia Biabiany (Guadalupe), Paloma Bosquê (Brasil), Elvira Espejo Ayca (Ayllu Qaqachaca), Sheroanawe Hakihiiwe (Sheroana, Alto Orinoco), Isuma (Nanavut), Cristiano Lenhardt (Brasil), Candice Lin (EUA), Lina Mazenett e David Quiroga (Colômbia), max wíllà morais (Brasil), Daniel Steegmann Mangrané (Brasil/Espanha) e Janaina Wagner (Brasil).
Por meio de uma série de processos históricos, humanos “se separaram” da natureza e os regimes coloniais propagam essa noção de exploração, normalizando a natureza como um “recurso” à disposição dos humanos, como explica a curadora Catalina Lozano. “É em grande parte por meio do conhecimento e das práticas ecológicas dos povos indígenas que essas categorias coloniais em funcionamento podem ser produtivamente desafiadas”, complementa Lozano no texto curatorial da mostra. Ela explica ainda que outra ideia que guia Uma História Natural das Ruínas é a de uma vida que reage à violência humana na paisagem arruinada do capitalismo.
Alguns destaques da mostra: em Mesa Curandera (2018) o artista francês Louidgi Beltrame registra cerimônias de cura com o cacto San Pedro promovidas por um xamã no Peru; Qapirangajuq: Inuit Knowledge and Climate Change (2009), do coletivo de arte e mídia inuit Isuma, que ocupou o pavilhão do Canadá da Bienal de Veneza em 2019, é o primeiro documentário feito em idioma inuktitut sobre o tema do aquecimento global; os desenhos do yanomami Sheroanawe Hakihiiwe descrevem as formas e marcas deixadas por animais e plantas que fazem parte do ambiente onde vive, no Alto Orinoco venezuelano; feita especialmente para o projeto pelo espanhol David Bestué, a série de novos trabalhos tem inspiração no Poema Sujo, de Ferreira Gullar.
Miriam Inêz da Silva. Título desconhecido, 1992. Cortesia Almeida e Dale Galeria de Arte.
Com o mesmo título da exposição realizada pela galeria Almeida e Dale, em cartaz até o fim de março, o livro As Impurezas Extraordinárias de Miriam Inêz da Silva será lançado no dia 27 de fevereiro. Na mostra foram reunidas mais de 110 pinturas e gravuras criadas pela artista entre 1962 e 1996, sendo a maior retrospectiva de Miriam na capital paulista. Agora, obras inéditas que não puderam estar expostas compõem as páginas do livro, que conta ainda com textos de Kiki Mazzucchelli, Sofia Cerqueira, Marcelo Campos e Bernardo Mosqueira, curador da mostra e organizador da publicação.
Nascida em 1937 na cidade de Trindade, em Goiás, Miriam Inêz da Silva estudou na Escola Goiana de Artes Plásticas, foi aluna de Ivan Serpa no MAM-RJ, participou de duas Bienais Internacionais de São Paulo (1963 e 1967) e sustentou uma trajetória artística de quatro décadas. Ao revisitar a obra de Miriam, Mosqueira, junto de Ana Clara Simões Lopes, pretende apresentar os seus trabalhos como frutos de uma mulher moderna e transgressora (confira aqui conversa entre os dois sobre a exposição). Essas são características ressaltadas pela mostra ao evidenciar ainda o fato da artista ter representado de maneira única as tensões relativas ao processo de modernização do Brasil no século 20. Tal representação se afasta da forma como a artista foi retratada por muito tempo; segundo Mosqueira, a partir do início dos anos 1970 quando grande parte dos críticos de arte no país passou a classificar a artista como “primitiva”, “naïf” e “popular”, seu trabalho passa a ser tratado como algo gerado de maneira intuitiva, ingênua e tradicional.
“A inclusão (ou exclusão) de Miriam nestas categorias fez de sua obra objeto de um olhar atrofiado, informado por elitismo, incapaz de reconhecer as complexidades que constituem sua prática. Onde estes críticos vêm apontando intuição, inocência, pureza e tradição, na exposição ressaltamos intenção, malícia, impureza e transgressão”, afirma o curador.
Miriam Inêz da Silva. “Gato gatão. De dia é gato, e de noite assombração”. Cortesia Almeida e Dale Galeria de Arte.
A mostra fica em cartaz até dia 27 de março com entrada gratuita. As visitas podem ser agendadas pelo telefone (11) 3882-7120 ou e-mail: recepcao@almeidaedale.com.br. Por conta da pandemia, a galeria produziu um viewing roomno qual o público poderá conhecer a montagem virtualmente.
