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FAMA reabre com três exposições inéditas; assista ao vídeo

Com exposição de 203 obras de Tarsila do Amaral, instalação inédita sobre as tragédias de Mariana e Brumadinho e uma coletiva sobre a existência e as questões intrínsecas do ser, a Fábrica de Arte Marcos Amaro (FAMA Museu e Campo) reabre suas portas com novos protocolos de segurança e com seus espaços reformados e restaurados.

“Está sendo muito gratificante a reabertura. Ficamos nove meses fechados e tivemos muito trabalho para a reformulação e reapresentação do museu para o público, respeitando todas as normas e protocolos de segurança em função do Covid-19”, conta Marcos Amaro, presidente da instituição (leia nossa entrevista com o gestor cultural). A reabertura segue as orientações da Prefeitura da Estância Turística de Itu e as medidas de proteção, saúde e higiene estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e órgãos brasileiros de Saúde Pública.

Aqueles que visitam Itu e decidem por um passeio na FAMA podem apreciar Tarsila – Estudos e Anotações, exposição da artista modernista que reúne desenhos raros, esboços e estudos guardados da vista do público há mais de cinco décadas (leia a coluna de Tadeu Chiarelli sobre a exposição). Ao lado, Marcelo Moscheta ocupa uma das salas expositivas do museu com Rejeito, mostra resultado do prêmio FAMA Museu e Campo da 15ª SP-Arte (leia a reportagem), e a coletiva Ontologias reúne trabalhos de Amaro, Cabral e Kandro que investigam a própria existência.

Além das exposições é possível aproveitar as áreas externas, com os jardins e esculturas ao ar livre. “Esse é um espaço contemplativo para que as pessoas possam usufruir também um pouco da natureza dentro da Fábrica”, diz Amaro.

Assista ao vídeo e saiba mais: 

As visitas são feitas mediante agendamento, a ser feito no site da instituição (aqui) ou presencialmente. O ingresso para a FAMA Museu e Campo é gratuito, salvo a atual exposição Tarsila – Estudos e Anotações, cujo valor é de R$ 10,00 a inteira, R$ 5,00 a meia.

Miami Art Week reúne galerias e instituições de arte nos ambientes virtual e presencial

No projeto 'todo poder à praia!', da A Gentil Carioca, a praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, será transformada no espaço expositivo temporário da galeria durante o OVR: Miami Beach. Através de uma seleção especial de obras dos artistas Aleta Valente, Arjan Martins, Cabelo, Jarbas Lopes, João Modé, José Bento, Laura Lima, Marcela Cantuária, Maria Laet, Maria Nepomuceno, OPAVIVARÁ!, Rodrigo Torres e Vivian Caccuri, a galeria pretende criar um imaginário convergente entre as praias de Copacabana e Miami. Foto: Obra de Arjan Martins, exposta na praia de Copacabana. Cortesia A Gentil Carioca

Até o dia 6 de dezembro, galerias e instituições de arte de todo o mundo se reúnem (virtual e presencialmente) na Miami Art Week. Apesar da pandemia do novo coronavírus, o grande evento de arte contemporânea não deixa de acontecer em 2020. Enquanto organizações, galerias e museus locais levam o evento artístico às ruas do sul da Flórida, feiras como a Art Basel Miami Beach, Untitled e Pinta Miami expandem o evento ao virtual e contam com a participação de diversas casas brasileiras.

Na Art Basel Miami Beach Online Viewing Room (OVR: Miami Beach), a mais destacada dessas feiras, participam 255 expositores de 30 países e territórios ao redor do mundo. Em decorrência da pandemia, 2020 marca o primeiro ano em décadas sem exposições presenciais da Art Basel – que tem feiras também na Basileia e em Hong Kong. Com isso, a organização dedicou-se aos Online Viewing Rooms (OVR). Com a edição de Miami Beach não será diferente e, neste ano, o evento troca as ruas do sul da Flórida pelo ambiente virtual. O VIP Preview fica disponível a partir de 2 de dezembro e o público geral poderá acessar o evento entre os dias 4 e 6 de dezembro. 

Entre grandes galerias e instituições de arte de todo o mundo, estão 14 nomes brasileiros. Desses, 12 são de casas ligadas ao Projeto Latitude – Platform for Brazilian Art Galleries Abroad, realizado pela Associação Brasileira de Arte Contemporânea – ABACT em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos – Apex-Brasil. São elas: A Gentil Carioca, Bergamin & Gomide, Casa Triângulo, Fortes D’Aloia & Gabriel, Luisa Strina, Millan, Nara Roesler, Mendes Wood DM, Simões de Assis Galeria de Arte, Vermelho e as estreantes no evento Central Galeria e Kogan Amaro. Ao lado desses viewing rooms, Luciana Brito e DAN Galeria participam de forma independente.

Além das exposições, o OVR: Miami Beach será acompanhado de programação online, incluindo conversas e visitas virtuais às galerias.

A Pinta Miami também foca no digital em 2020. A feira, que tem como foco a arte da América Latina, EUA, Espanha e Portugal e está na sua 14ª edição, funcionará em uma plataforma virtual que fica disponível para visitação entre os dias 2 e 15 de dezembro, e traz uma programação online de conversas e debates. Aliado a isso, a Pinta Miami Live conta com eventos pop-up presenciais durante a Miami Art Week, com recepção e visitas guiadas.

O Latitude também participa desta feira. Entre os 100 expositores presentes, 4 são membros do projeto brasileiro: Galeria Berenice Arvani, Galeria Zagut, Mul.ti.plo Espaço Arte e Simone Cadinelli Arte Contemporânea; representando o país ao lado de Quadra, LURIXS, Personart Escritório de Arte, Z42 Art e Patrícia Costa.

  

Já na Untitled, Art Miami Beach OVR, o Latitude marca a presença brasileira com Portas Vilaseca Galeria e Zipper Galeria. Ao invés de se ater a páginas de um site, a Untitled cria espaços que simulam uma feira presencial, buscando uma experiência vivida, realista e memorável, e participa da Miami Art Week indo além do digital, ao realizar uma série de eventos presenciais pela cidade.

Realidades fragmentadas

Apesar do cancelamento da Art Basel presencial, feira de arte que ancora a Miami Art Week desde 2001, o evento se manteve, mas em formato incomum, fragmentado e multifacetado. Ao lado dos eventos pontuais de Pinta Miami e Untitled, alguns museus, galerias e organizações de arte oferecem programações presenciais para os entusiastas de arte e colecionadores que visitam o sul da Flórida. É o caso do MOCA (Museum of Contemporary Art North Miami), que fica com a exposição Life and Spirituality in Haitian Art (vida e espiritualidade na arte haitiana, em tradução livre) em cartaz de 29 de novembro a 6 de dezembro; o Museum of Graffiti de Wynwood, que abre nova exposição em 1º de dezembro; o ICA (Institut of Contemporary Art, Miami), com a individual do artista cubano Tomás Esson; o Locust Projects, que recebe uma extensiva série de exibições e instalações, mas que só podem ser vistas mediante agendamento; entre diversas outras instituições e galerias que estarão abertas para visitação com diferentes mostras de arte neste período ou com espaços expositivos pop-up montados a partir do dia 27 de novembro.

