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12 livros de arte para ler em 2022

"Atlântico" (2016), Arjan Martins. Foto: A Gentil Carioca.
"Atlântico" (2016), Arjan Martins. Foto: A Gentil Carioca.

Entre biografias de grandes nomes modernistas e teorias que questionam os olhares hegemônicos sobre a cultura, passando por dramaturgias, livros de fotografia, indagações sobre os fazeres contemporâneos e coletâneas de entrevistas, muitas publicações que envolvem o mundo das artes foram publicadas (e reeditadas) em 2021. A arte!brasileiros preparou uma lista com 12 livros lançados recentemente que nos provocam a repensar a arte no Brasil e no mundo. 

Arte contemporânea: modos de usar, de Paula Braga

Entre capítulos teóricos e crônicas, Paula Braga nos guia pelo universo da arte contemporânea. Ao analisar trabalhos de criadores consagrados como Hélio Oiticica, Cildo Meireles e Beatriz Milhazes, além de nomes menos conhecidos do grande público, a professora de Filosofia da UFABC se propõe a discutir as formas pelas quais a arte afeta e é afetada pela realidade. Cada capítulo tem dois momentos: primeiro uma crônica, na qual Paula Braga flerta com a autoficção; depois, e em diálogo com o texto que o antecede, um ensaio crítico, mais acadêmico – que em nada corresponde aos estereótipos sisudos da academia. “A combinação de estilos segura a mão da gente em um rolê aleatório pelo labirinto da arte contemporânea, sem fio condutor. A proposta é se deixar levar por uma autora que enxerga a arte como caminho para a investigação existencial, a produção de pensamento e a formação de subjetividades desviantes da norma, sem deixar de pontuar as mazelas do neoliberalismo e a desintegração do tecido social brasileiro nestes tempos distópicos”, como sugere o release. 

Arte e ativismo: antologia

Publicado pelo MASP, o livro reúne 84 textos sobre as relações entre prática artística e ativista nos campos político, social, institucional, ambiental, de gênero e de raça através dos tempos em todo o mundo. Entre manifestos, ensaios teóricos, declarações públicas de artistas e coletivos, encontramos palavras de Augusto Boal, Decolonize This Place, León Ferrari, Cildo Meireles, Guerrilla Art Action Group, Internacional Situacionista, entre tantos outros autores e grupos. Os textos abordam questões como os compromissos políticos das vanguardas modernistas e suas rejeições em favor do protesto, da crítica, do experimento social utópico ou da propaganda revolucionária. O volume é organizado cronologicamente, começando com escritos do final do século 19, como os do pintor francês Gustave Courbet, até as práticas de coletivos de ativismo artístico nos séculos 20 e 21. A Antologia é o resultado de uma parceria entre o MASP e o Afterall, centro de pesquisa da University of the Arts, Londres. 

Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela, de Leda Maria Martins

A ensaísta, poeta, dramaturga e professora Leda Maria Martins explora as inter-relações entre corpo, tempo, performance, memória e produção de saberes. Dialogando com pensadores como Alfredo Bosi e João Guimarães Rosa, a autora desconstrói a dicotomia entre oralidade e escrita enfatizada pelo Ocidente e, “assim, descoloniza o pensamento Ocidental e requalifica a África como continente pensante. A palavra também se inscreve no corpo, na memória, no tempo”, sugere a descrição do livro. Em um conjunto de ensaios, a autora consolida o conceito de tempo espiralar, que surge pela observação de práticas comunitárias e no fundamento de vários grupos étnicos africanos. No livro, a autora propõe que a experiência e a compreensão filosófica do tempo podem ser expressas por uma inscrição não necessariamente discursiva, mas não por isso menos significativa e eficaz: a linguagem constituída pelo corpo em performance, das liturgias do Reinado às artes cênicas.

Arte Contemporânea Brasileira: agentes, redes, ativações, rupturas

Publicada em dois livros, a coletânea da editora Circuito se debruça sobre a arte produzida no Brasil, reunindo ensaios de artistas, pesquisadores, críticos e curadores de arte contemporâneos. No primeiro volume foca no período de 1970 a 1999, reunindo 39 textos de importantes nomes como Guy Brett, Lisette Lagnado e Tunga (entre tantos outros). No segundo volume, encontramos as palavras de profissionais do mundo das artes como Aracy Amaral, Ayrson Heráclito, Cauê Alves, Tiago Sant’Ana e Tadeu Chiarelli, que buscam traçar um amplo panorama das duas primeiras décadas do século 21, abordando o ativismo nas artes, o papel da crítica e da curadoria no circuito artístico, as artes dos diferentes Brasis e sua relação com os projetos políticos em questão. 

O que vem depois da farsa?, de Hal Foster

“Como o mundo da arte participa dos dilemas de sua época? O que a política da pós-verdade e da pós-vergonha implica para artistas e críticos?” Essas são algumas das perguntas que guiam o novo livro de Hal Foster, no qual o autor traz uma análise do contexto social, político e cultural da atualidade, implicando artistas, curadores, museus e instituições e críticos. Os ensaios reunidos na publicação discorrem sobre mudanças na arte, na crítica e na ficção diante do “atual regime de terror e vigilância, desigualdade extrema, desastre climático e disrupção midiática”, conforme sugere a descrição do livro (Leia o texto de Fabio Cypriano sobre O que vem depois da farsa?).

Entrevistas brasileiras vol. 2, de Hans Ulrich Obrist

Reunindo 30 entrevistas do curador suíço Hans Ulrich Obrist com artistas, antropólogos, músicos, cineastas e outros pensadores brasileiros, a publicação busca formar um painel múltiplo do que é pensado e realizado hoje no país. O livro traz conversas que tratam desde questões intrínsecas à construção de um léxico artístico, como o processo de criação e o papel da arte da sociedade, a debates acerca de assuntos prementes, como a luta contra o racismo, a formação de um circuito decolonial de arte, a conquista de uma subjetividade. A publicação dá continuidade ao Hans Ulrich Obrist – Entrevistas brasileiras vol. 1, publicado em 2019, no qual o curador debatia ideias com mestres e pioneiros do século XX. 

Ubu Rei, de Alfred Jarry

A peça francesa, encenada pela primeira vez em 1888, ganha edição comemorativa. Com projeto gráfico de Elaine Ramos, o livro conta com lâminas interpostas no miolo com manuscritos e reproduções de artistas das vanguardas – como Dora Maar, Miró, Lina Bo Bardi, Max Ernst, Picasso e Raymond Savignac. A obra traz a história de Pai Ubu, que encarnou a alegoria do político grotesco, estúpido, intratável, que se torna rei trapaceando e governa na base de atrocidades contra o povo e os aliados. A dramaturgia é acompanhada de textos de Firmin Gémier (ator da primeira encenação da peça), Guillaume Apollinaire, Michel Foucault, Otto Maria Carpeaux, além de escritos do próprio Jarry.

Arjan Martins

Em edição bilíngue, o livro apresenta um extenso panorama da trajetória do pintor carioca, compilando um ensaio escrito pelo curador Paulo Miyada, outro pelo crítico e historiador de arte Michael Asbury, uma entrevista feita com Arjan Martins pela historiadora Raquel Barreto e imagens de 100 obras do repertório do artista. Arjan Martins dialoga com a tradição moderna da pintura ocidental, incorporando um repertório visual e uma narrativa afro-brasileiros. As imagens de imigrantes e descendentes africanos são parte fundamental do repertório do artista, mostrando-os em ações cotidianas, e as quais trazem questões eminentes a serem discutidas: herança colonial, identidade étnica, negritude, segregação, invisibilidade. Seus trabalhos percorrem também cartografias, que chegam como elementos significativos do período histórico das navegações. 

As metamorfoses: Madalena Schwartz 

Acompanhando a exposição individual de Madalena Schwartz, ocorrida no primeiro semestre de 2021 no Instituto Moreira Salles de São Paulo, foi lançado o catálogo As metamorfoses. A publicação testemunha a importante produção da fotógrafa, que retratou – em plena ditadura militar – o universo de travestis e transformistas. “Madalena Schwartz interessou-se em pé de igualdade pelas pessoas que fotografou, das figuras já célebres às estrelas quase anônimas, de brilho breve e intenso, que orbitavam pelo centro de São Paulo”, aponta o release. Completa este volume um panorama da produção latino-americana sobre o mesmo tema durante aqueles mesmos anos de chumbo em todo o continente, com obras de Paz Errázuriz, Estúdio Luisita, Leandro Katz, Hélio Oiticica, Sergio Zevallos, Vasco Szinetar, Adolfo Patiño, Armando Cristeto e imagens do Arquivo Quiwa e do Arquivo da Memória Trans Argentina.

Ruy Ohtake, arquiteto

Falecido em novembro de 2021, Ruy Ohtake foi um dos nomes mais influentes da arquitetura brasileira contemporânea. Autor de centenas de projetos, ele foi ganhador de 25 prêmios, conquistou o Colar de Ouro do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB (2007), recebeu os títulos de Professor Emérito da Faculdade de Arquitetura de Santos e de Professor Honoris Causa da Universidade Braz Cubas. “Sua produção tem sido registrada em revistas e livros, mas até o presente momento não havia sido feita uma publicação contendo balanço crítico isento e aprofundado, que permita a inserção de sua obra em merecido lugar da história da arquitetura brasileira. A finalidade maior deste projeto cultural é cumprir esse objetivo”, escrevem Abilio Guerra e Silvana Romano Santos, organizadores da publicação. 

Conversas com Cézanne, de Michael Doran

Pesquisador do Courtauld Institute, de Londres, Michael Doran busca traçar um retrato vivo de Paul Cézanne, reunindo e comparando os principais testemunhos daqueles que conviveram com o pintor entre 1894 e 1906 – e registraram tanto o conteúdo de suas conversas e a originalidade das concepções do artista, bem como seu cotidiano, seus hábitos e idiossincrasias, “seus procedimentos diante do motivo pictórico e até a ordenação das cores em sua paleta”. Por meio de cartas, artigos de jornal, relatos de conversas e ensaios críticos e biográficos, “o Cézanne que emerge destas conversas e testemunhos”, escreve Paulo Pasta no posfácio. 

Guignard: Anjo Mutilado, de Marcelo Bortoloti

O livro retoma a obra e vida de Alberto da Veiga Guignard, pintor cujas obras – em especial suas paisagens de Minas, as reais e as imaginárias – foram marcantes no modernismo brasileiro. O “anjo mutilado” – como o chamou o poeta Manuel Bandeira –, recebeu essa alcunha por sofrer de caso severo de lábio leporino. A partir de uma pesquisa extensa, Marcelo Bortoloti faz não apenas uma reconstrução da biografia do pintor, mas também um retrato histórico da Europa entreguerras e do Brasil modernista.

Cruzada extremista: como age o negacionismo cultural nos museus

Entre 1891 e 1946, mais de 500 objetos sagrados das religiões afrobrasileiras foram apreendidos pela polícia do Estado do Rio de Janeiro, que movia então intensa perseguição aos rituais do candomblé e da umbanda que chegaram ao Brasil com cidadãos negros escravizados. Expostos como “Coleção de Magia Negra”, permaneceram por um século sob a posse do Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Mães e pais de santo eram acusados de charlatanismo e curandeirismo e seus objetos rituais eram apreendidos como provas do “crime”.