"Os Comedores de Batata", 1885, Van Gogh. Foto: Reprodução
Gabriel San Martin*
No dia 5 de fevereiro, o escritor e crítico de arte Rodrigo Naves publicou o seu novo livro: Van Gogh: A Salvação pela Pintura (Editora Todavia). Apesar de o pintor holandês ser um artista muito discutido há mais de um século, Naves se mostra capaz de apresentar uma outra visão sobre a obra do pintor.
Se a qualidade das telas de Vincent Van Gogh (1853-1890) foi com recorrência atribuída às dificuldades e problemas psíquicos do artista, Naves se mostra convencido de uma interpretação distinta. Para o crítico, mais do que representar as dificuldades de sua vida ou se vitimizar, o pintor teve por motivo a criação de composições ligadas a uma tentativa de salvação através do trabalho. O holandês sempre foi muito ligado à religião calvinista – doutrina surgida a partir da Reforma Protestante no século XVI – e por isso, segundo Naves, o “destino de sua vida repousa num trabalho sem fim, uma condenação, portanto, que a alguém formado na moral calvinista seria simultaneamente esperança de salvação”.
Nesse sentido, essa entrevista tem por objetivo discutir alguns pontos interessantes de seu novo livro e sobre determinadas questões relacionadas à crítica de arte hoje. Leia abaixo:
Gabriel San Martin – O que te levou a escrever, nos dias de hoje, um livro sobre o Van Gogh?
Rodrigo Naves – Tem um lado, digamos, um pouco aleatório e um pouco mal entendido. Em 2017, o Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, me pediu para fazer livros que fossem baseados no meu curso de História da Arte. Eu avaliei mal, porque eu já tinha 63 anos, mais ou menos, e não tenho uma saúde das melhores. Mas aceitei. Aí fiz o texto do Van Gogh, porque ele não apenas é um dos artistas que mais gosto, como também o texto já estava mais trabalhado, embora tive que achar as notas. Deu um bom trabalho.
GSM – Parece-me que a tese central do livro consiste em estabelecer um vínculo direto entre a admiração que os calvinistas têm pelo trabalho e a obra do Van Gogh, não? De modo que ele buscasse criar uma possibilidade de salvação através da pintura. Então eu gostaria que você, nas suas palavras, desse uma breve explicação dessa tese que você apresenta no livro.
Eu penso o seguinte: essa questão, sim, é muito central e, digamos, eu consigo ver trabalho na superfície das telas do Van Gogh. Porque, geralmente, se eu pego uma garrafa de Coca-Cola, por exemplo, o trabalho fica oculto. Seja em qualquer objeto industrial, um cortador de unha, os seus óculos…Quer dizer, é um trabalho industrial, em geral, por não ser rude e não revelar a existência da intervenção humana. E, no caso do Van Gogh, por esse uso muito espesso da tinta – o que se chama, no jargão, de impasto –, a pincelada é simultaneamente a tentativa de figuração de algo, seja um rosto, um monte de feno, um girassol… De modo que, por ser muito espesso, ela cria uma tensão entre figuração e ser uma matéria amarela, azul etc. Então tem a ver com essa noção calvinista do trabalho, do trabalho como uma espécie de louvação, de glorificação de Deus. Um trabalho que não supõe recompensa, riqueza ou prosperidade, mas, sim, uma certa educação dos próprios sentidos, uma concentração em aspectos do mundo sensível que não seriam mais pro lado do vício do que da virtude, uma disciplina que é muito decisiva para essa denominação protestante.
Acredito que no luteranismo, que é a primeira vertente protestante, as coisas não são tão radicais. Tanto que no livro do Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, é o calvinismo. Ele [Van Gogh] vem de uma família muito ligada ao calvinismo, o pai era pastor e o avô, se não me engano, era um teólogo do calvinismo. Tanto em algumas cartas quanto nos temas que ele usa, essa questão do regime do trabalho é muito forte. Por exemplo, na última etapa, mais ou menos o momento em que ele realmente começa a pintar profissionalmente, no final de 1864, numa pequena aldeia, ele pinta os famosos comedores de batata. Então, os temas também são muito ligados aos trabalhos agrícola e camponês, o que mudou muito com as máquinas e a mecanização, mas que era o trabalho mais rústico, em que a relação com a terra é estreita. E ele vive, se não me engano, mais de uma semana com aquela família [de Os Comedores de Batata] para, enfim, incorporar melhor os gestos, o tipo de trabalho. Um indicador dessa questão também é que o grande amor da pintura para ele era Jean-François Millet, que é o pintor dos camponeses. E ele tem quatro ou cinco trabalhos que são cópias, cópias no estilo, em que ele toma por base temas semelhantes àqueles do Millet. Então, em vários aspectos, culturais e religiosos ou da própria formação dele, essa questão foi decisiva.