No Miami’s Design District – distrito de Miami Dade focado em design e conhecido pela larga presença de galerias – essa programação é intensa. A começar pela Design Miami, que acontecerá presencialmente no Moore Building de 27 de novembro a 6 de dezembro, período exato da Miami Art Week, apresentando cerca de 140 trabalhos feitos por 57 artistas e designers de diferentes países. Porém, o evento tem o digital como um complemento. No site, é possível visitar a exposição através de um simulador 3D, assistir a uma série de palestras e debates, além de comprar obras – expostas no presencial. Galerias da região também abrem exposições e obras urbanas foram instaladas pelas ruas.

Assim, entre programações online e offline, Miami Beach e Miami seguem em foco no circuito de arte mundial e reúnem artistas, galeristas, instituições, colecionadores e entusiastas da arte durante uma semana repleta de programações. “Nós não vamos ser o centro do mundo da arte neste dezembro, mas isso não significa que não podemos celebrar a arte de uma forma significativa”, disse Dan Gelber, prefeita de Miami Beach, em entrevista ao The New York Times.

Fortes D’Aloia & Gabriel inaugura plataforma dedicada a filmes de artistas

Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, "One hundred Steps". Foto: Reprodução

Com dez trabalhos de artistas contemporâneos representados pela galeria, a Fortes D’Aloia & Gabriel acaba de inaugurar sua nova plataforma digital, intitulada fdag-film, dedicada a vídeos e filmes. Apesar de vinculada em um primeiro momento à participação da galeria na Art Basel OVR: Miami Beach, que acontece entre os dias 2 e 6 de dezembro, a página seguirá no ar como um espaço expositivo da casa.

Serão quatro edições ao ano, com variados recortes curatoriais. O primeiro, que segue no ar até dia 2 de março de 2021, reúne obras de Bárbara Wagner & Benjamin de Burca, Jac Leirner, Tamar Guimarães, Armando Andrade Tudela, Cristiano Lenhardt, Janaina Tschäpe, Rivane Neuenschwander & Cao Guimarães, Sara Ramo, Sarah Morris e Rodrigo Cass.

Sarah Morris, “Rio”. Foto: Reprodução

Entre os 10 trabalhos, todos produzidos a partir dos anos 2000, está One Hundred Steps, filme de Bárbara e Benjamin que estreou em outubro na MANIFESTA 13, realizada este ano em Marselha (saiba mais). O trabalho, filmado entre a França e a Irlanda e que remete também à cultura artística árabe do norte-africano, teve trecho apresentado em primeira mão no VI Seminário Internacional Virtual ARTE!Brasileiros: em defesa da natureza e da cultura, que contou com participação da dupla (leia aqui).

Também ganham espaço na fdag-film outras obras lançadas neste ano de 2020 como Botão, primeiro trabalho de Jac Leirner pensado para a esfera virtual, e SOAP, de Tamar Guimarães em colaboração com Luisa Cavanagh e Rusi Millán Pastori, inspirada em telenovelas brasileiras. Estas produções quase inéditas dialogam na plataforma com trabalhos de trajetória já consolidada como Quarta-feira de Cinzas (2006), de Rivane Neuenschwander & Cao Guimarães, e A banda dos sete (2010), de Sara Ramo.

Completam a lista de filmes e vídeos na plataforma Guaracys (2016), Mano que sostiene (2012), Rio (2012), Físico (2015) e Dreamsequence I & II (2002).

Silvio Frota, diretor do Museu da Fotografia Fortaleza, diz que educação é o grande foco da instituição

Fachada do Museu da Fotografia, em Fortaleza. Foto: Celso Oliveira
O diretor do Museu da Fotografia Fortaleza, Silvio Frota. Foto: Celso Oliveira

Com um acervo de cerca de 3 mil obras, que inclui grandes nomes da fotografia mundial como Man Ray, Otto Stupakoff, Marc Ferrez, Miguel Rio Branco, Robert Capa, Maureen Bisilliat, Claudia Andujar, Henri Cartier-Bresson, Jean Manzon, Pierre Verger, Nobuyoshi Araki, Margaret Bourke-White e Cindy Sherman, entre muitos outros, o Museu da Fotografia Fortaleza (MFF) já surgiu, em 2017, como o maior museu do país exclusivamente dedicado à fotografia. Sede da coleção Paula e Silvio Frota, localizado em um imponente edifício contemporâneo na cidade cearense, o local se tornou ponto de visitação da cidade, atraindo turistas do Brasil e do mundo.

O grande orgulho de seu criador e diretor, o empresário e colecionador Silvio Frota, no entanto, é o trabalho educativo feito pela instituição cearense. “O museu é quase só uma ancora, porque o nosso foco principal é a parte educacional.” De fato, impressiona a amplitude e dedicação de uma instituição que, mesmo sem financiamento público, leva diariamente à sua sede cerca de 200 crianças de escolas públicas, faz trabalhos em comunidades carentes, promove oficinas diárias, realiza trabalhos educativos em diversos hospitais, asilos e unidades correcionais (o equivalente às prisões para menores) e promove sessões de cinema semanais. Tudo é oferecido gratuitamente, inclusive o transporte que leva e traz as crianças.

“Nós decidimos ir até as comunidades para trazer as pessoas mais carentes. Porque se for esperar o poder público fazer isso, infelizmente não faz, e nós já tentamos várias parcerias”, diz Frota. “Pois a Cultura sempre foi o patinho feio, porque não dá voto”, constata. O museu, que fechou as portas em março por conta da pandemia, havia acabado de reformular a mostra permanente, agora com curadoria de Diógenes Moura (a primeira montagem era de Ivo Mesquita), e reabriu no último mês com mostra temporária de Bob Wolfenson.

Frota lamenta a pausa no trabalho educativo, citando as mais de 60 mil crianças que deveriam ter sido atendidas em 2020. Mas afirma que o fechamento era necessário para não colocar em risco público e funcionários – são mais de 50, ao todo, sendo 21 educadores. Em entrevista à arte!brasileiros, o diretor lamenta a falta de investimento no museu, especialmente público, mas também privado, assim como a falta de um olhar para a cultura no país. Empresário bem-sucedido na área da construção civil, ele arca sozinho com cerca de dois terços do orçamento do MFF. Fala também da desigualdade regional entre o Nordeste e as regiões ao sul do Brasil, ressaltando que empresas e bancos que lucram em estados como o Ceará investem em cultura apenas nessas regiões ao sul. Leia abaixo a íntegra da conversa. 

ARTE! – O Museu da Fotografia de Fortaleza abriu as portas no início de 2017 e é um espaço bastante singular no cenário nacional. Para começar, gostaria que você contasse um pouco como surgiu esse projeto, qual o processo que culminou na construção do museu.

Eu sou colecionador de pintura há muito tempo, desde os anos 1980. E nunca tinha olhado para a fotografia. Há cerca de 11 anos eu estava em Houston e fui ver uma exposição do Steve McCurry, na qual gostei especialmente de duas fotos. Uma era a da garota afegã. Quando voltei para o hotel eu comecei a pensar porque é que eu nunca tinha me interessado por fotografia, sendo que eu inclusive tenho um filho fotógrafo. Pouco tempo depois fui para Nova York, e aí já comecei a olhar com mais atenção, ir a museus para ver fotografia, e comecei a frequentar leilões especializados. Então eu passei a comprar em uma velocidade muito grande, e quando a coleção atingiu um tamanho substancial, achei que não era justo ter um acervo como esse e as pessoas não terem acesso. E aí nós começamos a pensar em um espaço. Não ainda em um museu. Só que quando você começa a pensar, o sonho vai aumentando, e acabamos fazendo um museu. O MFF tem 2.500 m2 de área, em cindo pisos: três de exposições, um de auditório e recepção e o subsolo para a parte administrativa.     