Em julho do ano passado, após quase cem anos sob tutela da polícia, as 519 peças do acervo foram doadas ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e transferidas para o Museu da República, sendo incorporadas ao patrimônio brasileiro. A cessão foi resultado de uma luta popular encabeçada pela ialorixá Mãe Menininha de Oxum a partir de 2018. Os objetos são os mais antigos do tipo que se tem notícia, o que mobilizou a comunidade museológica e trouxe euforia à militância afrobrasileira. Anéis de metal que pertenceram a líderes religiosos, joias, 22 cachimbos, 60 esculturas, 13 tambores, cerca de 10 peças de indumentária (200 dessas peças já eram tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, o primeiro tombamento etnográfico do País). Uma história subterrânea emergia da preciosa coleção, abrigada pelo Museu da República na rua do Catete, 153, no coração do Rio de Janeiro, no dia 21 de setembro de 2020 – os símbolos e desenhos talhados no material possibilitam ampliar a compreensão dos cultos, das origens, da força e das estratégias de sobrevivência de uma época em que as manifestações religiosas de matriz africana eram alvo de perseguição no país.

Há alguns dias, entretanto, aquilo que sugeria um final feliz (como a consolidação de um notável avanço civilizacional, histórico, etnológico, cultural e social) trombou de novo com aquela antiga barreira do preconceito e da ignorância que tinha criminalizado a umbanda e o candomblé no passado. Quando o Ibram já fotografava, descrevia e preparava a coleção para expô-la ao público, se deparou com uma súbita e inesperada ordem de cima para interromper todo o trabalho de documentação e para enclausurar o material.

Exu Ijelú
Exu Ijelú (escultor: Arthur Cunha) – Exu, Legbara e Nzila são os mensageiros entre os humanos e o divino, respectivamente das nações Ketu, Jeje e Angola. Da coleção de Museu da República. Foto: Oscar Liberal/ Divulgação

Segundo apurou a reportagem, a ordem de interromper a preparação da coleção teria vindo direto do Diretor de Cooperação e Fomento do Iphan, Tassos Lycurgo, um pastor e extremista cristão, frequente orador da igreja Defesa da Fé. As peças do Acervo Nosso Sagrado (assim rebatizado pela reivindicação da comunidade negra) já estavam em pleno exame no Departamento de Difusão, Fomento e Economia do Ibram. Mas porque o pastor Lycurgo, que é do Iphan, outra autarquia federal, ganhou essa autoridade sobre uma coleção do Ibram sob a guarda do Museu da República? Acontece que Lycurgo, colocado no atual cargo há um mês, dirige agora o Sistema Nacional de Patrimônio Cultural (SNPC) do país, responsável por coordenar ações do setor que tratam da cooperação nacional e internacional, promoção e difusão, formação e pesquisa aplicada e a gestão documental e do conhecimento.

Ninguém sabe dizer quando (ou se) serão retomados os trabalhos no Acervo Nosso Sagrado. A equipe do Museu da República conseguiu, a duras penas, montar uma mostra virtual antes da lacração. A ação do Ibram se insere numa cruzada extremista que já se espalha como uma metástase por todo o sistema de cultura do País, casos da Ancine, do Iphan, da Fundação Casa de Rui Barbosa e da Fundação Cultural Palmares. Lycurgo, pastor do Ministério da Defesa da Fé em Natal (RN), afirmou em seu site que uma de suas missões é “apresentar de maneira científica, histórica e filosófica razões para seguir Jesus Cristo”.

Quando Tassos Lycurgo assumiu no Iphan, em dezembro de 2020, a arquiteta Marcia Sant’Anna, uma das maiores especialistas em patrimônio cultural e histórico da Bahia, advertiu, como se em uma premonição: “Muitos bens culturais  registrados no Brasil como patrimônio imaterial estão vinculados a sistemas religiosos que precisam ser respeitados e acolhidos como importantes manifestações da cultura e das distintas visões de mundo que caracterizam a sociedade brasileira. Assim, a política de salvaguarda não pode e nem deve estabelecer hierarquias ou juízos de valor com relação a essas manifestações. As postagens e declarações do senhor Tassos Lycurgo não nos autorizam a pensar que esses princípios serão observados”.

Adê de Oxum
Adê de Oxum – “Adê” é uma palavra do idioma iorubá que significa “coroa”. Da coleção de Museu da República. Foto: Oscar Liberal/ Divulgação

A implosão do sistema museológico tem dupla função: além de impor a agenda do extremismo ideológico, religioso e fundamentalista do governo, possibilita também a ocupação funcional, o preenchimento do chamado cabide de empregos – boa parte dele destinado ao contingente de oficiais da reserva a reboque do bolsonarismo. No Ibram, foi nomeado em 16 de junho o coronel da reserva do Exército Paulo Guilherme Ribeiro Fernandes como diretor do Departamento de Planejamento e Gestão Interna dos museus. Mais que um militar, Fernandes vem de uma aventura temerária: era coordenador-geral de Planejamento do Ministério da Saúde na malfadada gestão do general Eduardo Pazuello, que assumiu o ministério quando haviam 15 mil mortos pela pandemia de Coronavírus e, quando foi demitido, já contabilizava 280 mil mortos em seu currículo. Uma das ações de “planejamento” do grupo de Pazuello, a cargo justamente do setor do coronel Fernandes, foi a distribuição de oxigênio para hospitais, que terminou com um morticínio de dimensões indescritíveis em Manaus, no Amazonas.

Acomodado agora nos museus, após a queda de Pazuello, o coronel Fernandes já apresentou suas armas: ele pretende tirar da condição de unidades gestoras autônomas (Unidades Administrativas de Serviços Gerais, as UASGS) todo o sistema museológico brasileiro. Os museus do Rio de Janeiro, por exemplo, que são atualmente unidades gestoras (Museu Nacional de Belas Artes, Museu Villa Lobos, Museu Histórico Nacional, Chácara do Céu, Museu da República) deixarão de ser autônomos e suas ações ficarão concentradas num único escritório regional. O que possibilita ao coronel fazer tal ingerência é uma portaria do Ministério da Economia publicada no dia 12 de dezembro de 2019 (Portaria 13.623) que permite o “redimensionamento do quantitativo das Uasg pelos órgãos da administração pública federal”.

Revestida de uma casca de legalidade imoral, o avanço do obscurantismo tem graves efeitos coletarais. Qualquer resistência a essa cruzada motiva perseguições e hostilidade nas agências (vide o caso recente da Anvisa, Agência Nacional de Saúde, que está sob ataque violento de negacionistas por decisões sobre vacinação infantil), assim como autarquias e instituições públicas de cultura. Isso levou os servidores contatados pela reportagem a negarem-se a dar depoimentos para o texto.

Cocar de penas
Cocar de penas – Usado por Caboclos, entidades espirituais de grande relevância na umbanda e no candomblé. Da coleção de Museu da República. Foto: Oscar Liberal/ Divulgação

O autoritarismo e a falta de transparência tingem de insegurança e espírito antidemocrático praticamente todas as instituições dos setores museológico e patrimonial na esfera federal. Parecem atos aloprados, de fanáticos, mas têm método e sistemática. Um dos ataques mais recentes foi contra a estrutura do Prêmio Rodrigo Melo de Andrade Franco, premiação de excelência da área do patrimônio, com 34 anos de existência. A edição 2021 do prêmio sofreu uma série de alterações substanciais na dinâmica da premiação nesta 34ª edição, notadamente na etapa final, que é nacional. As alterações, feitas sem consulta prévia e anuência da equipe que integra a Comissão Organizadora da Premiação, atentam contra os princípios de transparência e lisura preconizados pelo serviço público, além de afetar a dinâmica do concurso e da rede de técnicos e experts que participam da premiação. O tempo exíguo para que o júri faça o exame dos 125 inscritos também contou negativamente na qualidade do processo.

O setor museal é uma área estratégica em todas as Nações desenvolvidas. Em países como França e Inglaterra, sua capacidade de autogestão e força curatorial atuam como âncoras econômicas e de desenvolvimento. No Brasil, a preocupação com o setor é relativamente recente, começando a ser política de Estado só a partir dos anos 1930, no governo Vargas. Hoje, parte substancial das políticas da área é tocada pelo Ibram, que ainda é responsável pela administração direta de 30 museus federais.

Subordinado à Secretaria Especial de Cultura, por seu turno submetida ao Ministério do Turismo, o Ibram vive o pesadelo de toda a cultura nesse período: a centralização autoritária e o espectro da censura. Por exemplo: uma circular do secretário Mario Frias, de 2020, obriga hoje a que todas as instituições vinculadas submetam a ele, com sua vasta experiência de ex-ator de soap opera, todas suas publicações – sejam em sítios, perfis, mídias digitais e portais oficiais, “visando uniformizar a comunicação”. Imaginem o Museu do Louvre tendo de passar por algo assim. A autonomia museológica é o único antídoto para tal postura.

Cachimbo
Cachimbo – No candomblé, os cachimbos representam a divindade da cura. Na umbanda, são muito usados por Pretos Velhos, espíritos associaædos ao arquétipo do velho sábio. Da coleção de Museu da República.

Os museus vivem já há algum tempo uma aguda encruzilhada face às novas tecnologias e demandas do mundo contemporâneo. Para além dos problemas atuais, que são arcaicos, provocados por um governo arcaico, a museologia tem os desafios de “sacudir, diversificar, experimentar novos caminhos de inovação e superar as tradicionais discussões”, segundo diagnosticaram especialistas do País todo reunidos em um simpósio este ano. Essas exigências vão ser testadas no ano que vem, quando voltam à ativa os gigantes Museu do Ipiranga, em São Paulo, e o Museu Nacional, no Rio (destruído por um incêndio em setembro de 2018).

A pandemia de Covid-19, malgrado todos os danos, é consenso que ensinou aos museus uma lição. Ao se verem paralisados, sem seu público, sem visitação, eles trataram de modernizar seu papel na vida social e a abordagem pública. Museus de paleontologia e antropologia passaram a incrementar sua função para além da educação, do caráter exibicional e da geração de ciência, passando a gerar também conhecimento. Aprenderam a fazer todo o planejamento de forma remota e a desenvolver as estratégias expositivas à distância, de uma forma que vem sendo considerada muito satisfatória. Incrementaram o uso de holografia e interatividade e a comunicação e o diálogo com a sociedade. Para além dos fantoches do autoritarismo, do retrocesso e do desmonte, os museus já projetam o futuro.


*Jotabê Medeiros é repórter e biógrafo

“Monumento às Bandeiras”, de Brecheret: o passado presente

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"Monumento à Bandeiras", Victor Brecheret, 1953. Peça – Granito (8m x 7m x 40m), Pedestal – Granito (2,54m x 8,40m x 43,80m). Foto: Reprodução

O Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, também conhecido como Empurra-empurra e por Deixe que eu empurro, tem mais de cem anos, se levarmos em conta que sua primeira maquete é de 1920. Situado no principal parque da cidade de São Paulo – o Ibirapuera – ele e sua imagem servem de suporte para que várias camadas da população projetem seus anseios e fantasias sobre a cidade e seu passado, sobre o Brasil e seu futuro.

Esculpido em 240 blocos de granito e pesando muitas toneladas, o Monumento não simboliza, ou não simboliza apenas, a “saga” dos bandeirantes paulistas que, no período colonial, invadiram o território da então colônia portuguesa, ampliando seus limites enquanto preavam indígenas e buscavam ouro e pedras preciosas; o Monumento também, desde antes do início de sua construção, em 1936, simbolizava a elite paulista do século 20, identificada com aqueles seus supostos ancestrais. Na década de 1930, quando o Monumento começa a ser erguido ele era, para essa elite, o símbolo de seu próprio reerguimento enquanto potência no âmbito da nação, depois dos descalabros da Revolução de 1930 e da Revolução Constitucionalista, de 1932, quando São Paulo perdeu sua hegemonia.