A capa do livro. Foto: Editora Todavia
GSM – Ainda nesse sentido, você comenta bastante no decorrer do livro sobre como a obra do Van Gogh foi reduzida à situação dele enquanto uma pessoa que sofreu muito. Você acha que, não querendo estabelecer uma hierarquia, há uma força maior ainda nesse ímpeto do trabalho em detrimento desse ímpeto do sofrimento na obra dele?
Que ele tenha tido sofrimentos psíquicos em um grau mais terrível ou menos terrível me parece indiscutível. Ele teve também problemas fortes com alcoolismo. Aí as pessoas vão fazendo diagnósticos no Van Gogh de acordo com o que a psiquiatria vai mudando. Então, já foi esquizofrenia, agora é transtorno bipolar, diz-se também que ele tinha epilepsia… E o grande responsável por essa visão um pouco mais sofrida e angustiada do Van Gogh, que não é mentirosa, é um livro chamado, se não me engano, Lust for Life, de um escritor chamado Irving Stone, que depois dá origem ao filme do Vincente Minnelli, Ânsia de Viver, em que o Van Gogh é o Kirk Douglas e o Gauguin é o Anthony Quinn. Ambos, o livro e o filme, foram bestseller e blockbuster. Assim, ficou muito popular essa lenda, porque tem uma série de indagações que, depois quando as investigações foram aprofundadas, colocaram em questão até o suicídio do Van Gogh. Dois pesquisadores alemães pesquisaram os arquivos policias de Arles (França), que falavam que quem cortou o pedaço da orelha do Van Gogh não foi ele, mas que foi o Gauguin. Então, acaba que, de certo, você tem as cartas e os trabalhos, que, enfim, só ganharam prestígio e reconhecimento com o passar dos anos.
Agora, o que talvez seja decisivo também para que o Van Gogh dê o pulo do gato é a ida dele para Paris. Ele já havia estado em Paris, quando ele trabalhava na galeria, meio de segunda, de uns parentes afastados. Quando ele volta, em 1886, ele era tímido, pouco sociável, mas se aproxima daquele Peter, comerciante de material artístico, e lá ele conhece o Toulouse-Lautrec, o Signac e o Pissarro. O Pissarro vai ser o cara mais importante, que já tinha sido para o Cézanne e o Gauguin, para a introdução do Van Gogh à pincelada descontínua do impressionismo e essa coisa toda.
Então, do ponto de vista dos vários modos de representação artística, de fato o impressionismo é questão decisiva para o Van Gogh, embora ele vá dar às pinceladas separadas e às cores mais luminosas do impressionismo uma destinação quase oposta. Ele mesmo diz que usa a cor como expressão. Então, é como se ele quisesse representar uma paisagem com a emoção que ele sentia diante desses temas. Não é à toa que ele foi uma das fontes mais influentes do chamado primeiro expressionismo alemão, em especial àquele grupo chamado A Ponte. Porque, pense aqui comigo, por mais que eu, ao representar você, procure representar o sentimento que tenho por você, evidentemente menos realista será essa representação. Portanto, quando você quer se aproximar desse mundo que você representa pela emoção, pela expressão, ele se afasta mais. Afinal, ele está tingido dessa expressão. E eu acho que essa relação, digamos, meio conflituosa com a realidade, com o meio social etc., nasce um pouco com ele.
Eu não consigo identificar no Millet e em mais ninguém essa relação difícil com a realidade, embora, para ser honesto intelectualmente, uma influência importante também aos expressionistas foi o Matisse. Sobretudo a primeira fase do Matisse, dos fauves (fauvistas), por causa dos contrastes de cor. Mas, o Matisse era uma pessoa angustiada, apesar da experiência que nós temos em várias obras do Matisse é de uma alegria incontida. É mais ou menos por aí que consigo equacionar esses elementos.
GSM – Passando para um assunto mais pessoal do seu trabalho, há um trecho no final do livro no qual você diz: “Todos envelhecemos. E talvez o mais patético desse movimento natural seja tentar evita-lo pela adesão histérica às últimas tendências”. Eu gostaria de entender se, de algum modo, essa fala tem algum vínculo com toda a discussão que houve a seu respeito há alguns anos referente à sua possível adesão ou preferência por uma arte moderna. Você diria, hoje, que definitivamente fez as pazes com a arte contemporânea?