Fachada do Museu da Fotografia, em Fortaleza. Foto: Celso Oliveira

ARTE! – Queria que você falasse um pouco então desse acervo do museu, que tem obras importantíssimas de fotógrafos nacionais e estrangeiros. Existe um foco principal, pensando em recortes temáticos ou de época, ou tudo pode entrar nessa coleção?

Eu comecei comprando sem me preocupar, adquirindo o que eu gostava. Quando a gente começou a pensar na questão do museu, aí eu comecei a visitar os grandes museus no mundo para ver como era a parte de fotografia desses museus. Fui ao Moma, ao Met, na Tate, entre outros. E vi que tinha uma coisa que me incomodava: se não fossem fotos icônicas, as pessoas passavam muito rápido. E comecei a pensar qual era a maneira que eu tinha de prender essas pessoas no museu. Uma das maneiras que eu vejo é através do fotojornalismo. Então passei a comprar fotos deste tipo. E elas, ao menos no início, costumavam introduzir a exposição, porque quando as pessoas veem a realidade, a sua realidade, a sua história, elas se atentam mais. E depois, quando chegam em outras obras, fotos mais de arte, percebem que toda foto tem uma história por trás. De qualquer modo, o que eu estava dizendo é que hoje quando eu compro, faço pensando mais no meu público, não apenas no meu gosto pessoal. Então como gestor, não apenas colecionador, você vai aprimorando o seu olhar, e entendendo como vai lidar com o público.       

ARTE! – Existe uma separação entre o que é seu acervo particular e o que está no acervo do museu? Como é essa essa relação?

Nós não somos uma fundação, somos um instituto. É o Instituto Paulo e Silvio Frota, que é um instituto que faz também outros projetos nessa área de difusão da cultura e da arte, de ajuda às pessoas. A coleção inteira está em comodato ao museu. Pertence à pessoa física, mas está em comodato.

ARTE! – E vocês têm sempre uma mostra permanente e as mostras temporárias…

Temos três andares de exposição, dois para a mostra permanente e um de mostras temporárias, que mudamos a cada três meses com novas exposições, tanto de fotógrafos nacionais quanto estrangeiros. Temos também palestras semanalmente, oficinas diariamente, sessões de cinema de arte.

ARTE! – Como são pensadas essas mostras? São fruto de trabalho curatorial do próprio museu ou são trazidas de outras instituições?

Sempre trazemos um curador de fora. Por exemplo, em março, pela primeira vez nós mudamos a exposição da coleção permanente, que estava desde 2017, com curadoria feita pelo Ivo Mesquita. E agora eu convidei o Diógenes Moura, que fez um novo recorte, o olhar dele na coleção permanente. Foi uma pena porque uma semana depois da abertura tivemos que fechar o museu, por causa da pandemia. Então em geral nós convidamos curadores do Brasil e do exterior para fazer curadorias.    

Área expositiva da instituição. Foto: Mariana Parente

ARTE! – E um grande destaque da instituição é o seu trabalho educativo, que é realmente muito forte e feito para além das portas do museu. Você poderia contar um pouco sobre os projetos?

No primeiro dia em que abrimos já começamos a trabalhar na parte educacional. O que é uma coisa rara, porque em geral se espera alguma maturação do museu, até porque o educativo é uma coisa muito cara. Mas não queríamos que o museu fosse estático, como muitos são. Então nós vamos de encontro a comunidade. Hoje – quer dizer, antes da pandemia -, nós trazemos de 200 a 250 crianças por dia. Nós é que pagamos o ônibus – não o município ou o estado, como deveria -, e a entrada é gratuita. Sempre crianças de escolas carentes. Mas nós trabalhamos também dentro das escolas públicas. Nós atendemos duas escolas pela manhã e duas pela tarde, estamos dentro dos currículos delas. Além disso, trabalhamos semanalmente dentro das unidades correcionais, masculinas e femininas, que é um trabalho bastante desafiador.

E também atuamos em uma série de hospitais, com equipes nossas que vão para esses locais. No ano passado nós fizemos uma parceria com o Hapvida, que é um plano de saúde. Nós já atendíamos, com o educativo, cinco hospitais deles, e aí outras unidades de outros estados souberam e pediram para levarmos esse trabalho. Então nós mandamos equipes para Belém, Natal, Recife, Salvador e Feira de Santana, para trabalharem nos locais e ensinarem pessoas de cada lugar a desenvolver esses projetos. O foco nos hospitais é com crianças, mas nós trabalhamos também com asilos de idosos.

E temos trabalhos com crianças de um a quatro anos de idade, que aí é pareceria com a prefeitura – mas mais uma vez quem paga somos nós, inclusive o transporte para levar para o museu. Trabalhamos também em orfanatos, com pessoas com deficiências (cegos, pessoas com síndrome de down, autistas etc), semanalmente. Isso é o que estou lembrando agora, mas tem mais coisas. O trabalho é gigantesco. 

ARTE! – Me parece que isso tem a ver com uma ideia de que o museu não deve ser um lugar apenas de contemplação, mas de participação. É por aí?

Claro. Uma das coisas que perguntam, por exemplo, é o porquê de estarmos levando crianças de um a quatro anos. Porque a gente quer habituar essas crianças desde pequenas a estarem dentro de um ambiente cultural. Então fazemos trabalhos diferentes de acordo com a idade. Já nas escolas, por exemplo, começamos ensinando as crianças a fabricarem a máquina Pinhole. Aí eles fotografam o dia a dia deles dentro da comunidade, depois a gente ensina a revelar, e aí eles fazem uma exposição dentro de suas comunidades. Quando chega o fim do ano a gente faz uma mostra deles dentro do museu, o que é uma coisa linda. Hoje são milhares de crianças. Em 2018 atendemos 98 mil crianças e em 2019 foram 60 mil.

ARTE! – Você sente que de alguma forma todos esses trabalhos vêm para suprir carências do estado?

Olha, isso é uma coisa que acontece no Brasil inteiro. Até São Paulo, que é muito mais rico que o Ceará, tem esse problema, a população carente quase não frequenta os museus. Mas em Sao Paulo, ou mesmo no Rio, você tem um público muito maior nesses lugares, isso é fato. Inclusive, qualquer brasileiro ou estrangeiro que vai para São Paulo vai em alguns museus. E é algo complicado aqui em Fortaleza, sinto que os pais nem pensar em levar os filhos ao museu. Mas quando vão para outras cidades, para o exterior, aí sim, vão ver os museus. E então nós decidimos ir até as comunidade, e nós trazemos as pessoas mais carentes. Porque se for esperar o poder público fazer isso, ele não faz, e nós já tentamos várias parcerias que não deram certo. Nem ônibus para levar crianças ao MFF eles cedem.    

ARTE! – Nesse sentido, como é o financiamento do museu para dar conta de tantos projetos?

Nós temos um terço que vem de parcerias e os outros dois terços nós bancamos do nosso bolso. Porque infelizmente as empresas não se preocupam muito com isso também, com algumas exceções. Mesmo tendo impostos com a lei de incentivo, são poucas as empresas que disponibilizam verbas. Vou te dar um exemplo. Vários bancos, mesmo tendo muitas agências no estado do Ceará e no Nordeste, não investem em cultura aqui. Esse dinheiro que sai daqui vai financiar Lei de Incentivo no Sul e Sudeste do país, não no Nordeste. E isso é um absurdo. Eles deveriam financiar – pelo menos proporcionalmente à arrecadação que eles têm aqui – a área cultural do Nordeste, que inclusive é muito mais carente. E isso acontece com todos os bancos, muitas empresas etc.