Porém, o Monumento significou e significa mais. Embora ele se mantenha impávido lá no Ibirapuera, íntegro em sua concretude de pedra, cada geração, cada grupo social tende a conferir-lhe novos significados, atualizando-o e problematizando sua presença no cotidiano da cidade.

Este texto deve ser lido como o esboço de um panorama sobre como o Monumento vem sendo percebido por paulistas e brasileiros, desde suas primeiras maquetes, realizadas em 1920, até os dias de hoje.

“Maquete do Monumento às Bandeiras”, 1920, Victor Brecheret. Foto: lustração Brasileira, RJ, set. 1920. Col. IEB USP.

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Iniciada sua construção em 1936, ela foi rapidamente comprometida, tanto pelo golpe que instituiria o Estado Novo, em 1937, quanto pela eclosão da II Grande Guerra, dois anos depois. Tais eventos ajudaram a atrasar a execução da obra e apenas as mudanças ocorridas a partir de 1945[1] fizeram com que a construção do Monumento fosse retomada, até ser inaugurado em 1953, dando início às festividades dos 400 anos de São Paulo[2].

Os brasileiros em geral, e os paulistas em particular, adotaram o Monumento às Bandeiras como símbolo da cidade, do Estado e do Brasil, e tal posicionamento pode ser visto pela sua rápida transformação em cenário para que todos performassem como integrantes de um país que alcançava seu futuro: desde sua inauguração, o Monumento serve de fundo para fotos que celebram encontros entre colegas, familiares e grupos de turistas encantados com a “pujança” da cidade. Desde sempre também foi comum que noivos recém-saídos da cerimônia de casamento posassem frente ao Monumento: o casal – célula da família e, portanto, do país – tendo ao fundo um dos maiores símbolos da pátria.

A imagem do Monumento às Bandeiras não ficou restrita a fundo de fotos de encontros de paulistas e turistas – função que mais recentemente seria exacerbada com a chegada dos selfies. O Monumento também alimentou a indústria de lembranças da cidade, impondo a todos uma memorabilia que, sempre com a imagem do Monumento, ilustra capas de cadernos, bandejas, chaveiros, panos de prato etc.[3]

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Pouco mais de dez anos após a inauguração do Monumento, no entanto, o golpe civil-militar de 1964 fez com que a fé no presente e no futuro do país se tornasse discutível. Os protagonistas do novo regime tentaram instrumentalizar a imagem do Monumento, relacionando-o ao clima “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Assim, aos poucos, aquele conjunto escultórico foi sendo associado ao poder que comandava o país e seu papel até então repleto de positividade começou a desmoronar.

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“Brazil Today, Natural Beauties”, 1977, Regina Silveira. Serigrafia sobre cartão postal, 10,5 x 15 cm. Foto: Reprodução

De símbolo de uma utopia (para poucos, é certo), o Monumento às Bandeiras passou a ser um dos símbolos da distopia que havia se transformado o Brasil durante os anos 1960/70 – e essa dimensão nada edificante ganhou visibilidade em trabalhos de arte, como Proposta para Monudentro, 1973 (publicação On/Off 2) e Brazil Today, Natural Beauties, 1977, ambos de Regina Silveira.

Na década seguinte, com o início da abertura política, a dimensão simbólica do Monumento chegou a ser revista, projetando um Brasil em transformação, em que o “povo brasileiro” – representado pelas figuras do Monumento – se rebelava contra o status quo –, caso do HQ Entradas e bandeiras, de Luiz Gê, de 1985[4].

Mas essa vertente não teve continuidade.

Entrando nos anos 1990 e, em seguida, no novo século – e com a emersão de outras vozes no campo da democracia brasileira –, diferentes interpretações foram sendo agregadas ao Monumento. Para esses novos protagonistas, era preciso deixar evidente que o Monumento às Bandeiras não representava a glória do passado e do futuro do país; ele, de fato, homenageava milicianos assassinos, estupradores e traficantes de seres humanos.

Se até então o Monumento havia sido utilizado apenas como imagem e/ou pano de fundo para celebrações as mais diversas, agora ele se tonava também um marco específico e suporte para atividades de contestação ao poder instituído, visto como discriminatório e cruel em relação aos segmentos subalternizados da sociedade brasileira.

A manifestação ocorrida em São Paulo, em dois de outubro de 2013, a favor da demarcação das terras indígenas – e que culminou com a tomada do Monumento às Bandeiras pelos manifestantes –, é emblemática. Ali, simbolicamente, os povos indígenas e outros segmentos da sociedade tornaram a obra de Brecheret símbolo da ignomínia brasileira, sentido depois igualmente extravasado pela produção de alguns jovens artistas da cidade, como Sidney Amaral, Jaime Lauriano e Flávio Cerqueira[5].

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Manifestação indígena contra a PEC 215 em 2 de outubro de 2013. Foto: CIMI/ https://bit.ly/3ed52Wk

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Estabelecido este panorama, seria importante refletir sobre o que levou o Monumento às Bandeiras a ganhar essa proeminência dentro do imaginário brasileiro. O que haveria de especial em sua concepção, o que haveria de tão original em sua forma, capaz de explicar o protagonismo que ele foi alcançando com o passar do tempo, protagonismo este para o bem e para o mal.

O elemento mais importante daquele conjunto escultórico talvez seja a sensação de movimento produzido por Brecheret, parecendo que todo o grupo “caminha” para frente e para cima. Esta solução proposta pelo artista sintetiza o próprio tema da obra, introjetando no granito o frêmito das entradas dos bandeirantes no sertão brasileiro e, por associação, os paulistas dos anos 1930, comandando, de novo, o Brasil rumo ao futuro. Sem individualizar nenhum personagem em especial, Brecheret juntou duplas ou pequenos grupos que, em conjunto, parecem caminhar. Tal solução, por sua vez, imprimiu-lhe um caráter de horizontalidade, sublinhado pela sutil elevação das figuras, em seu início. Esta característica traz originalidade ao Monumento às Bandeiras se comparado com outros monumentos do final dos 19 e início do 20, produzidos aqui e fora do país. Se no Monumento o que sobressai é seu caráter horizontal e seu movimento, na concepção de seus congêneres impera a verticalidade e a imobilidade[6].

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Se atentarmos para os documentos fotográficos da maquete para o Monumento, datados de 1920, veremos que Brecheret não realizou apenas uma maquete, mas duas: a primeira, denominada Monumento às Bandeiras, ao que se sabe, teria sido a única a ganhar um memorial descritivo, publicado na revista Papel e Tinta, em julho de 1920, assinado pelo artista[7]. Porém, em setembro do mesmo ano, na revista Ilustração Brasileira, além da maquete citada, foram publicadas duas fotos de uma segunda maquete, esta referente ao monumento A Volta. As fotos ilustravam um breve artigo intitulado “Victor Brecheret”, assinado com as iniciais D.C., contando ainda com uma foto do então jovem escultor.

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“Maquete para o Monumento A Volta”, Victor Brecheret. Ilustração Brasileira, RJ, set. 1920. Col. IEB USP. Foto: Reprodução

Embora com outro título, A Volta era também um projeto para um monumento dedicado às bandeiras e aos bandeirantes, como percebemos pelas palavras do articulista:

São reproduções de seus últimos trabalhos: A Volta, grupo monumental inspirado na epopeia magnífica dos bandeirantes. A marcha funeral que movimenta o grupo, cheia de elasticidade e ritmo, não poderia estar melhor representada pelo escultor. As figuras que acompanham, sob a proteção de uma figura de Madona, o corpo do conquistador morto, são bem as figuras de Brecheret, como são dele os cavalos dos guiadores – magníficos de concentração nervosa e de força. Há originalidade, há criação, não é nada copiado com servilismo. Participando de uma alma, resultando de um esforço cerebral, têm vida…[8]

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A maquete que recebeu o “Memorial descritivo”, destaca-se das outras versões que, no futuro, o escultor faria do seu projeto do Monumento às Bandeiras, justamente pelo protagonismo que concedeu ao pedestal escalonado criado para depositar o grupo principal. Esse elemento replica a tradição dos monumentos do final do 19 e início do 20, em certa medida diluindo a ênfase à horizontalidade concedida ao grupo principal, assim como seu caráter levemente ascensional. Por outro lado, o pedestal alocava as figuras alegóricas da Terra Brasileira, da “Guarda Ânfora” (que deveria segurar um recipiente com água do rio Tietê) e das insídias que assombravam os bandeirantes durante suas viagens pelo interior. Como também é possível perceber, sobre os bandeirantes foi esboçada a figura de uma Vitória (que o articulista chama de Madona) – outro dispositivo da estatuária mais convencional.

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“Maquete para o Monumento aos Andrada”, Victor Brecheret. Revista do Brasil, SP, out. 1920. Col. IEB-USP. Foto: Reprodução

Raul Polillo, o crítico do Jornal do Comércio durante os anos 1920, atenta para alguns fatos relativos à maquete do Monumento às Bandeiras, e aquela outra, produzida pelo artista para o concurso ao Monumento aos Andrada, que ocorreria em Santos, SP também em 1920. Escrevendo sobre a maquete que o escultor concebeu para esse concurso, Polillo atentará para a repetição que Brecheret fará de determinados elementos que apareciam tanto nessa maquete, quanto naquela dedicada às Bandeiras:

Nesta “maquete” é fácil de se notar uma perfeita analogia de concepção e de construção com a “maquete” já exposta nesta Capital e destinada à comemoração dos “Bandeirantes”.

Há ali os mesmos cavalos, aumentado, porém, em número a mesma figura da vitória, um jogo bastante análogo de figuras e uma adaptação idêntica de símbolos.[9]

Após tecer considerações negativas a essa atitude do artista em transferir soluções de uma maquete para a outra, Polillo fornece uma importante informação: “Sabemos de fonte segura que a ‘maquete’ de Santos foi executada antes do projeto para os Bandeirantes”[10].

Este dado é significativo porque corrobora a hipótese levantada em outro texto, em que afirmei que Brecheret, entre 1920 e 1936, não parou de discutir plasticamente determinados elementos formais, percebidas em suas primeiras maquetes para o Monumento às Bandeiras, transformando-os ou fundindo-os a cada novo projeto, burilando sua concepção a partir de um fazer e refazer contínuo de maquetes e desenhos, tornando sua concepção formal cada vez mais precisa.[11] Polillo, com sua crítica ao uso concomitante que Brecheret faz de formas idênticas, tanto numa maquete quanto em outra, apenas enfatiza o quanto o escultor, ao eleger certos problemas plásticos, os desenvolvia de uma maquete para outra[12].

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“Templo de minha raça”, Victor Brecheret, 1921, bronze, 181 x 45 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo (data de aquisição 1998). Foto: Reprodução

No projeto do monumento A volta, nota-se o desenvolvimento de algumas ideias que apareceram na maquete do Monumento aos Andrada e do Monumento às Bandeiras, e introduz outros que, mais tarde, serão desenvolvidas até o projeto definitivo, de 1936. A horizontalidade e o movimento ascensional do conjunto são radicalizados, se comparados com o Monumento às Bandeiras. A estilização das figuras caminha também para uma síntese mais pronunciada e, ao que tudo indica, é quando o artista acrescenta ao todo do projeto os elementos que transformarão o Monumento às Bandeiras em um cortejo fúnebre.

Em 1921, já em Paris, Brecheret conceberá uma outra maquete – Fragmento do Templo da minha raça[13]. Apesar de trazer algumas singularidades que não serão desenvolvidas posteriormente pelo artista, chama a atenção a permanência da barca e da Vitória alada – além da profunda estilização formal.