Olha, eu realmente fui mais formado na arte moderna. Agora, grande parte dos artistas sobre os quais escrevi são contemporâneos, vivos. Então, eu não tenho nenhuma, digamos, prevenção à arte contemporânea. Agora, tenho, sim, em relação a alguns valores que passaram a mensurar a arte contemporânea: valor de mercado, uma capacidade de julgar positiva e fazer o próprio marketing do seu trabalho… E alguns cacoetes mais ou menos contemporâneos, como uma politização da arte contra a qual eu não tenho nada quando é bem feita. Eu acho um dos melhores artistas contemporâneos aquele William Kentridge, que é um desenhista sul-africano, que faz desenhos animados. Mas, aquilo eu acho que tem uma concepção do desenho, da autorrepresentação, que é de fato muito esclarecedora. Eu acredito que o Joseph Beuys também tem uma arte política mais ampla, mais ligada à arte ecológica, e eu adoro o trabalho do Beuys, é um dos trabalhos que mais me tocam.
O escritor e crítico de arte Rodrigo Naves. Foto: Reprodução
Agora, em alguns casos, e não são poucos, essa politização parece que é muito superficial, que ela é quase uma contradição dos termos. Ou seja, você usa ou a tinta, ou a madeira, ou o bronze, ou o mármore, ou a instalação, ou o espaço quase como uma matéria-prima para expressar alguma coisa. E acredito que essa subjugação dos materiais, que foi de alguma maneira um ideal da arte humanista do Renascimento, isso perdeu o sentido na situação em que o mundo está. Então, você usar um elemento qualquer para, como se fosse um fantoche que fala, literal, é facilmente compreensível. Eu não sei, pode até ser que haja um ganho político. Mas, eu não consigo ver, porque acho que é uma contradição dos termos. Posso até estar falando uma asneira, mas existe um setor, por exemplo, do socialismo soviético que tem interesse, sabe. Que não são só aqueles operários musculosos, aquelas mulheres fortes e saudáveis. Eu fui uma vez para Rússia e vi quase tudo que pude ver, e tem ali as vanguardas soviéticas (Tatlin, Malevich, Olga Rosanova) que acreditavam estar fazendo arte política, junto com o movimento soviético, claro. Isso logo depois da morte do Lênin, em 1924. Mas, enfim, o Malevitch chega a ser preso. Vários deles, como o Chagall, Kandinsky, Gabo, eles vão embora. Agora, era uma arte avançada não só no sentido de que fez a arte internacional andar, como até no sentido de que não há nenhum momento na arte moderna que tenha tantas mulheres boas artistas como naquela época.
Então, voltando à sua questão, eu não tenho nenhum preconceito ou algo semelhante em relação à arte contemporânea. Eu gosto muito dos trabalhos, por exemplo, da Agnes Martin, do Richard Serra, alguma coisa dos minimalistas, de vários brasileiros, para dar só um pequeno exemplo. E escrevi sobre quase todos, ao menos todos que tive condição de escrever. Agora, eu sei que fiquei um pouco estigmatizado como um crítico formalista, “anti-contemporâneo”. Agora, tudo bem ser isso desde que se entenda por “formalismo” você privilegiar o trabalho. Agora, infelizmente, eu acho que essa deixa de “formalista” ou “anti-contemporâneo” colou em mim, e acredito que me prejudica. E, no sentido prático, pode afastar alunos também. Mas, enfim, eu tenho posições. Não acho que toda fotografia tem a força que acham que tem. Foi me incomodando um pouco esse fato de quase todo artista que, evidentemente, fazia instalação, pintura, escultura etc., começar a fazer foto. O problema é que se você não tiver uma certa intimidade ou familiaridade com o seu meio (no caso, é a câmera), a tendência é que você reitere determinados esquemas extremamente reprisados. Mas, enfim, esclareço que também não tenho nada contra a fotografia.