Crianças em visitação ao museu. Foto: Mariana Parente/MFF

ARTE! – Falando sobre esse desequilíbrio, me parece que o MFF, apesar de ser reconhecido, tem muito menos destaque nacional do que mereceria, dado seu acervo, exposições e atuação. Você acha que isso se deve à sua localização no Nordeste do país?

Isso é uma coisa clara. Por um lado, eu não posso reclamar, porque a mídia do sudeste inclusive, jornais, canais de TV etc, sempre nos deram destaque, nos ajudaram muito. Mas é obvio que uma coisa é estar nas regiões do Sul, outra é estar no Nordeste.

ARTE! – Bom, esse ano vivemos uma pandemia, uma situação sem precedentes. Enfim, como foi isso para o museu. O que foi possível fazer, como foi o trabalho no meio digital?

Nós tínhamos acabado de abrir duas exposições e fechamos em março. A permanente, como eu te falei, e uma temporária do Bob Wolfenson, que reabriu agora e vai ficar até o início do ano. Nós reabrimos com elas há cerca de um mês, mas infelizmente não estamos fazendo nenhum trabalho educacional, porque eu não vou comprometer nem o nosso pessoal, nem os outros. Nos trabalhos em hospitais, com crianças, não tem como. Então esse é um ano quase morto nesse sentido. Mas estamos fazendo um trabalho através das redes sociais, que diariamente reinventamos. Mas não é a mesma coisa. Esse, inclusive, era um ano em que iríamos levar o museu para o interior. Porque se a capital, Fortaleza, é muito carente de cultura, imagine o interior do Ceará, que é muito pobre. E já estava tudo programado para isso, fazermos exposições em outras cidades levando o pessoal do educativo. Já fizemos isso em uma escala menor, mas agora seria um trabalho muito grande. Então de fato estamos sofrendo muito com isso.

ARTE! – E nem se sabe ainda quando as coisas poderão voltar…

Sim, nós estávamos com as exposições programadas para até o final de 2021, só que agora tive que suspender tudo. Talvez a gente recomece a nova programação em março do próximo ano, mas ainda não há certeza.

ARTE! – Por fim, pensando um pouco no momento político, a gente vive um momento conturbado no país, com um governo federal que parece ver cultura e educação quase como áreas inimigas. Queria saber um pouco como enxerga esse momento e como trabalhar nesse contexto?

Infelizmente, falar disso é quase como chover no molhado. Porque não adianta, sempre foi assim. A cultura sempre foi o patinho feio, porque não dá voto. Então se você for olhar o percentual que o governo federal destina para a cultura, parece uma brincadeira. Se para a educação já é um problema – e estão sempre cortando mais, imagine a cultura. Mas não é só esse governo. Todos os governos nunca se preocuparam com a cultura. Esse está pior, não há a menor dúvida. É uma situação absurda, mas nós vamos tocando em frente. Pode ser que um dia apareça algum governo diferente, que olhe para a educação e para a cultura, até porque eu não conheço nenhum um país que cresceu sem focar em educação e cultura.

ARTE! – Vivemos também, exatamente neste momento, a disputa eleitoral municipal, e Fortaleza terá um segundo turno. Você considera que isso de algum modo interfere no trabalho do museu. Se preocupa com o resultado da eleição?

Como eu não tenho nada com o governo, não me preocupo neste sentido. Me preocupo como cidadão, mas não na questão da gestão do museu. Porque quem banca tudo somos nós. Temos alguns parceiros, que realmente nos ajudam, mas em termos de governo, nada.   

Mural da artista Criola pode ser apagado por decisão judicial em Belo Horizonte

Mural em grafite, feito pela artista Criola, representa simbologias da cultura afro-brasileira
Mural de Criola na empena do edifício Chiquito Lopes foi promovido pelo Circuito Urbano de Arte (CURA) em 2018. Foto: Área de Serviço

Ao sair do aeroporto e se dirigir ao centro da cidade de Belo Horizonte, pela Av. Presidente Antônio Carlos, um prédio ao longe chama a atenção. As cores vibrantes de um mural de 1365 m², na empena do edifício Chiquito Lopes, são visíveis em grande distância, e de vários pontos do centro o grafite pode ser visto perfeitamente. Trata-se de Híbrida Astral – Guardiã Brasileira, obra produzida por Criola em 2018, durante uma das edições do Circuito Urbano de Arte de Belo Horizonte (CURA). 

Hoje, uma disputa judicial decide se o mural deve ou não permanecer no prédio. Um dos moradores é contrário à manutenção da pintura e, desde sua produção, exige o apagamento da mesma. Nesta semana, o processo se tornou de conhecimento público, gerando discussões para além do edifício. 

Desde o abaixo-assinado, criado pelo CURA em defesa da obra, até comentários preconceituosos sobre a temática e iconografia do mural, o caso suscita discussões sobre os limites entre o interesse público e o privado e nos mostra, mais uma vez, demonstrações explícitas de racismo nas redes sociais. 

A artista Criola, sobre um andaime, pintando a empena do edifício Chiquito Lopes com um tom de amarelo
Em 2018, a artista Criola foi uma das participantes do CURA BH e dedicou-se à produção de um mural na empena do edifício Chiquito Lopes. Foto: Área de Serviço

Entre andaimes e tinta

Em 2018, Criola participava do CURA. À artista mineira – hoje responsável por murais em várias cidades do Brasil e em Paris –, foi destinada a empena do edifício Chiquito Lopes, na Rua São Paulo, centro de Belo Horizonte. 

Neivaldo Ramos, síndico do prédio, conta que a proposta do festival surgiu em setembro de 2018. “Tivemos dúvidas no primeiro momento, porque a empena estava bastante degradada, em razão de eventos climáticos. A preservação e conservação demandavam obras necessárias, cujos recursos eram elevados”, explica. Porém, o festival comprometeu-se a fazer a recuperação da fachada cega do prédio, isentando os moradores do valor da reforma. Com isso, a proposta foi levada ao Conselho Consultivo do Condomínio e aprovada de forma unânime. Então, foi comunicada aos demais moradores. “À princípio, o nosso maior interesse era a recuperação física da empena; mas a ideia de participar do projeto – já conhecido na cidade pelas versões anteriores – empolgava a todos, tanto pela visibilidade e valorização, quanto por participar de um evento de natureza cultural”, conta Neivaldo. 

Em outubro de 2018, a obra teve início, e foi então que um morador se opôs à continuidade do mural. Frente à situação, o síndico solicitou uma Assembleia, na qual 55 dos 56 moradores se manifestaram em favor da continuidade do mural. Ainda em 2018, o condômino insatisfeito moveu um processo contra o edifício, para que a obra fosse interrompida. Atualmente, o mesmo processo diz respeito ao apagamento do mural.

O festival de arte urbana, bem como a Criola, se opõe ao apagamento da obra. “É um mural público, voltado pra rua, não está dentro do prédio, ou dentro do apartamento do morador. São tempos estranhíssimos nos quais podemos ser surpreendidas por uma decisão desfavorável à obra e achamos que não cabia mais o silêncio. Por isso, tomamos a decisão de publicizar esse processo”, explica Juliana Flores, uma das idealizadoras do CURA.