No estudo para a implantação do Monumento no Parque Ibirapuera, datado de 1936, nota-se que ele foi colocado sobre um pedestal escalonado, no meio de uma praça retangular, cujas entradas monumentais eram guardadas por quatro esculturas colossais representando indígenas. A alegoria da Terra Brasileira, colocada à frente do conjunto, ainda se encontrava presente nessa versão.

Existe ainda um registro fotográfico de uma última maquete para o Monumento em que persiste a escadaria, mas a figura alegórica da Terra Brasileira desaparece. Na sequência, o artista toma uma decisão fundamental para a configuração final do Monumento: retira-lhe o pedestal escalonado, fazendo com que o conjunto pareça brotar diretamente do solo, o que enfatiza qualidades paradoxais da obra: ela se impõe como um monumento moderno, na medida em que se apresenta despido de pedestal, fundindo horizontalidade (outro dado típico da escultura moderna) e movimento ascensional; ao mesmo tempo, porém, ele guarda um aspecto de arcaísmo ahistórico, numa interpretação do fazer escultórico, típico daquele período.

“Maquete do Monumento às Bandeiras”, Victor Brecheret, 1937. Fonte: Arquivo IEB- USP. Acervo: Mário de Andrade, código do documento: MA-F-1831. Apud: LIMA, Verônica Ribeiro. Monumento às Bandeiras – Uma obra testamento? Dissertação. Campinas, SP : Unicamp, 2021. Foto: Reprodução

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Como espero ter deixado claro, o projeto do Monumento às Bandeiras não deve ser visto a partir de uma ótica romântica, que entende o artista quase como um ser divino, capaz de, do nada, ou de muito pouco, conceber uma obra do porte desse conjunto; pelo contrário, o Monumento às Bandeiras é o resultado de um processo em que Brecheret, com todo o seu talento e perseverança, avançou em suas ideias, retrocedeu, seguiu em frente de novo, até atingir o resultado formal que hoje podemos apreciar no Parque Ibirapuera.

Espero de alguma forma, também ter contribuído para que possamos entender melhor as razões que levaram o Monumento a ganhar tantos significados, desde sua primeira maquete: homenagem aos velhos bandeirantes e aos “novos”; símbolo de uma cidade e de um país que se acreditava fadado ao futuro; depois, símbolo de um país militarizado; símbolo do genocídio étnico brasileiro. Enfim, gostemos ou não do Monumento às Bandeiras, o fato é que ele encarna todas essas possibilidades de interpretação, justamente porque Brecheret, com muito trabalho, conseguiu transformar aquele conjunto de blocos de granito num imenso significante à mercê dos significados que cada geração e grupos sociais a ele agregam.

Para finalizar este panorama, gostaria de aludir ao papel que o Monumento desempenhou como matriz de outras obras de arte, mesmo antes de sua finalização, na primeira metade dos anos 1950 – o que muito informa sobre sua potência.

Embora este seja um tópico a ser devidamente aprofundado, estou certo de que caberia aqui pelo menos aludir aos trabalhos de dois artistas que podem ser índices de outro tipo de impacto causado pelo Monumento no imaginário local.

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Sem título, Antelo del Debbio, década 1930, gesso. MAC-USP. Foto: Reprodução

A primeira obra que demonstra o impacto que a proposta de Brecheret causou em alguns artistas, antes mesmo de estar finalizado[14], é o relevo sem título de Antelo Del Debbio, produzido nos anos 1930 e hoje pertencente ao acervo do MAC USP. Como já salientou o estudioso Luciano Migliaccio[15], é visível como o relevo se comporta como uma adaptação livre do projeto original de Brecheret, característica evidenciada pela ênfase na horizontalidade e no movimento ascensional da proa também representada (onde está situado a figura de um bandeirante).

Além dessas características, atento para o fato de que ali, todas as “raças” que formaram o Brasil estão representadas “atrás” da figura do bandeirante (como no Monumento). Por outro lado, evidencia-se, igualmente, a figura da Mãe Terra ou da Terra Brasileira. Se na resolução final do Monumento às Bandeiras, Brecheret resolveu expelir a figura do conjunto, é interessante como Del Debbio a manteve candidamente deitada, alocando-a na outra extremidade do relevo, em frente à popa da embarcação, candidamente deitada.

O segundo artista a ser lembrado aqui é Livio Abramo que, em 1940, realizou uma série de ilustrações para o livro de Cassiano Ricardo, Marcha para o Oeste[16].

Abramo não tomou apenas a proposta de Brecheret para o desenvolvimento de suas imagens; produções de Debret, Portinari, Segall e Tarsila também serviram de base para suas produções que recontextualizavam imagens produzidas por aqueles artistas.

monumento
Ilustração de Lívio Abramo para a primeira edição de “Marcha para o Oeste” (1940), pp. 344-345.

Em três ilustrações para o livro, Abramo “naturaliza” de vez a alusão ao movimento do conjunto do Monumento às Bandeiras, fazendo uso da mesma estratégia para, no plano bidimensional, situar a ação dos bandeirantes, entendida um conjunto de investidas contra os limites impostos à então colônia portuguesa pelo Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, pelos governos espanhol e português naquela cidade da Espanha.

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Todas as questões aqui levantadas apenas atestam o que já foi explicitado: apesar de sua maquete original ser já centenária, o Monumento às Bandeiras ainda suporta uma série de estudos que desenvolvam não apenas o processo de sua produção, mas, igualmente, as várias nuances da recepção que ele foi (e vem) recebendo através do tempo.

Este é um dos grandes trunfos da história da arte: ser sempre contemporânea, e isto porque seu objeto de estudos está preso ao presente, mesmo quando produzido há décadas ou séculos, e mesmo quando o historiador finge não perceber tal fato, acreditando, falsamente, que apenas estuda obras do passado.

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[1] – Final da Segunda Grande Guerra; processo de redemocratização do país e, entre outros fatos, a aproximação das comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954).
[2]– Essa projeção de um estado de São Paulo grande e poderoso, inscrito nas pedras do Monumento, transbordaria, aos poucos, para a projeção de um Brasil grande que apontava para o futuro. Não podemos esquecer, que, nesse processo, Juscelino Kubitschek e a construção de Brasília, foram interpretados como um resgate da ideia do bandeirante, o que levava o mito do pioneiro paulista a alcançar dimensão nacional.
[3] – Se, entre os anos 1950 e a década seguinte, essas lembranças tornaram-se itens de decoração em muitas casas brasileiras, hoje elas se transformaram em itens de coleção.
[4] – Publicada em Chiclete com Banana. São Paulo, n.1, 1985.
[5] – Também no âmbito da HQ, é importante lembrar da história Xondaro, de Vitor Flynn Paciornick que registra a ocupação de 2 de outubro de 2013 (São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, Elefante, 2016). Sobre os trabalhos de Flynn, Luiz Gê e outros, consultar: “O Monumento ‘as Bandeiras como processo: do presente ao passado”. Thiago Gil de Oliveira Virava e Domingos Tadeu Chiarelli. Quiroga. Revista de Patrimonio IberoAmericano. N. 16, Julio-Ddecembre, 2019. https://revistaquiroga.andaluciayamerica.com/index.php/quiroga/article/view/340
[6] – Esta situação ficará clara ao leitor, se comparar o Monumento às Bandeiras, ao Obelisco, de Galileo Emendabili (também no Ibirapuera, vizinho ao Monumento às Bandeiras), o Monumento ao Duque de Caxias (também de Brecheret, na Praça Princesa Isabel) e o próprio Monumento à Independência, ( de Ettore Ximenes, em frente ao Museu Paulista) entre outros.
[7] – O texto teria sido escrito por Menotti del Picchia.
[8] – “Victor Brecheret”, IN Ilustração brasileira. Rio de Janeiro, set. 1920. Apud BATISTA, Marta R. Bandeiras de Brecheret. História de um Monumento (1920-1953). São Paulo: Departamento do Patrimônio Histórico, 1985, pág.34.
[9] – “O Monumento aos Andrada”, Raul Polillo. Jornal do Comércio. São Paulo, Setembro de 1920.
[10] – Idem.
[11] – No texto “Andar por São Paulo faz com que São Paulo também ande em nós”, publicado no catálogo da exposição Metrópole: experiência paulistana, escrevi: “Sabe-se que Brecheret, mesmo vivendo em Paris, realizou nos anos seguintes [a 1920] uma série de outras maquetes para novos monumentos, em que não deixava de depurar sua ideia original…”. Na sequência deste texto ainda farei algumas observações sobre esse processo de Brecheret que, a cada projeto, desenvolvia elementos já tratados anteriormente. “Andar por São Paulo faz com que São Paulo também ande em nós”. CHIARELLI, Tadeu (cur.). Métropole: experiência paulistana. São Paulo. Pinacoteca de São Paulo, de 8 de abril a 18 de setembro de 2017. Pág. 21.
[12] – Embora aqui não seja o melhor local para discutir tal questão, é importante lembrar que Polillo, ao criticar também o uso que Nicola Rollo faz de soluções concebidas anteriormente (e mesmo de apropriação de outros artistas), o crítico chama a atenção para um ponto que um dia ainda deverá ser estudado com calma: os pontos de contato entre certas soluções formais do trabalho de Rollo e daqueles de Brecheret: “Notamos também que os cavalos que figuram nesta “maquete” e os da “maquete” do sr. Brecheret são perfeitamente idênticos: há também igualdade flagrante de técnica, o que surpreende, visto que se trata de dois artistas jovens, ambos de grande talento, ambos de indescritível capacidade de criação”. “O Monumento dos Andrada”. Jornal do Comércio. São Paulo: 15 de julho de 1920.
[13] – Fundida em 1998 e hoje pertencente à Pinacoteca do Estado.
[14] – Desenvolvo este raciocínio sobre essa obra de Del Debbio levando em conta sua datação – anos 1930 -, conforme consta no livro: SIMIONI, Ana Paula C./ MIGLIACCIO, Luciano. Art Déco no Brasil. Coleção Fulvia e Adolpho Leirner. São Paulo: Olhares, 2020, pág. 88/89.
[15] – “Antelo Del Debbio”, Luciano Migliaccio. IN SIMIONI, Ana Paula C./ MIGLIACCIO, Luciano. Op. Cit. Pág. 86.
[16] – RICARDO, Cassiano. Marcha para o Oeste. A influência da “Bandeira” na formação social e política do Brasil. (Ilustrações de Livio Abramo). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1940.

Arthur Piza e seu legado para uma eterna ponte com a arte

Foto horizontal, colorida. Ateliê de Arthur Piza
Ateliê de Arthur Piza no centro de Paris, França. Foto: Hélio Campos Mello

Em conversa com Betina Zalcberg, historiadora de arte e um dos membros do conselho do Fundo de dotação Arthur Luiz Piza (Fonds Arthur Luiz Piza, sediado em Paris), a arte!brasileiros teve a oportunidade de mergulhar na história de Piza e de alguns outros artistas que se estabeleceram entre os anos 1960 e 1980 na capital francesa, em uma época rica e conflitiva da história do Brasil.

Arthur Piza nasceu em São Paulo em 1928 e iniciou sua formação artística em 1943, estudando pintura e afresco com Antonio Gomide (1895-1967). Depois de participar da 1ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, viajou para a Europa e passou a residir em Paris. Faleceu naquela cidade em 2017, aos 89 anos. 

Betina Zalcberg tem passagens pela Sotheby’s, MAM – Ville de Paris e Centre National des Monuments Historiques. Hoje, navega entre São Paulo e Paris. Leia abaixo a entrevista.