GSM – Há certo momento do livro em que você diz: “E ainda há quem considere Roger Fry um formalista”. Me pareceu que, nessa frase, você atribui um teor até um pouco pejorativo à palavra “formalismo”, coisa que não sinto…
Hoje em dia virou um palavrão. Eu tive, uma vez, uma reunião com uma artista e ela disse: “Eu não sou uma artista formalista”. Quer dizer, e não é mesmo. Porque o trabalho era de uma apreensibilidade, sabe, que você pega aquilo, põe na algibeira e não precisa nunca mais ver. Agora, há algum tempo, eu li uma entrevista do [Richard] Serra em que fazem essa mesma pergunta para ele, e ele diz: “Olha, isso para mim não faz o menor sentido. Porque, há muito pouco tempo, formalismo era um elogio e agora passou a ser uma ofensa, né?”. Porque, no caso do Clement Greenberg (no do Roger Fry acho menos), é explícito. Há uma frase em que ele diz: “Não me interessa o que um trabalho significa, interessa o que o trabalho faz”. Então, ele quer entender como as coisas funcionam, e o Roger Fry não. Enfim, o que ele quer fazer é mostrar como o impressionismo tem a ver com a nova sociabilidade das metrópoles etc. Agora, ele tem a mão muito leve, e ambos [Fry e Greenberg] criticam o Van Gogh. Eu tenho a impressão, à respeito do Greenberg, de ele ter lido muito o Roger Fry, e ambos dizem que o Van Gogh foi um artista “incompleto”. Incompleto porque, vamos dizer, ele era meio amalucado por não conseguir se controlar de modo a desenvolver a completude do seu estilo. O Meyer Schapiro também fala isso, dizendo que ele chega a parecer um naif. Enfim, eu acho que isso que você disse, que é de fato um formalismo (dos soviéticos, essa coisa toda), foi um avanço na crítica literária. Por exemplo, o Roberto Schwartz é um negócio meio assim, com o ganho de fazer uma relação muito rica com a realidade social. Agora, muita gente já acha o Roberto Schwartz formalista.
*Gabriel San Martin é estudante de graduação em Filosofia pela Unicamp e pesquisador em estética e teoria da arte
Com as portas do museu abertas em Itu e uma nova instalação na FAMA Campo (em Mairinque), a Fábrica de Arte Marcos Amaro encerra fevereiro com uma retomada de suas atividades. A partir do dia 24 deste mês, aqueles que visitam Itu podem apreciar Tarsila – Estudos e Anotações, exposição da artista modernista que reúne desenhos raros, esboços e estudos guardados da vista do público há mais de cinco décadas (leia a coluna de Tadeu Chiarelli sobre a exposição) e a coletiva Ontologias. Na mostra, Marcos Amaro, Cabral e Kandro investigam questões sobre a existência (assista nosso vídeo sobre as exposições em cartaz).
A reabertura do espaço físico da FAMA Museu, em Itu, segue orientações da prefeitura, além de medidas categóricas de proteção, saúde e higiene estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e órgãos brasileiros de Saúde Pública.
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A exposição "Estudos e Anotações", de Tarsila do Amaral. Foto: Filipe Berndt
Vista da exposição "Ontologias". Foto: Filipe Berndt
A FAMA Campo, por sua vez, apresenta uma instalação inédita de Carlito Carvalhosa, mas mantém-se fechada para visitação presencial. Composta por uma cerca de mais de 8 metros de altura, com fio situado a cerca de 2,5 metros do chão, a obra Área de Propriedade ocupa 195 metros de extensão do museu a céu aberto e questiona a relação entre a imagem e a função daquilo que nos cerca. Para compreendê-la, assista à visita virtual no vídeo a seguir:
A obra divide visualmente o espaço do museu, mas não bloqueia a passagem, permitindo que pessoas e animais atravessem a cerca. Dessa forma, busca tornar visível o que passa despercebido aos olhos cotidianos e questionar a relação entre a imagem e a função daquilo que nos cerca. Foi durante uma viagem pelo pantanal mato-grossense que o artista deparou-se com as primeiras provocações que geraram a obra. Em meio às imensas áreas de inundação sem qualquer cerca que as delimitassem, Carlito Carvalhosa notou o quanto somos habituados a ver o campo definido pelas cercas que dividem pastos, propriedades e áreas em geral. Posteriormente, desenvolveu essa instalação site specific, feita especialmente para o espaço da FAMA Campo.