Assim, apesar de o processo existir há quase dois anos, foi na última semana que ele se tornou amplamente conhecido. O Circuito Urbano de Arte divulgou um abaixo-assinado  em defesa do mural (acompanhe aqui) e explicitou o caso nas redes sociais. “Nossa ideia é anexar o abaixo-assinado aos autos do processo, porque nosso argumento é que se trata de uma obra de arte pública. Essa obra agora é da cidade de Belo Horizonte. Então, o que queremos mostrar para o juiz é que o interesse público deve prevalecer ao privado”, defende Juliana Flores.

Foto panorâmica do centro de BH, que mostra algumas empenas pintadas nas edições do CURA, inclusa a obra de Criola
O CURA é o maior festival de arte pública de Minas Gerais. Em 2020, o evento chegou à sua 5ª edição, reunindo 18 obras de arte em fachadas e empenas, incluindo o mural mais alto pintado por uma mulher na América Latina, com 56 metros de altura. Foto: Área de Serviço

Em conversa com o síndico, o morador que moveu o processo afirma que a obra é uma “decoração de gosto duvidoso” e parte da Lei nº 4591/1964, na defesa de que a mudança na fachada deveria ser um consenso unânime entre os moradores. Do outro lado, a defesa da obra baseia-se no Código Civil de 2002 e na votação majoritária sobre a manutenção do mural (prevista no art. 1341). Porém, para Criola, artista responsável pela obra, o resultado vai além de uma simples volta à pintura cinza da parede. Em consonância com o restante de sua produção, a obra traz referências à cultura afro-brasileira e indígena e, por isso, para a muralista, seu apagamento tem um fator simbólico: “Nos matam fisicamente e nos matam simbolicamente através do apagamento da nossa cultura e de tudo que gira em torno dela. O gosto estético é uma construção cultural e social e que é moldada massivamente pelo imaginário do colonizador”.

Quem é Híbrida Astral – Guardiã Brasileira?

“Esse mural busca fincar no meio da cidade a lembrança das nossas raízes afro-indígenas. Estamos imersos numa crise enquanto sociedade que é externa e interna. Os hábitos que nos fizeram chegar até aqui não nos levarão mais muito longe, estamos indo em direção ao auto-extermínio”, defende a artista. O trabalho é parte da série de grafites Híbrida Astral, na qual Criola se dedica a retratar as “híbridas”, personagens multidimensionais que ao honrarem a natureza e os animais, os mimetizam, e que fazem parte de mundo simbólico, onde a disputa por superioridade (entre humanos e natureza, entre gêneros e etnias) já foi superada.  

Com os atuais ocorridos relacionados à degradação do meio ambiente e à violência (moral e física) contra minorias, a obra se mostra cada vez mais atual e a temática de extrema importância. “Os povos ancestrais tem uma sabedoria totalmente enraizada na comunhão com a natureza, sentindo-se parte dela e não sugando tudo que ela nos oferece. Para além disso, esse mural [do edifício Chiquito Lopes] aborda o resgate do feminino, da honra às mulheres como fiéis detentoras do portal que nos possibilita chegar no planeta Terra. Não é à toa que tanto às mulheres como os povos afro-indígenas tem sido massacrados, a sociedade precisa se curar desse egoísmo colonizador em achar que tudo que difere de si precisa ser dominado”, conclui Criola.   

Em meio às redes sociais

Foram essas simbologias e reflexões que geraram alvoroço nas redes sociais ao que o caso tornou-se público. Enquanto no perfil de Instagram da artista podem ser lidos comentários de apoio a ela e de defesa do mural, nos comentários das notícias e nas redes sociais dos veículos jornalísticos, outro tipo de manifestação também é comum: “O morador tem razão em não querer uma pintura com energia pesada desse jeito”, “Tem que apagar sim, essa obra demoníaca!!!!”, “Desenho do DEMÔNIO”, “Esse desenho é horrível, nada a ver com cultura”, “Realmente parece imagem de centro de macumba. Horroroso”. 

Para Juliana Flores e Criola, essas opiniões têm um fundamento racista perceptível, partem de um preconceito com religiões de matriz africana. “É a opinião de uma minoria e, infelizmente, acho que está muito ligada ao racismo. Dentro de algumas religiões, há pessoas que entendem elementos religiosos de matriz africana como coisas do diabo, por isso não conseguem entender a manifestação artística como uma manifestação cultural”, diz a idealizadora do CURA. 

“Nós vivemos momentos de muita intolerância, que eu acho que vão passar, porque isso é ignorância, desconhecimento e desvalorização da cultura brasileira. A nossa cultura é diversa, quanto mais a gente abraçar essa diversidade, mais ricos seremos culturalmente”, complementa Juliana Flores. 

Ao lado disso, aparecem comentários sobre o corpo nu representado em Híbrida Astral – Guardiã Brasileira e o útero desenhado ao lado da figura. As demonstrações de nojo e ojeriza frente ao corpo feminino, para a Criola, são uma reflexo da misoginia corrente na sociedade. 

Ela compartilha que essa não é a primeira vez que se vê diante de casos de racismo em decorrência de sua obra, mas que segue tranquila pelo apoio que tem recebido daqueles que admiram seu trabalho e entendem o papel da arte no combate as preconceitos. A organização do CURA vê da mesma forma, e reafirma seu compromisso em ter artistas indígenas e negros em suas edições, para que esses possam se expressar e levar ainda mais representatividade às ruas (leia nossa matéria sobre a última edição do evento).

2010 | A arte popular pelo olhar treinado de um especialista do gênero

Por Mario Gioia

Com a abertura do Pavilhão das Culturas Brasileiras, em São Paulo, a recuperação das peças coletadas por Lina Bo Bardi na Bahia nos anos 1960, e reunidas novamente no Solar do Ferrão, em Salvador, e a visibilidade que o artista acreano Hélio Melo teve na 27a Bienal de São Paulo, a arte popular retoma um papel mais efetivo na cena das artes visuais do Brasil.

Para Roberto Rugiero, um dos mais prestigiados especialistas da área no País e dono da Galeria Brasiliana, encravada em um sobrado no bairro de Pinheiros, em São Paulo, o momento não merece ser tão festejado. “Trabalhar com arte popular no Brasil ainda é muito instável. Já vivemos tempos bem piores, mas o mercado não é muito amplo e o preconceito existe. É como se fosse uma luta de classes. Parte da elite não consegue ver genialidade em autores populares”, afirma, com cautela, o marchand.

E gênios, para Rugiero, não faltam nesse campo. Ranchinho, Antonio Poteiro, José Antônio da Silva, GTO, Fernando Diniz, Agnaldo, Artur Pereira. Nomes conhecidos por poucos críticos, curadores e historiadores de arte, com obra extensa e que se abrem para múltiplas leituras e análises, ainda insuficientes na atual fase da arte brasileira. “Quando estudiosos do porte de Mário de Andrade insistiam na busca de uma identidade brasileira, havia uma análise mais próxima e detida da arte popular, por nomes como Mário Pedrosa e Ferreira Gullar, por exemplo. Hoje, existe um vácuo, desde que nos anos 1970, Nova York e o mercado internacional passaram a ser os únicos faróis da crítica”, diz Rugiero. “É a época da ‘globanalização’.”

Vista geral da galeria. Em destaque as bonecas da artista Marliete.

Rugiero acredita que a terminologia “arte popular” é a mais adequada para englobar “a arte espontânea”. Mas é um segmento tão rico que não cabe em um nome só. No entanto, o galerista é contrário a qualificar artistas de cunho menos erudito de “arte naïf”. “É uma terminologia odiosa, um galicismo inclassificável. O nome surgiu apenas para qualificar uma arte água com açúcar, pretensamente ingênua. Serve apenas para ser vendida a gringos desavisados.”