ARTE! – Como você conheceu Arthur Piza?

Betina Zalcberg – Vou começar essa história puxando um fio lá longe – tanto pelo prazer de evocar uma pessoa querida quanto pelo efeito dominó de amizades que representa. Me refiro a Vera Pedrosa, que conhecera Arthur Luiz e Clelia Piza em 1953, quando acompanhou seu pai – Mário Pedrosa, então membro da Comissão artística da 2ª Bienal de São Paulo junto a Flávio de Carvalho e Tarsila do Amaral – em sua viagem preparativa daquela que seria conhecida como a “Bienal de Guernica”. Quase 30 anos depois, foi ela, então seguindo carreira no Itamaraty, quem apresentou o artista Julio Villani ao casal. Eu entrei no elo do carinho em seguida, através dele. [Julio e Betina são companheiros desde então]

Recém chegado a Paris, Julio recebera de Piza e Clelia a mesma acolhida calorosa que reservavam a tantos artistas brasileiros nos anos 1980. Para além da generosidade de ambos, essa tradição era a extensão de um engajamento que começara nos anos 1960: o casal foi uma das âncoras de uma rede de solidariedade para com os exilados brasileiros, radicados na França após o golpe de 1964.

L’ATTRAPE-REVÊ, obra de Arthur Piza
“L’attrape-revê”, objetos, arame galvanizado, zinco pintado em acrílica, 2011. Foto: Hélio Campos Mello

Quando a situação política começou a desanuviar do lado de lá do Atlântico, se dedicaram mais especificamente ao mundo das artes. Muitos são os jovens artistas que viajaram a Paris – para estudar na Escola de Belas Artes ou simplesmente a passeio – que podem testemunhar a atenção recebida por parte do casal. Foi aliás numa dessas visitas – como conta Zerbini no catálogo da exposição Leonilson por Antonio Dias, Perfil de uma coleção, realizada na Pinakotheke Cultural em 2019 – que Piza sugeriu a Leonilson, então com 24 anos, que fosse conhecer Antonio em Roma. Pressentiu que daria liga. Sabemos hoje que foi um encontro alinhavado nas estrelas!

Enquanto Piza recebia os artistas plásticos, Clelia Pisa (assim, com um S todo feminista, para traçar seu caminho independentemente do marido) se dedicava à divulgação da literatura brasileira. À ela se deve a primeira edição de Carolina Maria de Jesus fora do Brasil: Journal de Bitita (Ed. A.M. Métailié), cujo prefácio assina, e que se encontra exposto na mostra sobre a autora em cartaz no IMS Paulista. Por acaso, a outra exposição atual no IMS também remete indiretamente a ação de Clelia nos meios literários: reza a lenda que foi ela que introduziu Clarice Lispector às Editions des Femmes em Paris. Em todo caso é dela o prefácio da primeira edição francesa de A paixão segundo G.H., hoje um dos mais conhecidos romances da autora.

Piza era particularmente próximo de Sérgio Camargo, Sérvulo Esmeraldo, Samson Flexor, Lygia Clark, Rossini Perez, Flávio Shiró, dos argentinos Julio Le Parc e Antonio Seguí, do chileno Roberto Matta (estou certamente esquecendo gente…). No meio desta efervescência intelectual e certa euforia política (eleição de Mitterrand na França, abertura gradual dos regimes na América do Sul), Piza funda e anima – com Le Parc, Matta, Luis Tomasello, Garcia-Rossi, Rodolfo Krasno, Jack Vanarsky, seguidos de outros tantos – o Espaço Latino-americano, definido como “um lugar de confronto e de divulgação de diversos aspectos da criatividade latino-americana atual”, mas também um meio de “fazer conhecer a obra de jovens artistas franceses e europeus na América latina”. [L’Espace latino-américain funcionou em Paris, de 1980 a 1993].

Arthur Luiz Piza
Biblioteca do ateliê: o importante fundo de literatura brasileira de Clélia ladeia mementos de Piza. Foto: Hélio Campos Mello

ARTE! – Como surge o Fundo Arthur Piza?

Quando Piza faleceu, em 2017, o fundo de dotação toma forma, segundo as linhas diretivas traçadas pelo casal. Instalado no atelier do artista, ele tem como objetivo a preservação e a divulgação da sua obra – incluindo a elaboração de seu catálogo raisonné, ao qual os seis membros do Conselho (três pelo Brasil e três pela França: Marcelo Araújo, Maria Antonieta Dente, Catherine de Leobardy, Virginie Durval, Henri Helman e eu) se dedicam ativamente. Damos também continuação ao Prêmio Piza, instituído pelo casal em 2014.

ARTE! – Em que consiste especificamente o prêmio?

Ele se destina a perpetuar e expandir a troca entre as cenas artísticas francesa e brasileira, na qual ambos tanto acreditavam. Os laureados – um/a por ano, alternadamente franceses e brasileiros – são convidados a passar um mês no “outro” país. Não há qualquer obrigatoriedade de produção, nem tampouco linguagem plástica privilegiada. A ideia é oferecer um momento de contato, de curiosidade benfazeja, de descoberta. As pontes vão se fazendo, quase naturalmente. Em sua vinda ao Brasil, o primeiro laureado, o parisiense Jérôme Benitta, que pratica uma pintura super matérica, encontrou o segundo, o excelente gravador Fabricio Lopez. Quando este foi para Paris, a maionese pegou: fizeram uma série de obras a quatro mãos, e uma exposição que os Piza tiveram o prazer de presenciar. A ponte leva às vezes mais além do que aos artistas do prêmio: Jérôme já voltou a São Paulo para duas residências no Ateliê Fidalga, e tem exposição prevista na CasaGaleria em agosto de 2022.

Arthur-Luiz-Piza
Placa de cobre para gravura. Foto: Hélio Campos Mello

Por causa da pandemia, os prêmios de 2020 e 2021 viajarão em 2022. Trata-se de Jeremy Chabaud, cuja prática artística incluindo pintura e escultura já lhe valeu prêmio residência da Fundação Albers em Nova Iorque, mas que usa também de uma enorme dose de “fazer-junto”, desenvolvendo projetos colaborativos (não à toa, ele é o atual diretor da associação Jeune Création em Paris); e de Santídio Pereira, nascido no Piauí em 1991, que vem desenvolvendo uma maneira bem sua de fazer gravura, com um domínio cada vez maior da técnica a serviço daquelas imagens maravilhosas que carrega em si.

Não faltarão oportunidades para que eles, Sophie Lambert (artista de figuração refinada, prêmio Piza 2016), Estela Sokol (que usa luz e cor como matéria escultórica, laureada 2017) e os próximos laureados, continuem tecendo vínculos entre os dois países. É o dominó de amizades e afinidades em torno do(s) Piza que continua a avançar. ✱

“Picasso dividido”: o artista e a sua imagem nas Alemanhas comunista e capitalista

Foto horizontal, colorida. Obra MASSACRE NA COREIA de Pablo Picasso, exposta em Picasso dividido
Pablo Picasso, "Massacre na Coreia", 1951. Foto: BPK/RMN-Grand Palais/Mathieu Rabeau/Succession Picasso/VG Bild-Kunst, Bonn 2021

Por Tereza de Arruda*

Foto horizontal, colorida. Obra MASSACRE NA COREIA de Pablo Picasso, exposta em Picasso dividido
Pablo Picasso, “Massacre na Coreia”, 1951. Foto: BPK/RMN-Grand Palais/Mathieu Rabeau/Succession Picasso/VG Bild-Kunst, Bonn 2021

Picasso dividido é uma mostra concebida pelo Museu Ludwig de Colônia com o apoio especial do Museu Nacional Picasso de Paris, sob curadoria de Julia Friedrich, com o propósito de rever o papel e visibilidade exercidos por Pablo Picasso nas duas Alemanhas, ainda divididas durante o período da Guerra Fria. Mais de 30 anos após a queda do Muro de Berlim, a recente memória e legado histórico deste país são  revistos em inúmeras facetas, mas é nesta mostra que um ícone da arte contemporânea é analisado sob uma lupa, como um exemplo entre tantos outros, cujas existências fazem parte não somente do imaginário, mas de um legado político cultural.

A exposição aborda temas relevantes para o entendimento do que associamos a Picasso? E o que os alemães do pós-guerra associaram a ele quando a sua fama estava no auge? Não se trata apenas do artista, mas do seu público, que no ocidente capitalista e no oriente socialista assimilou a arte de Picasso de formas concebivelmente diferentes. O Picasso alemão era uma arte dividida e fragmentada, mas a divisão inspirou a comunicação: todos questionavam esta arte porque ela tinha algo a dizer a todos, independente de que lado do país se encontrava o apreciador de sua obra.

A recepção da obra Picasso na Alemanha do pós-guerra foi determinada por dois períodos: A era nazista e a Guerra Fria. Os nazis puseram um fim brusco a qualquer envolvimento com a arte de Picasso; após 1945, a arte modernista passou por revisão minuciosa. Mas a Guerra Fria forçou a Alemanha capitalista e a socialista a chegarem às suas próprias interpretações. No Ocidente, Picasso foi elogiado pela diversidade formal e pela produtividade. O Oriente, pelo contrário, celebrou o seu compromisso, porque a partir de 1944 Picasso foi membro do Partido Comunista Francês. Será que os nazis usurparam a arte? Isso significa que agora a arte tem de ser isenta das aspirações políticas? Essa foi a conclusão no Ocidente. Ou deveria a arte estar agora ainda mais envolvida na luta política? Esse era o pensamento no Oriente, e também o pensamento de Picasso. Também não faltam surpresas: Picasso foi banido no Ocidente. E embora o seu trabalho quase nunca tenha sido visto na RDA – República Democrática Alemã (Oriental), o debate sobre ele foi mais vivo lá do que na RFA – República Federal Alemã (Ocidental). Além disso, as fronteiras estatais eram frequentemente atravessadas – o que também faz parte da história do Museu Ludwig, pois Peter e Irene Ludwig, colecionadores, possuíam negócios promissores em ambas Alemanhas.

A exposição mostra obras políticas, tais como a pintura Massacre na Coreia, 1951, do Museu Picasso em Paris. Em 1955, pouco antes da grande retrospectiva itinerante de Picasso pela Alemanha Ocidental, em Munique, Colônia e Hamburgo, o Ministério dos Negócios Estrangeiros aconselhou a direção da exposição a abster-se de mostrar obras políticas. Isto incluiu Massacre na Coreia, que denunciou o papel que o exército americano desempenhou na Guerra da Coreia (1950-1953). O quadro foi contudo exposto, mas não suscitou qualquer grande discussão. Ao mesmo tempo, houve uma luta em torno de Picasso na República Democrática Alemã. A revista especializada de arte da RFA Bildende Kunst nivelou a acusação de que obras como Massacre na Coreia eram como caricaturas e insultou as vítimas. O artista, segundo a revista, tendeu para o “formalismo”. Os defensores de Picasso salientaram que, entre outras coisas, as mudanças nas percepções das pessoas na era moderna também exigiam uma mudança na forma.