Serviço Reabertura da FAMA Museu – Fábrica de Arte Marcos Amaro
24 de fevereiro, quarta-feira, a partir das 11h
Endereço: Rua Padre Bartolomeu Tadeu, 09 – Vila São Francisco – Itu/SP
Funcionamento: de quarta-feira à domingo, das 11h às 17h
Entrada gratuita
Exposição Estudos e Anotações, de Tarsila do Amaral
Inteira R$ 10,00
Estudantes/professores/educadores R$ 5,00 (necessário documento de comprovação)
Residentes em Itu R$ 5,00
Elizabeth Wicks e Marina Vicente trabalhando na restauração da pintura "São João [San Giovanni di Dio] cura vítimas da praga", de Violante Ferroni, que será reinstalada no Hospital San Giovanni di Dio, em Florença. Foto: Francesco Cacchiani
Onde estão as mulheres? Essa foi a questão lançada pela Advancing Women Artists (AWA) aos espaços museais e aos visitantes dos turísticos museus de Florença nos últimos 14 anos. A organização filantrópica americana se dedicou a identificar, restaurar e exibir obras de arte feitas por mulheres na cidade berço do renascimento italiano. Desde sua fundação, 70 trabalhos de diferentes artistas que viveram entre os séculos XVI e XX foram restaurados, dentre eles pinturas de Artemísia Gentileschi, Marisa Mori e Plautilla Nelli. Em 2020, a AWA anunciou o fim de suas atividades.
A decisão está ligada à falta de verba para dar continuidade ao projeto. Porém, “enquanto o fechamento é triste para muitos, ele é na realidade um sinal de ‘vitória’, não derrota. AWA nunca buscou firmar sua perpetuação, foi criada como um recurso de sensibilização para os museus da Toscana, para que – através de projetos de conservação individuais – pudessem dar luz para tesouros pouco conhecidos, e restaurar a parte esquecida da História da Arte”, diz Linda Falcone, diretora da organização. A equipe acredita que essa tenha sido uma missão cumprida, pois percebem claras evidências de uma continuidade do projeto de restauração nas diferentes instituições com as quais firmaram parceria. As Galerias Uffizi são um exemplo, ao passo que aumentaram o número de obras feitas por mulheres em sua exibição permanente e realizaram, em 2017, uma exposição temporária individual de Plautilla Nelli. “Estamos determinados a carregar a missão e o legado da AWA”, declara Eike Schmidt, diretor das Galerias, em entrevista ao The Art Newspaper.
Stefano Casciu, diretor regional dos museus da Toscana, também faz coro às ideias de Falcone. Em sua opinião, a organização foi muito importante para a redescoberta das artistas e de seu corpo de obras. Supervisor da administração de 49 espaços museológicos em Florença e cidades vizinhas, ele afirma: “O trabalho da AWA foi corajoso e inovador, não apenas pela restauração de obras específicas, mas através da expansão do conhecimento acerca da participação das mulheres na História da Arte italiana e nos museus de Florença”.
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Teste diagnóstico na "Última Ceia" de Plautilla Nelli. Foto: Francesco Cacchiani
Merj Nesi restaurando escultura de Antonietta Raphael no Museo Novecento. Foto: Ottaviano Caruso
Restauração de pintura de Artemisia Gentileschi, atualmente exposta no Palazzo Pitti, em Florença. Foto: Cortesia AWA
Restaurando histórias
Esse legado, porém, não se deve apenas à conservação de pinturas e esculturas. Complementando o processo, a equipe da AWA pesquisava sobre a vida de cada artista que tinha seu trabalho recuperado. “Nosso trabalho não era restaurar toda e qualquer obra atribuída a uma mulher”, explica Falcone. “O que nós buscamos é uma restauração permanente da personalidade das artistas e de suas produções”, completa.
A maioria das trajetórias artísticas redescobertas partiram de peças que constavam nos acervos dos museus florentinos, o que foi possível graças às parcerias estabelecidas com importantes instituições, como as Galerias Uffizi, Galleria dell’Accademia, Complexos de Santa Croce e Santa Maria Novella, Museu de San Marco, San Salvi, entre outros. Apesar de as obras já estarem preservadas nesses acervos, elas permaneciam desconhecidas e recebiam menos atenção do que trabalhos de artistas homens renomados internacionalmente. Foi esse o ponto que inquietou Jane Fortune, fundadora do projeto. Após se encantar por uma pintura de Plautilla Nelli no Museu de San Marco, a americana decidiu bancar a conservação da mesma. Fascinada pela artista, perguntou-se quantas outras estariam nas mesmas condições, com pinturas necessitando de reparos. A pergunta transformou-se em objetivo: dar mais visibilidade a essas mulheres.
“Vinte anos atrás, seria mais difícil conseguir verba para restaurar trabalhos atribuídos a artistas desconhecidas do passado”, destaca Schmidt. O diretor das Galerias Uffizi acredita que a Advancing Women Artists teve um papel importante no cenário local e internacional para aumentar o interesse popular nessas obras, e tem a esperança de que organizações locais se sintam motivadas a conservar mais trabalhos femininos.