O galerista e estudioso do gênero remonta ao Brasil Colônia para lembrar das origens da arte popular. “Até o século XIX, a arte brasileira por excelência é o Barroco, que perpassa diferentes épocas e cuja influência é sentida até hoje. Como a população letrada sempre foi minoria até o Brasil industrial – os grandes artistas de uma arte menos elitizada, em geral ligada à religiosidade, eram autodidatas e de origem mais humilde”, explica ele. “As peças barrocas ainda ficaram. Mas perdeu-se muita coisa e de qualidade, como a publicidade do comércio popular de cidades como Olinda. Não sobraram exemplares desse tipo de arte, até para compararmos com o que foi feito mais recentemente.” Para ele, a pintura de tom popular ainda é mais difícil de ser estudada historiograficamente e com variedade, porque é pouco valorizada e tem menos consumo nas regiões de origem. “A produção tridimensional é mais fácil de ser vendida. As pinturas, além da dificuldade em sua comercialização, necessitam de muito mais estudo e de vivência para uma real leitura. Por isso, muitos pintores ditos ingênuos não têm uma obra de qualidade, que acaba sendo incensada inicialmente, mas que não se sustenta mais em longo prazo.”Anos 1940

Depois da Missão de Pesquisas Folclóricas, empreendida por Mário de Andrade em regiões menos conhecidas do Norte e do Nordeste do País, em 1938, Rugiero observa que a década seguinte terá iniciativas que colocarão a arte popular novamente em destaque.

O realismo maneirista de Zezinha com suas figuras femininas

“José Claudino da Nóbrega (1909-1995) vai a Cuiabá e traz à tona o barroco de Cuiabá, que não era visto nem estudado àquela época. Depois, vai à região do São Francisco e descobre Mestre Guarany (1884-1985), um gênio da escultura, com suas carrancas. Na mesma década, Mestre Vitalino (1909-1963) também é descoberto em Caruaru por Augusto Rodrigues e vira uma celebridade, depois de matéria na revista O Cruzeiro. E, no interior de São Paulo, José Antônio da Silva (1909-1996) também tem sua obra reconhecida.” Segundo o galerista, os anos 60 serão outro tempo importante para a arte popular, em especial pela atuação de Lina Bo Bardi (1914-1992) à frente da criação de um museu popular no Solar do Unhão, em Salvador, fechado pelo regime militar e que hoje sedia o MAM baiano.

Para Rugiero, o marco mais recente da valorização da arte popular é a Mostra do Redescobrimento, ocorrida em 2000 e que, em segmento organizado por Emanoel Araújo, colocou em primeiro plano obras feitas por internos de estabelecimentos psiquiátricos, ex-votos e uma variedade de peças criadas em diversas fontes menos eruditas e que, por décadas, passaram à margem do sistema de arte. “O mercado despertou-se novamente para a arte popular”, considera ele.

O galerista acredita que artistas valorizados na cena contemporânea, como Efrain Almeida, já confirmado para a 29a Bienal de São Paulo, exposição que começa em setembro, e Farnese de Andrade (1926-1996), têm um forte lastro no popular, que faz com que a potência da sua obra seja mais perceptível. “E há casos mais antigos de artistas estabelecidos na história da arte brasileira, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, com forte influência dessa arte espontânea.”

Assista “Amérika – Bahia de las flechas”, de Ana Vaz, no novo Acervo Comentado VB

Still de Amérika - Bahia de las flechas. Foto: Divulgação.
Still de Amérika - Bahia de las flechas. Foto: Divulgação.

Em 1519, Enrique, um dos poucos caciques restantes na República Dominicana, retirou a si mesmo e parte de seu povo do alcance da autoridade espanhola. Por quase uma década e meia, ele e seus seguidores viveram nas remotas montanhas do centro-sul de sua ilha natal, ocasionalmente invadindo assentamentos espanhóis em busca de armas e ferramentas e entrando em confronto com unidades de milícia.

Segundo a pesquisadora Ida Altman, “Enrique evitou as numerosas patrulhas enviadas para erradicar o que se tornou um local teimosamente persistente de desafio à autoridade espanhola que atraiu outros residentes descontentes da ilha, incluindo escravos e servos africanos e indígenas, bem como um pequeno número de índios nominalmente livres”.

De forma curiosa, o Lago Enriquillo acabou sendo nomeado em homenagem ao indivíduo que se rebelou contra um dos protagonistas da “história dos vencedores”: foi nesse lago em que Cristóvão Colombo aportou, em 1492, e confrontou o povo autóctone Taino para estabelecer o primeiro assentamento europeu no nosso continente.

Inspirada nessa história de resistência, a artista Ana Vaz [1] criou Amérika – Bahia de las flechas, cujo subtítulo refere-se a outro episódio emblemático na República Dominicana, da luta dos povos indígenas locais contra a ocupação espanhola. A Baía das Flechas é o antigo nome da atual Samaná, onde a lenda relata que os espanhóis teriam sido recebidos com uma chuva de flechas tão intensa que teria escurecido o céu.

Neste trabalho, Vaz revisita o Lago Enriquillo e usa a câmera como extensão do próprio corpo; com tal observação de cunho etnográfico, a artista evoca a mudança cultural e ecológica sofrida pelo território para fazer a história emergir do próprio cenário.

Em Amérika, a informação escrita e oral convive com a apreciação visual e auditiva do mundo ao redor, talvez até mais constituinte. O debate sobre a suposta oposição entre cultura e natureza incorporado aqui não é novo no trabalho de Vaz, que desde projetos passados estuda outras formas de explorar a história – com certa liberdade poética imbuída pelos artistas que não é comum aos historiadores, por exemplo. Na sua recente exploração, podemos destacar o questionamento dos nomes dos lugares, quais nome eles possuem e seu “porquê”.

Para o Acervo Comentado Videobrasil, a curadora e historiadora da arte Sabrina Moura [2] comenta Amérika, assista abaixo:

Assista aos episódios anteriores do Acervo Comentado

Acervo Comentado Videobrasil é uma parceria entre arte!brasileiros e a Associação Cultural Videobrasil. A cada 15 dias publicamos, em nossa plataforma e em nossas redes sociais, uma parte de seu importante acervo de obras (reunido em mais de 30 anos de trajetória). Em todo episódio, uma personalidade diferente – variando de artistas a curadores, de pesquisadores até diplomatas – destrincha a obra ou uma particularidade dela, realçando pontos desses trabalhos que talvez ainda não tivéssemos descoberto. Confira os outros episódios neste link.


[1] É artista visual e cineasta, graduada pelo Royal Melbourne Institute of Technology, Austrália (2009), e mestre em Cinema e Artes Visuais pelo Le Fresnoy Studio des Arts Contemporains, Tourcoing, França (2013). Seus filmes, publicações, performances e videoinstalações refletem sobre a relação entre cinema e linguagem, investigando as relações simbólicas referentes aos legados arquitetônicos, projetos utópicos e relações de poder através de seus vestígios. Realizou as exposições individuais Framing Nature, Vita Kuben, Ümea, Suécia (2017); e Amérika: Bay of Arrows, Ludlow 67, Nova York (2017), e participou das coletivas Excusez-moi de vous avoir dérrangés, Khiasma, Paris (2017); Performing Oppositions, Casa do Povo, São Paulo (2017); Moscow Biennial of Young Art (2016); Obscure Objects of Desire, Paramound Ranch, Los Angeles (2016); e 3rd Dhaka Art Summit, Bangladesh (2016), entre outras. Teve retrospectiva de seus filmes na Melbourne Cinémathèque, Austrália (2013) e na Void Gallery, Irlanda (2014). Vive e trabalha em Lisboa.
[2] Sabrina Moura é curadora e historiadora da arte, doutora pela Unicamp. Foi pesquisadora visitante da Columbia University e curadora de programas públicos dos 18° e 19° Festivais de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil. Organizou o livro Panoramas do Sul | Leituras | Perspectivas | Para Outras Geografias do Pensamento.