Além desta obra icônica podem ser vistas na mostra atual cerca de 150 trabalhos que refletem a produção de Picasso e seu efeito, como fotos de exposições, cartazes e catálogos, textos jornalísticos, cartas, filmes e reportagens televisivas, bem como uma cortina de teatro do Berlin Ensemble na qual Bertolt Brecht pintou “a pomba beligerante da paz do meu irmão Picasso”. O artista era adequado como figura de proa e de projeção em ambos os sistemas, atendendo às perspectivas distintas de leitura. Foi membro do Partido Comunista Francês, apoiou lutas de libertação e congressos de paz. No entanto, viveu no Ocidente e permitiu que a crítica burguesa o estilizasse como um gênio apolítico, um “mistério Picasso”. Que obras foram mostradas sob o socialismo e quais sob o capitalismo? Como é que Picasso foi comunicado? Será que o Ocidente viu a arte, a política oriental? O que é que o próprio artista vivenciou? Picasso Dividido examina a imagem que poderia ser feita das imagens de Picasso de ambos os lados. Um dos focos é a coleção Picasso de Peter e Irene Ludwig, ainda hoje uma das mais extensas e base desta mostra concebida para o Museu Ludwig de Colônia.


*Tereza de Arruda é historiadora de arte e curadora independente. Vive desde 1989 entre São Paulo e Berlim, onde cursou história da arte na Universidade Livre de Berlim. Realizou curadorias em instituições como CCBB, Museu da República (DF), me Collectors Room Berlin e Kunsthalle Rostock, onde é curadora-adjunta desde 2015.

Paris: restauro e cultura da memória

Instalação de Urs Fischer na rotunda da Bolsa de Comércio de Paris
Instalação de Urs Fischer na rotunda da Bolsa de Comércio de Paris. Foto: Hélio Campos Mello

Estamos fartos de saber que os países desenvolvidos cultuam sua história, e que vários desses movimentos foram às custas da nossa própria existência como países subdesenvolvidos, seja porque levaram nossas obras, nosso ouro ou nossas terras. 

Não obstante, é impossível não ficar impressionado com o respeito à memória e o cuidado que exercem pelo que foi construído por seus antepassados. O Estado forte serve entre outras coisas para, em parcerias público-privadas, remodelar, reformar e manter o patrimônio arquitetônico e cultural desses países. 

É até por isso que tem sido fundamental reclamar e criar movimentos pela restituição de várias das obras africanas e latino-americanas em posse de alemães, franceses e outros europeus. Em novembro passado, por exemplo, 26 obras de arte do antigo Reino de Dahomey, que estavam expostas no Museu du Quai Branly, em Paris, foram devolvidas ao Benim. Desde 2020, por iniciativa do presidente francês Emmanuel Macron, está em vigor uma lei que facilita a devolução de obras apreendidas no período colonial.

Já a reabertura da Bourse de Commerce (Bolsa de Comércio) de Paris, na rue de Viarmes, com a exposição da coleção François Pinault, é sem dúvida um exemplo do cuidado com a memória. O edifício central foi construído como um grande celeiro a céu aberto no século 18 e, a posteriori, fechado com uma grande cúpula de ferro.

O interior da rotunda cujos afrescos representam a história do comércio entre os cinco continentes foram pintados na época por Alexis-Joseph Mazerolle, Évariste Vital Luminais, Désiré François Laugée, George Clairin e Hippolyte Lucas e restaurados em 1998. 

Agora, após três anos de reformas e restaurações feitas pelo arquiteto japonês Tadao Ando, o edifício reabre suas portas e ganha uma linguagem contemporânea sem macular um único espaço da sua estrutura original. Hoje, o átrio comporta sete galerias ao longo de três andares, um grande salão e um restaurante no último andar. 

A exposição Overture marca, além da transformação do prédio, a busca do colecionador Pinault por valorizar e defender valores sobre a liberdade, ligados à diversidade, a posições emergentes. Como em uma ópera, a exposição traz vários “momentos” e “atmosferas”, assim como diferentes práticas artísticas como esculturas, vídeos, instalações, performances, fotografias e pintura, muita pintura.  

Estão lá não só artistas europeus de renome como Maurizio Cattelan, Marlene Dumas, Pierre Huyghe, Philippe Parreno, Rudolf Stingel e Tatiana Trouvé, entre outros, mas também representantes da nova cena de artistas negros como o norte-americano Kerry James Marshall e os brasileiros Antonio Obá e Paulo Nazareth. No centro da rotunda encontra-se a instalação de Urs Fisher, Untitled (Giambologna), de 2011, que é uma réplica exata da The abduction of the Sabine Women, uma estátua maneirista de 1579-1582, produzida por Giambologna. Desta vez produzida em cera e aço, e com mechas acesas, ela se derrete em diferentes lugares e vai perdendo sua forma.

Outra experiência digna de ser acompanhada foi a abertura do segundo subsolo, no Palais de Tokyo, edifício consagrado da arte contemporânea em Paris, no 16≠ arrondissement do lado da Torre Eiffel, e que deu lugar a performance Natures Mortes (Natureza Morta), da alemã Anne Imhof. Um espaço completamente aberto sem divisórias que permitiu acolher uma obra polifônica que funde espaço, música, instalações e a participação dos corpos dos cerca de trinta artistas convidados.

Fortíssima, com movimentos e encenações que relembraram o tempo todo o momento que vivemos: de solidão, pavor, sofrimento e em alguns momentos de alienação, a performance de cerca de quatro horas congregou centenas de pessoas em segurança, máscaras e certificado de vacina para entrar, mas que também se movimentavam um pouco absortos pelo espaço, como esperando ou buscando algo que faltou a todos e a cada um nesse tempo onde a incerteza foi a nota alta da nossas vidas.

Editorial: tudo em xeque

"Regras do jogo", No Martins, 2021. Foto: Patricia Rousseaux
Detalhe da capa da edição 57 de artebrasileiros: tudo em xeque
“Regras do jogo”, No Martins, 2021. Foto: Patricia Rousseaux

Como se não bastasse saber da nossa fragilidade, é fato que estão vindo à tona, como nunca, os embates que cedo ou tarde apareceriam por conta da desigualdade brutal que foi construída ao longo dos séculos 19, 20 e 21. O brutal processo colonizador segue excludente em novas roupagens e, pior, faz retroceder muitas conquistas duramente alcançadas após a Constituição de 1988.

Na arte, isso apareceu no grito dos artistas indígenas e negros que, crescendo na sua representatividade, se encontram com pressões inerentes às barreiras culturais próprias da dicotomia que existe quando se trata de fazer arte, compartilhar arte e comercializar arte. A voracidade perversa do circuito coloca tudo em questão: não basta escrever, tem que vender; não basta pintar, tem que vender; e, para vender, nem sempre a melhor obra é a que dá para pendurar na parede.

É só observar obras levadas por galerias para a Art Basel Miami, ostentando a cor para garantir uma espécie de condomínio da alienação.

Porém, como vivemos tempos agudíssimos, tudo isso está em questão e até os grandes colecionadores se rendem à ideia de que não dá para disfarçar. Com isso, crescem a presença das mulheres, indígenas e negros nas coleções. São conquistas que vieram para ficar, apesar das reclamações do patriarcado privilegiado.

No meio das tréguas que o vírus e suas variantes nos dão, junto a uma maior vacinação, houve oportunidade de sair novamente, entrar em contato com obras, visitar novas cenografias e até viajar e dar uma olhada na cena internacional.

Assim, acompanhamos artistas brasileiros que transitam na nova cena internacional, que estão experimentando novos projetos no interior do Brasil e que formam parte da razão pela qual sempre foi válido investir na cultura brasileira, singular e prolífica.

Até a coleção de François Pinault, onipresente em Veneza e uma das maiores do mundo, ganhou espaço em Paris com a exposição Overture, na reformada Bourse de Commerce (Bolsa de Comércio), incluindo obras do brasileiro Antonio Obá – nascido em Ceilândia, cidade satélite de Brasília. Julio Villani, com sua enorme trajetória, expõe em Paris e Nova York; No Martins está na maior galeria de Chicago, Mariane Ibrahim, agora com sede também em Paris; Maxwell Alexandre, no Palais de Tokyo, e o gravador Santidio Pereira expõe em Shangai.

Nesse sentido, é dramático ver a contradição que existe entre a realidade e a miséria ideológica dos políticos que hoje nos governam, que iniciaram uma cruzada de precarização das instituições e empresas dedicadas à cultura e a difusão da cultura. Ouvimos impávidos o secretário de cultura Mario Frias – vinculado atualmente ao Ministério do Turismo, que se “responsabiliza” pela cultura, suas estratégias e seu orçamento no Brasil –, dizer que lutará com todas suas forças para que não avance a recém-aprovada Lei Paulo Gustavo, que prevê uma verba de quase R$ 4 bilhões para o setor cultural em Estados e municípios.

Em longa entrevista nesta edição, Danilo Santos de Miranda, que preside o Sesc-SP desde 1984 e é responsável por inúmeras atividades permanentes de altíssima qualidade em mais de 40 unidades no Estado, comenta:

“É uma sequência de pioras progressivas, infelizmente. A lei Rouanet é uma lei invejada por outros países do mundo (…) Havia problemas sobretudo quanto à questão geográfica e quanto à uma mistura entre o publicitário e o cultural mas, ainda assim, era uma lei que tinha ampla participação de empresários, artistas, promotores culturais, criadores e gestores, com uma comissão representativa da sociedade. Quando você corta isso e torna tudo decidido unicamente por uma pessoa, seja quem for, você está andando para trás.” (leia a entrevista com Danilo Miranda)

É necessário falar, mesmo que alguns se sintam incomodados, que a arte, como parte da cultura e da educação geral de uma sociedade, precisa pular fora dos muros dos grupos ideológicos e financeiros para poder ser grande.

Ainda tateando, feiras, museus e instituições culturais internacionais voltam para o modelo presencial

Grand Palais Ephemere, onde ocorreu a Feira Internacional de Arte Contemporânea (FIAC) de Paris em 2021. Foto: Hélio Campos Mello
Grand Palais Ephemere, onde ocorreu a Feira Internacional de Arte Contemporânea (FIAC) de Paris em 2021. Foto: Hélio Campos Mello

Em inúmeros países da Europa, a volta para a montagem de mostras, feiras e eventos tem conseguido reunir visitantes cautelosos, mas radiantes por poder reencontrar seus colegas, seus clientes e um amplo público ávido por experimentar novamente o contato com a obra.

Existem ainda dificuldades de programação, já que vários países enfrentam diferentes cenários quanto à vacinação, trazendo como consequência novos picos de contaminação. Com a chegada do inverno no hemisfério norte e novas cepas do vírus, recrudesce a predisposição para a doença, o que está levando ao endurecimento de medidas por parte dos governos, inclinados a tornar obrigatória a vacinação. Já na França, mesmo usando máscaras de forma rigorosa, o visitante não pode entrar em nenhum estabelecimento, seja restaurante, drogaria ou museu sem a apresentação do Passaport Sanitaire francês ou do país de origem traduzido e reconhecido.

Especificamente, a tradicional feira francesa FIAC, que aconteceu do dia 21 a 24 de outubro, em Paris, voltou completamente repaginada no Grand Palais Éphémère, já que seu endereço original, o Grand Palais, entrou em uma reforma pesada desde 2019. Este novo espaço, construído especialmente para a feira, foi autorizado na Reunião Nacional de Museus junto ao Comitê dos Jogos Olímpicos de Paris 2024. Foi construído pelo arquiteto Jean-Michele Wilmotte no espaço ao lado da Place Joffre, no Champ de Mars, levando em consideração materiais sustentáveis (madeira, lona) passíveis de serem desmontados com facilidade e repaginados.

A feira, na abertura, se apresentou quase improvisada, com um bom sistema de segurança, mas com inúmeros problemas de atendimento ao público. Sistema precário de agenda, atendimento à imprensa e visitantes e alguns estandes pouco cuidados. Não foram pensados espaços confortáveis para se recolher, ler e se planejar no trajeto entre os estandes.