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Laura Falcone, diretora do AWA, pesquisando os manuscritos de Nelli no Museu San Marco, em Florença. Foto: Kirsten Hills
Rossella Lari, conservadora-restauradora, e Laura Falcone, diretora do AWA. Foto: K. Morikawa
Diretora do AWA apresentando restaurações na Igreja Santa Croce em Florença. Foto: Leo Cardini
No entanto, para alcançar o objetivo de Jane Fortune, o processo não pode acabar dentro dos acervos. Para a equipe da organização, a exibição das obras é a única maneira de fazer com que essas artistas sejam realmente conhecidas na Itália e no mundo. Por isso, durante os anos de atuação, trabalharam para que se estabelecessem exibições permanentes dos trabalhos nos museus e igrejas de Florença e, em alguns casos, apoiaram exposições temporárias. Ao lado disso, a AWA tem buscado espaços expositivos ao redor do mundo, onde as pinturas e esculturas possam ser exibidas temporariamente – para então retornarem aos acervos dos museus italianos. “É através da educação e da exibição dessas obras em Florença e internacionalmente que será possível mostrar esse legado cultural vital e sua importância em Florença, na Itália e no mundo”, declaram as organizadoras no site oficial do projeto.
Um processo em andamento
Para o projeto, colocaram mulheres na linha de frente. “É uma honra estar envolvida com o projeto final da AWA. Ao longo dos anos, a organização deu oportunidades preciosas a conservadoras-restauradoras de trabalhar em obras feitas por artistas mulheres – o que no passado era raro de acontecer”, explica Elizabeth Wicks, responsável pela restauração da pintura de Violante Ferroni, que está prevista para ser apresentada ao público em maio de 2021.
Para ela, bem como para todas envolvidas na equipe, uma coisa é clara: apesar de a missão da AWA de pesquisar, documentar e expor trabalhos de artistas ser encerrada com a entrega desta última restauração, ainda há um longo caminho a ser percorrido. Ainda há uma grande parte da História da Arte italiana a ser restaurada e apresentada ao público.
Rossella Lari restaurando a “Última Ceia” de Nelli. Foto: Francesco Cacchiani
O curador e crítico de arte Bernardo José de Souza [1] comenta a obra Porosity Valley 2: Trickster’s Plot, de Ayoung Kim. Uma das mais destacadas artistas contemporâneas da Coreia do Sul, Ayoung Kim foi a representante do país asiático na 56ª Bienal de Veneza de 2015, teve importantes mostras individuais no Festival de Melbourne e no Palais de Tokyo, em Paris, além de ter participado de diversas bienais e festivais de cinema ao redor do mundo.
Parte de sua obra, agora, integra uma exposição individual no site do Videobrasil Online. A mostra sucede Antropoceno: Coreia x Brasil 2019-2021, que ficou no ar até o começo deste mês, e compartilha da mesma parceria para sua organização com Juhyun Cho, curadora chefe do Ilmin Museum of Art, em Seul. A mostra é a quarta a ocupar o espaço do Videobrasil Online, inaugurado em setembro com o documentário Abdoulaye Konaté – Cores e Composições, seguido pela exposição Sacudimentos, de Ayrson Heráclito, e da mostra coletiva Antropoceno, das artistas sul coreanas.
Segundo Cho, Ayoung Kim apresenta, em vídeos, performances e instalações, questões contemporâneas como a história coreana moderna, a política do petróleo, o imperialismo territorial e a movimentação do capital no mundo. Em suas experimentações, a artista apresenta ainda um vasto trabalho com arquivos e com desenvolvimento de dados e evoca formas pouco familiares de ler, ouvir e pensar sobre as condições do mundo.
Still de “Porosity Valley 2: Tricksters’ Plot”, de Ayoung Kim. Foto: Divulgação.
Acervo Comentado Videobrasil é uma parceria entre arte!brasileiros e a Associação Cultural Videobrasil. A cada 15 dias publicamos, em nossa plataforma e em nossas redes sociais, uma parte de seu importante acervo de obras, reunido em mais de 30 anos de trajetória. Neste episódio, a obra Porosity Valley 2: Trickster’s Plot, de Ayoung Kim, é analisada pelo curador e crítico de arte Bernardo José de Souza, confira a seguir:
A obra sugere um mundo e uma mitologia alternativas para as migrações de todo tipo do século 21. Sequência de Porosity Valley, Portable Holes (2017), avança em relação ao trabalho anterior criando a figura fictícia do aglomerado de migrantes, minérios e dados conhecido como Petra Genetrix. Sobrepondo migrações de refugiados e digitais, ambas características das migrações do século 21, gera um tempo-espaço especulativo ao questionar as “formas de existir” e as “formas de representar” dos refugiados iemenitas que chegaram recentemente à Coreia do Sul.