SP-Foto reúne mais de 50 expositores em feira virtual

"Anjo", de Mario Cravo Neto. Cortesia Galeria Paulo Darzé.

Buscando renovar a experiência com o público por meio de diferentes iniciativas, mas mantendo sempre a fotografia como ponto central, a SP-Foto, que acontece presencialmente há 14 anos, realiza seu primeiro Viewing Room. Entre galerias, editoras e projetos independentes, o evento reúne mais de 50 expositores nacionais e internacionais entre os dias 23 e 29 de novembro.

“A cada edição, promovemos um encontro de gerações entre artistas e galerias já consolidadas no circuito e jovens expositores e artistas que estão florescendo agora. São apostas, nomes que acreditamos que vão ascender cada vez mais”, afirma Fernanda Feitosa, fundadora e diretora da SP-Foto.

Nesse contexto, participam do evento galerias de todo o Brasil, instituições – como o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM São Paulo), o Instituto Mário Cravo Neto e a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (ABACT) -, as editoras Fotô Editorial, Lovely House e Terra Virgem Edições e projetos independentes, que trazem uma seleção minuciosa de fotografia e videoarte. 

Still do vídeo “Cantando na chuva”, de Berna Reale. Foto: Cortesia Clube de Fotografia MAM-SP.

A fim de propiciar uma experiência imersiva no digital, o Viewing Room foi elaborado de forma a permitir que o visitante percorresse os diferentes projetos expositivos. Cada galeria, editora ou projeto ocupará um ambiente – neste caso, online -, no qual poderão ser expostas até 20 obras de um ou mais artistas, e disponibilizados conteúdos em texto, vídeo e áudio, com intuito de propiciar uma narrativa única e enriquecer a mostra. Caso haja o interesse por algum trabalho disponível no site, apenas um clique em “Contatar galeria” já permite que o comprador inicie uma conversa com o expositor.

Diálogos plurais

Um dos destaques desta edição é a participação de projetos independentes. Em diálogo com 01.01 Art Platform (com seu olhar sobre as produções africanas e afrodiaspóricas) e Levante Nacional Trovoa (que se dedica à inserir no circuito das artes a produção mulheres e pessoas não binarias negras, asiáticas e indígenas) – leia a reportagem sobre os dois projetos -, está o nova-iorquino MFON: Women Photographers of the African Diaspora, que participa pela primeira vez de um evento brasileiro, representando a voz de mulheres e não binários afrodescendentes. O coletivo apresenta no SP-Foto Viewing Room obras de artistas como Deborah Willis, Dee Dwyer, Jaimee Todd e Tokie Rome-Taylor em um projeto expositivo que enfatiza a forma diversa como cada uma aborda a ascendência africana e representa sua visão de mundo.

Já a Piscina Art foca em temáticas relacionadas a autoimagem, representação e corpos,  trazendo à feira obras produzidas por jovens artistas mulheres. Por último, entre os espaços independentes, está o Centro Cultural Veras, concebido a partir de uma gestação de vinte anos pelo monge e curador Josué Mattos, que teve a ideia quando vivia em um monastério nas montanhas de Paraty e acabou se especializando em arte na França. As obras trazidas pelo Veras terão sua venda destinada à construção da sua sede física em Florianópolis.

História da fotografia brasileira

Iniciado como um grupo de fotógrafos amadores, o Foto Cine Clube Bandeirantes representou o ápice do movimento fotoclubista no Brasil – que se propagou, nos anos 1940, pelas principais capitais do país. Uns dos fatores marcantes da atuação do grupo foi abrir as portas para a fotografia brasileira mundo afora. Este ano, o Clube é evidenciado na SP-Foto.

Foi pensando na sua importância para a história da fotografia que diversos projetos expositivos decidiram celebrá-lo nesta edição da Feira. Em parceria, as galerias Luciana Brito e Bel Amado exibem uma seleção de obras com alguns dos principais nomes do Foto Cine Clube Bandeirantes, como Gaspar Gasparian, Geraldo de Barros, Gertrudes Altschul,  Marcel Giró, Paulo Pires e Thomaz Farkas. Já a Galeria Almeida & Dale, em Os Frequentadores do Clube, faz uma homenagem ao apresentar trabalhos de artistas já consagrados mundialmente que, em comum, são apaixonados frequentadores do Clube, como Barbara Mors, Ivo Ferreira da Silva, Julio Agostinelli e José Yalenti. A Utópica, por sua vez, põe em foco o integrante German Lorca, que tem suas obras expostas ao lado das fotografias dos modernistas Fernando Lemos, Annemarie Heinrich, Alice Kanji e Dulce Carneiro, em uma experiência que une o visual e o sonoro no espaço expositivo virtual.  

De olho no presente

“Queimada I, Barão de Melgaço, Brasil”, Lalo de Almeida. Cortesia Utópica Photography.

No mesmo evento que nos relembra parte da história da fotografia brasileira, a Documenta Pantanal convida o público a refletir sobre o presente e as questões urgentes do meio ambiente que o envolvem. O faz a partir de fotografias de João Farkas, Luciano Candisani e Araquém Alcântara que buscam documentar a região do Pantanal brasileiro. O assunto se estende para além da exposição, com a conversa entre os fotógrafos João Farkas e Lalo Almeida durante ciclo de debates e palestras da SP-Foto. Com um olhar direcionado às emergências ambientais, ambos comentam suas obras a partir de duas abordagens distintas: o fotojornalismo e o documento. 

Além da exposição virtual

O bate-papo entre os fotógrafos faz parte de uma programação ampla e gratuita com o ciclo de debates e palestras online, os Talks, a fim de completar a experiência da feira. Confira a programação abaixo:

  • 24/11 às 16h: A curadora Luciara Ribeiro conversa com a artista Moara Brasil;
  • 25/11 às 11h: A curadora Luciara Ribeiro conversa com a dupla de artistas Takeuchiss;
  • 26/11 às 11h: O curador Eder Chiodetto conversa com os artistas Ayrson Heráclito e Daniel Jablonski;
  • 26/11 às 16h: Com um olhar direcionado às emergências ambientais, os fotógrafos João Farkas e Lalo Almeida comentam suas obras. 

Se interessou? Para mais informações, acesse o site da SP-Arte clicando aqui.

Mam Rio anuncia Beatriz Lemos como nova curadora adjunta

A curadora Beatriz Lemos. Foto: Juno F. Braga

A pesquisadora e curadora carioca Beatriz Lemos é a nova curadora adjunta do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio). Lemos foi selecionada a partir de uma chamada aberta que reuniu 139 candidatos e se incorpora à equipe do museu poucos meses após Keyna Eleison e Pablo Lafuente assumirem a diretoria artística da instituição.     

A pesquisadora tem mestrado em História Social da Cultura pela PUC-RJ e é idealizadora e diretora da plataforma Lastro – Intercâmbios Livres em Arte. A partir de perspectivas anticoloniais, ela atua na condução e articulação de processos em rede e transdisciplinares de criação e aprendizagem. Em colaboração com o MAM Rio, Beatriz coordenou o projeto de catalogação dos acervos de obras e documentos de Márcia X (1959-2005), que culminou na exposição monográfica da artista, em 2013.