Isso, que diz mais sobre a gerência administrativa da feira, quase uma certa arrogância, no entanto não chegou a opacar o brilho dos expositores que concorreram de vários países da Europa, África e Ásia e que sempre trazem excelentes elencos.

Galerias históricas e tradicionais como Thaddaeus Ropac mostraram obras do Georg Baselitz, coincidindo com a nova retrospectiva do artista alemão que acaba de abrir no Centro Pompidou, e que permanecerá até 7 de março de 2022. A Thaddaeus Ropac  vendeu, do artista, Bad in Flur (2021), no valor de 1.2 milhões de euros.

A Galeria 1900-2000, fundada em 1972 sob os conselhos de Man Ray, focou no início no dadaísmo, nos surrealistas, no pop, e nos hiper-realistas e foi ampliando seu elenco para o Fluxus e contemporâneos como George Condo e Jean-Michel Basquiat. Ela mostra tradicionalmente tesouros de Picabia, Max Ernst e Man Ray, do Alighiero Boetti e Joseph Kosuth.

O artista brasileiro Julio Villani,  radicado em Paris desde 1982, forma parte do núcleo de artistas da galeria. Sua obra, 65 cm de pintura, acrílica sobre tela de 1992, foi vendida  no primeiro dia.

Várias obras figurativas reaparecem como estrelas. Alice Neel, Chen Ke, Jean-Michel Othoniel, Yves Laloy, que foram vendidas logo no começo. Victoria Miro apresentou uma série belíssima de 10 pastéis de Chantal Joffe, What I did not see, 2019. E artistas negros também passam a ter maior expressão no circuito. A Templon trouxe uma obra muito original de Omar Ba, senegalês nascido em 1977, Dispersion Devant l’impasse, 2021.

Na toada da inclusão de artistas representantes da art brut ou art outsider no “circuito oficial do mercado”, que vem crescendo desde a exposição Palazzo Enciclopedico, na Bienal de Veneza de 2013, e se inserindo em museus como o Met e o MoMA, a Christian Berst Art Brut, de Nova York, apresentou o artista checo Luboš Plný, cujo potente trabalho é produto da sua fascinação com a iconografia médica. Ele chega a provocar e estudar situações no próprio corpo, quase como performances, testando seus limites. Seu trabalho já foi apresentado na 17a Bienal de Veneza e no Museu National d’Art Moderne de Paris, em 2013.

No setor de arte contemporânea, a brasileira Jaqueline Martins, que abriu recentemente uma filial em Bruxelas, apresentou uma paisagem construída com esculturas em madeira, cada uma fazendo parte de uma composição ficcional. 

Como sempre a FIAC tomou a cidade em associação com o Museu do Louvre, apresentando Hors les Murs, cerca de 20 obras e instalações distribuídas ao longo do Jardin des Tuileries e no centro de Paris.

Visitar a FIAC, para quem compra ou para quem está atento aos movimentos internacionais de arte moderna e contemporânea, é um imenso prazer, ainda mais porque permite percorrer os museus e instituições francesas cujas curadorias e exposições são sempre um novo descobrimento.

Artistas, jovens e colaborativos

Jérémy Chabaud, vencedor do Prêmio Arthur Piza e atual diretor da Association Jeune Création
Jérémy Chabaud, vencedor do Prêmio Arthur Piza e atual diretor da Association Jeune Création. Foto: Hélio Campos Melo

O artista francês Jérémy Chabaud é um dos dois laureados deste ano do Prêmio Arthur Luiz Piza, iniciativa cuja proposta é manter viva a relação dos artistas jovens franceses com o Brasil e dos jovens artistas brasileiros com a França.

Jérémy, que já expôs na França e nos EUA, é o atual diretor da Association Jeune Création, entidade de artistas criada em 1949. A Association, que ele preside, acabou de ganhar um espaço na Fondation Fiminco, em Romainville, na região noroeste de Paris, e possui também um local para residência de artistas em Marselha, no sul da França. É considerada uma iniciativa fundamental para artistas que não estão inseridos no mercado. “Por 70 anos a Jeune Création está em movimento, se reinventando e sempre deixando-se envolver pelas gerações que o atravessam. Ela procura ser o reflexo cru e sólido do mundo e da sua época”, comenta Jérémy.

Anualmente é realizada uma importante exposição, agora em sua 71ª edição em 2020/21, que exibe as obras de 46 artistas escolhidos por um júri formado por jovens artistas e uma convidada, neste caso a crítica de arte e curadora Nathalie Desmet. A metodologia de trabalho, comenta Jérémy, é extremamente horizontal, já que a direção e os trabalhos são escolhidos pelo próprio grupo, que é composto em sua maior parte por artistas no começo de suas carreiras. “O reconhecimento mútuo é, portanto, muito importante. Grande parte da discussão é também baseada em assuntos éticos: visibilidade, paridade, representatividade, inclusão. O festival anual do Jeune Création não é, portanto, apenas uma exposição, mas uma espécie de convenção de múltiplas vozes; o reflexo de uma experiência que é tão humana quanto é artística, onde as escolhas coletivas acabam se tornando a seleção: um extrato do que nos seduz, o que nos marca, o que a nós nos parece promissor ou necessário trazer à luz”, diz Nathalie Desmet.

Deste lado do Atlântico, o gravurista Santídio Pereira é o escolhido pelo Prêmio Arthur Luiz Piza para viajar para França em 2022 e realizar sua pesquisa e residência. Ele nasceu em 1996, em Curral Comprido, um pequeno povoado localizado na cidade de Isaías Coelho, no interior do Piauí. Foi um dos jovens favorecidos pelo Instituto Acaia, uma ONG que atende crianças e adolescentes residentes próximas ao Ceagesp, local onde Santídio também trabalhou.

“A xilogravura atendeu aos primeiros interesses do artista, que desenvolveu procedimentos próprios de trabalho, como o que ele denomina ‘incisão, recorte e encaixe’, ou seja, a composição por meio da combinação de várias matrizes recortadas, como peças de um quebra-cabeça. Além de proporcionar um jogo de cores através do acúmulo e justaposição de tinta, essa técnica permite subverter a função de multiplicidade, tão característica da gravura. São duas as séries de xilogravuras mais representativas de Santídio: Pássaros (2018) e Bromélias (2019). A memória afetiva levou o artista a investir numa pesquisa iconográfica sobre os pássaros da caatinga do Piauí. Mais tarde, a partir da residência artística Kaaysá, realizada em Boiçucanga, surgiu a série de Bromélias. Já Morros (2021) surgiu com o sentimento de liberdade ao se deparar com a paisagem natural de Santo Antônio do Pinhal, Serra da Bocaina e da Cantareira, todas em São Paulo”, informa a biografia do autor no site da Galeria Estação – que o representa desde o começo de sua carreira. Santídio acaba de participar de importante exposição em Shangai. Ele resgata reminiscências de cores, imagens e sensações e sua obra é ao mesmo tempo quase minimalista, de alto teor sensível.

Danilo Miranda: seguindo em frente sem restrições

Danilo Miranda, diretor-geral do sesc-sp
Danilo Santos de Miranda, filósofo, sociólogo e diretor-regional do Sesc-SP Foto: Matheus José Maria
Foto colorida, vertical. Retrato de Danilo Miranda
Danilo Santos de Miranda, filósofo, sociólogo e diretor-regional do Sesc-SP Foto: Matheus José Maria

Mesmo se dizendo uma pessoa otimista, Danilo Santos de Miranda, 78, não esconde sua grande preocupação com o momento político que o Brasil atravessa: “Estamos em uma situação terrível, sob vários aspectos”, diz o sociólogo e filósofo, diretor-geral do Sesc-SP desde 1984. “Isso vem de antes da pandemia, com erros na condução da economia, com a falta de financiamento para a cultura, com esse negacionismo ao campo do conhecimento e da ciência. E a coisa ficou muito pior com os milhares de mortos, o sacrifício, a dor e o luto espalhados pelo país.”

Em entrevista à arte!brasileiros, Miranda faz um balanço da atuação do Sesc-SP durante a pandemia, com sua intensa atividade virtual, e fala da volta ao presencial: “O encontro, o convívio, as atividades presenciais, isso é essencial para o nosso dia a dia”. É por isso mesmo que a instituição planeja também a abertura de uma série de novas unidades nos próximos anos, algumas delas já em construção – como Franca, Limeira, Marília e Parque Dom Pedro (na capital).

Sobre as constantes tentativas de corte de recursos para as entidades do Sistema S – como Sesc, Senac, Sesi e Senai -, financiadas por taxas compulsórias cobradas na folha de pagamento das empresas (com orçamento anual que chega a quase R$ 20 bilhões), Miranda afirma que isso não é exclusividade do atual governo: “Isso sempre nos preocupou e exigiu de nós uma espécie de comprovação permanente da nossa importância. Como se todos os dias tivéssemos que mostrar o porquê de existirmos, qual o papel que nós fazemos e motivo pelo qual a sociedade necessita da nossa atuação”.

Por outro lado, o que é característica mais particular da atual gestão federal, segundo ele, é que “o governo não tem nem a menor ideia do que é cultura. Não são pessoas que se dedicam ou que mergulham nesse conceito. Quando colocam, por exemplo, a cultura como parte de uma ação voltada para o turismo, sem dúvida nenhuma não entenderam nada do que ela significa” – o ministério da Cultura foi extinto sob o governo Bolsonaro e a atual secretaria é vinculada à pasta do Turismo.

Miranda falou também sobre a desigualdade global e regional escancaradas pela pandemia, sobre a necessidade de aprendermos a ser mais solidários e de atentarmos “à questão ambiental, à questão da diversidade, à questão de gênero e do respeito mútuo”. Leia abaixo a íntegra da entrevista.

ARTE! As unidades do Sesc, mesmo sendo espaços privados, sempre se colocaram na cidade quase como extensões do espaço público. São abertas a todos, pensadas para uma convivência criativa e democrática, enfim, ligadas a um projeto de “bem-estar social e de bem viver”, nas suas próprias palavras. Por um ano e meio estas unidades precisaram fechar as portas, por conta da pandemia. Como foi essa experiência de tentar manter a missão do Sesc sem os espaços físicos?

Danilo Miranda – Fez muita falta, já que o espaço é vital para podermos cumprir a nossa missão plenamente. O encontro, o convívio, as atividades presenciais, isso é essencial para o nosso dia a dia. Eu costumava dizer que a nossa grande especialidade é juntar gente. Agora, diante dos fatos, da nova situação, tivemos que nos reinventar, mudar as coisas. Então as unidades foram fechadas e passamos a fazer uma infinidade de atividades através do nosso sistema à distância, com grande alcance em nossas páginas. Tivemos uma ação muito forte do ponto de vista de conteúdo, com destaque para o Sesc Digital, que é uma plataforma que já estava pronta e foi lançada logo no início da pandemia, em abril de 2020. Lá temos muito material de acervo – mais de 20 mil itens -, uma complementação muito grande do ponto de vista de prestação de serviços e muita informação. E isso foi se aperfeiçoando. Aos poucos fomos prestando alguns serviços presenciais pré-agendados, na parte de alimentação, de odontologia e, mais à frente, até cursos, exposições, shows etc. Somente agora estamos reabrindo completamente.   

SESC Pompeia
Espaço aberto do Sesc Pompeia, em São Paulo, projetado por Lina Bo Bardi Foto: Araty Perone

ARTE! A partir de agora o Sesc-SP passa a trabalhar então em um modelo híbrido entre virtual e presencial? Como são os planos neste sentido?