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Cenas de "Porosity Valley 2: Tricksters' Plot", de Ayoung Kim. Foto: Divulgação.
Cenas de "Porosity Valley 2: Tricksters' Plot", de Ayoung Kim. Foto: Divulgação.
Os trapaceiros (do título da obra) vieram para perturbar a ordem no vale, conhecida como “a mitologia do puro-sangue”. Eles ameaçam o rígido sistema imunológico do estado-nação, mas acabam por fortalecê-lo, ao transplantar nele sementes heterogêneas (xenotransplante). O que se reflete aqui é um estado de coisas no qual refugiados são tratados como uma espécie de disfunção ou vírus que ameaça o estado-nação. A seguir, desdobram-se cenas de controle biopolítico, tal como é vivido por Petra e pelos próprios refugiados iemenitas na Coreia.
Still de “Porosity Valley 2: Tricksters’ Plot”, de Ayoung Kim. Foto: Divulgação.
O trabalho questiona ideias de fronteira, atravessamento e coexistência ou simbiose. A suposta solidez do território e das fronteiras que imigrantes, refugiados, minerais e dados cruzam começa a desmoronar. Isso se deve ao movimento das placas tectônicas, elas mesmas eternamente sujeitas à migração e ao movimento. Nesse sentido, o trabalho reflete a Terra e seus estratos, o movimento de seus diversos agentes e as fronteiras e relações simbióticas que o impedem e facilitam.
Pintura em madeira feita por Feng Qingju. A obra adota técnicas da xilogravura e da pintura manual. A temática da criança segurando a carpa transmite desejos de boa fortuna, felicidade e uma longa vida. Foto: coleção da China Intangible Heritage Industry Alliance / Google Arts & Culture.
Embora muitas nações ocidentais se refiram ao feriado do Ano Novo Lunar como Ano Novo Chinês, ele é celebrado não apenas nas comunidades chinesas espalhadas pelo mundo, mas em outras nações asiáticas como Vietnã e Coreia do Sul. Este ano, a ocasião começa no dia 12 e termina em 26 de fevereiro.
É de costume nos países que festejam o Ano Novo Lunar oferecer de três a sete dias de feriado, embora as celebrações não sejam concluídas até o 15º dia do primeiro mês lunar, também conhecido como Festival das Lanternas. Antes disso, o terceiro dia, chamado de Chi Kou, é uma data destinada à visitação de templos; em tempos não pandêmicos, amigos e família se reúnem durante as festividades, exceto no Chi Kou, pois acredita-se que as discussões são mais prováveis de acontecer neste dia.
Ren Yude, recorte de tigre da coleção da China Intangible Heritage Industry Alliance. Foto Google Arts and Culture.
Talvez você tenha ouvido falar sobre o calendário zodíaco chinês e a atribuição de um animal deste zodíaco para cada ano, mas, na verdade, é um pouco mais complexo do que isso: um ano não é classificado apenas por seu animal do zodíaco, há também um ciclo sexagenário composto por uma combinação de um dos 10 ramos celestiais e um dos 12 ramos terrestres. De acordo com o ciclo, por exemplo, 12 de fevereiro de 2021 marca o início do ano xin chou, em que “Xin” representa a haste celestial para o metal, enquanto “chou” é o símbolo do ramo terreno para o boi, tornando-o o Ano do Boi de Metal.
“O boi, na cultura chinesa, é um signo trabalhador do zodíaco. Geralmente significa movimentos, então, esperançosamente, o mundo ficará menos estático do que no ano passado e voltará a se mover na segunda metade do ano.”, explica a mestre de feng shui Thierry Chow à CNN.
Cabeça de um fantoche que simboliza o “Espirito do Sapo”, feito por Xu Zhuchu. Foto: coleção da China Intangible Heritage Industry Alliance / Google Arts & Culture.
Em Arts of the New Moon: Lunar New Year with arts and crafts from East Asia, na plataforma Arts & Culture do Google, é possível conferir algumas mostras temáticas com o Ano Novo Lunar. Do significado dos envelopes vermelhos da sorte até a arte dos recortes de papel do condado de Wei; dos fantoches de Zhangzhou até as pinturas tradicionais em madeira e a representação do zodíaco chinês na arte. Para acessar as mostras da plataforma clique aqui.