Segundo o texto divulgado pelo museu, “a Curadoria Adjunta se reporta diretamente à Diretoria Artística e implementa a visão artística e a missão do MAM Rio. É responsável pelo desenvolvimento dos projetos expositivos organizados pelo museu e pelas relações desses projetos com as atividades do Núcleo Artístico, incluindo pesquisa, conservação, educação e formação”.

Para Keyna Eleison, “a escolha de Beatriz Lemos nos enche de mais vontade de troca. É uma profissional de trajetória estruturada, de pesquisa nacional e internacional. Chega com uma inteligência para a construção do nosso projeto e posicionamento do MAM ainda mais rico”, comenta. O processo de reformulação do museu se dá principalmente desde janeiro de 2020, quando Fabio Szwarcwald assumiu a diretoria-executiva.

Lemos foi uma das participantes do “VI Seminário Internacional ARTE!Brasileiros: em defesa da natureza e da cultura”, por conta de seu trabalho como curadora da Frestas – Trienal de Artes (ao lado de Diane Lima e Thiago de Paula Souza). Leia mais aqui.

Biden-Harris vence, qual a reação do mundo das artes?

Eleição EUA Biden Harris
"Shift the culture, end fear", Jenny Holzer. Foto: Mark Rutherford.

No dia 14 de novembro, o presidente-eleito dos Estados Unidos Joe Biden conquistou o estado da Georgia, solidificando sua vitória contra o atual presidente Donald Trump. Dessa forma, Biden torna-se o primeiro candidato democrata a alcançar a maioria dos votos no estado desde 1992, o que projeta sua vitória a 306 votos do colégio eleitoral, enquanto os números de Trump chegam a 232. Apesar das projeções serem sólidas, o próximo presidente dos EUA só será oficialmente anunciado no dia 14 de dezembro. Neste dia, os delegados registram o seu voto, que, por costume, obedece à maioria dos votos da população, embora uma exceção à regra possa ocorrer ocasionando o que os estadunidenses chamam de “voto infiel”.

Mesmo não oficializada ainda, a vitória da chapa Biden-Harris já gerou fortes reações. Até o último domingo, 15 de novembro, Trump se negava a aceitar sua derrota, repetidamente voltando-se para uma (falsa) acusação de fraude eleitoral que instigou seus eleitores a protestarem em marcha por Washington. Para o Brasil, como relata a repórter Julia Moura, “a vitória de Biden, avesso a Jair Bolsonaro e crítico à destruição da Amazônia, pode estremecer as relações comerciais Brasil-EUA em um primeiro momento”.

O evento político vem gerando, desde então, reações no mundo das artes. A própria chapa Biden-Harris, lançou uma campanha inspirada pela obra Art is… (1983/2009) de Lorraine O’Grady, em que a artista foi às ruas do Harlem com uma moldura dourada ornamentada para o Desfile do Dia Afro Americano de Nova York e fez com que os participantes posassem “dentro” delas. Quinze performers vestidos de branco ajudaram a encenar o trabalho, que agora é lembrado principalmente por meio de fotografias que documentam o evento. A campanha do presidente eleito reproduz um quadro semelhante para capturar os cidadãos de todos os Estados Unidos. O’Grady – cujo trabalho será tema de uma retrospectiva do Brooklyn Museum em 2021 – disse que fez Art Is… para contrariar a ideia de que a arte de vanguarda tinha pouco a ver com a comunidade negra. Alexander Gray Associates, a galeria que a representa, deu permissão para a réplica, cujo resultado final gerou reações positivas da artista: “Eu dei a eles e eles me deram de volta”.

Para o The Art Newspaper, a artista Martha Rosler afirmou: “Ainda devemos analisar a extensão em que as estruturas de governança foram danificadas e o próprio governo deslegitimado – desenfreadamente e constantemente – por Donald Trump e os alimentadores de terceira categoria que ele habilitou como seus demolidores”. “Em meio a uma pandemia que se intensifica, os efeitos cada vez mais terríveis do aquecimento global, um colapso econômico multifacetado que afeta as pessoas comuns enquanto as corporações e bilionários prosperam e uma ameaça inegável dos supremacistas brancos, estamos tentando costurar de volta nosso sentido fragmentado de tempo e ser, para nos prepararmos para as tarefas coletivas que temos pela frente”.

Capa da New York Magazine com obra de Barbara Kruger. Foto: Divulgação.

As obras de Barbara Kruger e Zoe Leonard também apareceram no ambiente virtual em meio aos comentários políticos. O crítico de arte Jerry Saltz relembrou uma obra de Kruger que estampou a capa da New York Magazine em 2016. Nela, a face de Trump é imposta pela palavra “perdedor” em inglês. Já Leonard teve mais uma vez sua muito referenciada obra I Want a President (Eu desejo uma presidente) trazida ao debate. O poema visual foi escrito em 1992 em resposta à candidatura presidencial da poetisa Eileen Myles ao lado de George H.W. Bush, Bill Clinton e Ross Perot. O texto é emblemático do envolvimento de Leonard com coletivos ativistas em Nova York na década de 1980, uma época marcada por uma consciência política intensificada devido à enorme perda da epidemia de HIV/AIDS.

Poema de Zoe Leonard no High Line em Nova York, em 2016. Foto: High Line.

O artista William Powhida compartilhou uma imagem de sua instalação Possibilities for Representation (Possibilidades para representação), atualmente em exibição no Aldrich Contemporary Art Museum, em Connecticut, dizendo:”Quando comecei a trabalhar nesta instalação em janeiro, eu sabia que queria criar uma representação visual de quanto tempo as primárias e as eleições seriam em relação à longa história da qual emergiram os candidatos. Na linha do tempo da instalação, os séculos ocupam o mesmo tempo que décadas, depois anos, depois meses e depois o dia da eleição. Estou profundamente aliviado porque minha decisão de dar a Joe Biden e Kamala Harris uma vantagem muito sutil nessa corrida presidencial glacial foi realizada por cerca de 74 milhões de eleitores”. Apesar do alívio, Powhida faz a ressalva que “por melhor que pareça a vitória no momento, meu alívio é temperado pelas realidades preocupantes que nos esperam do outro lado da certificação da eleição e da posse do presidente”. Tal balanço foi feito também pela artista Sue Coe, que reiterou: “Não é exatamente uma revolução 4 a 5 milhões de americanos votaram em Biden-Harris e rejeitaram o fascismo por uma margem tênue, mas nosso sistema eleitoral ainda beneficia senhores cruéis e agressores. A luta continua…”.

O mexicano Pedro Reyes destacou o histórico de Biden com relação a armas como algo positivo, afirmando que “enquanto trabalhava com organizações de controle de armas de base, aprendi que Joe Biden lutou duas vezes – e venceu – contra o NRA. Ainda assim, uma de nossas principais prioridades como planeta é o desarmamento nuclear. Trump prometeu 1,3 trilhão de dólares para novas armas nucleares em 2021, espero que este novo governo possa reverter esse contrato”.

Vale notar os trabalhos de Grayson Perry, compartilhado pela Royal Academy no Twitter, e os letreiros de Jenny Holzer, que durante o período eleitoral levaram às ruas palavras de Stacey Abrams, por exemplo, e agora dizem (como projetado no Detroit Institute of Arts): “Shift the culture, end fear”.