Sim, nós vamos misturar os dois, o que vai tornar a nossa atuação ainda mais efetiva. Eu já dizia, há algumas décadas, que tudo o que fosse possível deveria ser feito à distância. E nós não tínhamos nem dimensão ainda de quanta coisa isso representava, do lugar em que as tecnologias chegariam. Eu pensava principalmente na parte burocrática, de informações, agendamentos e inscrições, para que as pessoas já chegassem nas unidades com as coisas facilitadas. Mas isso se exacerbou, especialmente agora na pandemia, e o virtual ganhou uma força muito maior, e vamos trabalhar também com essa realidade.

ARTE! No início da pandemia muito se falou sobre a necessidade de aprender algo com o que estava acontecendo, ou seja, uma ideia de que deveríamos sair deste período sabendo lidar melhor com o mundo à nossa volta. Agora, quando vemos um avanço grande na vacinação e a retomada de grande parte das atividades, você acha que de fato aprendemos algo? Mudamos nosso modo de ser ou voltamos para o mesmo lugar?

Falando institucionalmente, no Sesc-SP nós fizemos um grande esforço nesse sentido. Muitas coisas que acumulamos neste período – de informação, modos de fazer e de encarar as coisas – vão ser incorporadas nos nossos hábitos. Agora, falando de modo amplo, eu não gosto da expressão “retorno ao normal”. Porque o normal já era problemático demais, nós já enfrentávamos uma situação de aperto econômico, de dificuldades para financiar muitas ações… Não digo no Sesc, internamente, mas do ponto da sociedade, especialmente no mundo da cultura. Já havia constrangimentos graves antes da pandemia. E então voltar ao normal significa voltar para aquilo? Não nos interessa. Então vamos retomar nossos hábitos, mas também buscar esse caminho novo, que não tem nada a ver com o período pandêmico, mas tampouco com o período anterior. Queremos mudanças mais profundas.

Porque acho que, apesar de tudo, nesse tempo nós enriquecemos o nosso entendimento das coisas, sob determinados aspectos de convivência, de solidariedade, de consideração com o outro, da dependência mútua entre nós. São coisas que foram incorporadas, mesmo que de um jeito muito forte, quase forçado, e nós precisamos ter mais consciência de que vivemos em uma sociedade onde a solidariedade deve ser incorporada – independentemente de posições de caráter político ou religioso, mas do ponto de vista puramente humano. E nesse aspecto alguns pontos ficaram muito exacerbados. A questão ambiental, a questão da diversidade, a questão de gênero, do respeito mútuo, tudo isso vem junto. Não são coisas novas, mas começaram a ser mais exigidas de nós respostas a tudo isso. Então uma grande quantidade de instituições, organizações e empresas estão mais atentos a isso, no mundo inteiro. Governos também, mas aí não é o nosso caso. Somos uma exceção, um absurdo total.        

ARTE! Em conversa que tivemos no começo da pandemia, quando o epicentro dessa crise estava na Europa, você afirmou que se lá a epidemia estava sendo grave, aqui seria ainda pior. De fato, chegamos agora a cerca de 620 mil mortos. A pandemia escancarou ainda mais as desigualdades globais?

Sem dúvida nenhuma. Há um desequilíbrio enorme, isso é notável. Se olharmos o que ocorreu aqui, mas também em países da Ásia, da África e outras partes mais pobres do mundo, sobretudo no hemisfério sul, é bem diferente do que acontece no hemisfério norte. Isso vale para economia, para política, cultura, diplomacia… e vale também para a saúde. É muito grave.

E pensando internamente, em nosso país, há também uma desigualdade muito grande. Nós temos na cidade de São Paulo 100% da população adulta vacinada, enquanto em outros lugares do Brasil há ainda situações muito inadequadas, números muito abaixo disso.

Agora, de lá para cá as coisas caminharam de uma forma um pouco imprevista. Aqui no Brasil de fato chegamos a uma situação gravíssima, inclusive um descontrole total no começo deste ano, mas de lá para cá – mais por força da sociedade, da imprensa e de políticos de outros níveis que não o federal – nós conseguimos um processo de vacinação bastante amplo. E isso hoje nos coloca numa situação até de certa vantagem sobre uma boa parte da própria Europa, onde há um negacionismo muito maior em relação à vacina. Então as coisas mudaram um pouco e é por isso que podemos ter também essa perspectiva de reabertura no Sesc. Ao mesmo tempo, temos razão de sobra para ter muita prudência ao pensar, por exemplo, nas festas de fim de ano, no carnaval e até mesmo nas propostas de liberação do uso de máscara em espaços abertos. No Sesc, por enquanto, vamos exigir as duas doses de vacina e máscara, para os funcionários e para os visitantes.

Obra de Carlito Carvalhosa no Sesc Guarulhos (Sesc-SP)
Obra de Carlito Carvalhosa em área interna do Sesc Guarulhos, inaugurado em 2019. Foto: Divulgação

ARTE! Lembrei de uma entrevista sua em que você fala que nós vivemos uma realidade muito materialista, onde as coisas são colocadas apenas do ponto de vista do desenvolvimento econômico, mas que, cada vez mais, se percebe que a busca pela qualidade de vida depende de muito mais coisas. E aí você fala de educação e cultura em um sentido amplo, sendo elas as bases do trabalho do Sesc-SP. Poderia falar um pouco sobre isso?

Para nós, o conceito de cultura sempre foi muito amplo e muito vinculado à questão educacional. Nesse sentido, os conceitos de cultura e educação até se confundem, porque significam a preparação para uma vida melhor, a busca de um bem-estar maior para todos, em todos os aspectos. Aí entra a questão do conhecimento, da visão de mundo, da percepção das coisas, de senso estético, do senso de comunidade e de pertencimento. Mas entram também as questões de caráter pessoal, questões físicas, de saúde, de alimentação, do modo de vida, e também questões ambientais. Inclusive, os nossos povos indígenas colocam isso de maneira muito integrada, tudo é parte de tudo: nós somos parte desse todo, e o que este todo também é parte de nós. E então, voltando ao Sesc, nós temos essa visão bastante holística, bastante ampla, bastante abrangente, atuamos com essa perspectiva.

ARTE! Essa visão ampla de cultura é, entre outras coisas, o que falta ao atual governo federal do país? 

Não tenha dúvidas. O governo atual não tem nem a menor ideia do que é cultura, nem mesmo a tradicional, clássica. Não tem ideia nem do que é o conceito mais restrito de cultura, esse voltado para as artes e para o simbólico, nem do conceito mais amplo, de caráter antropológico, que diz respeito a tudo que é criação humana. Não são pessoas que se dedicam ou que mergulham nesse conceito. Quando colocam, por exemplo, a cultura como parte de uma ação voltada para o turismo, sem dúvida nenhuma não entenderam nada do que significa a própria cultura.

ARTE! Pensando nesse sentido, passaram pelo governo até agora cinco secretários de cultura, todos com atuações bastante polêmicas. Chegamos então ao atual secretário, Mário Frias, que parece estar cerceando cada vez mais a atuação na área, paralisando a Lei de Incentivo, entre outras coisas…

É uma sequência de pioras progressivas, infelizmente. A Lei Rouanet é uma lei invejada por outros países do mundo, uma vez que trata da questão do incentivo fiscal a partir das empresas, com os projetos empresariais vinculados à questão da cultura pública. É uma coisa que deve ser mais aprofundada, melhorada, avançada, sem dúvida nenhuma, e não digo que a lei é perfeita. Havia problemas sobretudo quanto à questão geográfica e quanto à uma mistura entre o publicitário e o cultural mas, ainda assim, era uma lei que tinha ampla participação de empresários, artistas, promotores culturais, criadores e gestores, com uma comissão representativa da sociedade. Quando você corta isso e torna tudo decidido unicamente por uma pessoa, seja quem for, você está andando para trás, prejudicando todo o entendimento da lei e impedindo efetivamente que ela seja aplicada devidamente. É um recuo gravíssimo, que diz respeito não apenas ao financiamento, mas ao caráter que eu chamaria de didático, educativo, no sentido de envolver as empresas em um compromisso de caráter cultural, social, comunitário e participativo.  

ARTE! Aliás, é este mesmo secretário que foi à Bienal de Veneza e disse não saber quem é Lina Bo Bardi, arquiteta que projetou uma das mais emblemáticas unidades do Sesc-SP, o Pompeia…

Arquiteta que estava sendo premiada no evento. E o Sesc Pompeia é uma unidade exemplar, de fato, ícone da cultura no Brasil e no mundo. É um orgulho do Sesc e acho que de todo o país. Das obras de Lina é, para mim, a mais significativa e importante. Claro que o Masp tem papel central, o Solar do Unhão, a Casa de Vidro, todos são muito importantes, mas o projeto que tem maior vinculação com um vasto programa cultural e educativo, com a convivência, é o Sesc Pompeia.

ARTE! Migrando da Secretaria de Cultura para o Ministério da Economia, desde o início do governo há uma ameaça de cortes nos recursos do Sistema S. Recentemente isso se deu mais uma vez, com Paulo Guedes dizendo que queria usar parte da arrecadação para um programa de estímulo ao emprego. Em que ponto está esse imbróglio?

Olha, eu estou no Sesc há mais de 50 anos e desde lá eu ouço, por parte de praticamente todos os governos, sobre essas tentativas de tirar recursos ou até mesmo de impedir a continuação do funcionamento dessas entidades do Sistema S – como se elas tivessem um caráter supérfluo, desnecessário, desimportante. Bom, isso sempre nos preocupou e exigiu de nós uma espécie de comprovação permanente da nossa importância. Como se todos os dias tivéssemos que mostrar o porquê de existirmos, o porquê de devermos existir, qual o papel que fazemos e o motivo pelo qual a sociedade necessita da nossa atuação. E isso tem sido o grande elemento que impede que essas ideias de cortes prosperem, porque quando eles vão verificar sabem que essas instituições têm um caráter fundamental para a sociedade brasileira, em todos os sentidos – especialmente as quatro originais: Sesc, Senac, Sesi e Senai. Nós temos uma enorme quantidade de pedidos de prefeituras que desejam ter um Sesc, porque consideram essencial ter essa presença em suas cidades. Isso significa um valor importante, somos desejados e é sinal de que há uma aprovação da seriedade e qualidade do nosso trabalho. E, além disso, a nossa importância não é dada necessariamente pelos dirigentes públicos, pelos governos; nossa importância, nosso valor, é dado pelas milhares de pessoas que usam, que frequentam nossas unidades. Pessoas pelo país afora que usufruem seja da formação profissional especializada que o Senac e Senai oferecem, seja de um programa de cidadania, de bem-estar social e valorização do ser humano que o Sesc, o Sesi e outras instituições do Sistema S oferecem. Ou seja, nós prestamos conta do que fazemos permanentemente. 

Mas, enfim, quanto à nossa relação institucional com o governo, nós temos também uma dependência efetiva de ações públicas e governamentais em nossa programação, em nossa maneira de agir. Temos relações com o governo e gostaríamos que elas fossem muito saudáveis, temos todo o interesse em manter boas relações com os três níveis de poder.

Sesc Franca, unidade do Sesc-SP
Imagem do futuro Sesc Franca, já em construção, uma parceria dos escritórios SIAA e Apiacás Arquitetos. Foto: Divulgação

ARTE! Aproveitando que você comentou de cidades que desejam ter a presença do Sesc, poderia falar das unidades que estão em construção neste momento?

Nós temos todo um planejamento para os próximos dez anos, aproximadamente, que prevê a criação de várias unidades em cidades do interior, na capital e no litoral de São Paulo. Atualmente estamos construindo uma unidade importante em Franca, que é a obra mais adiantada, além de outras em Limeira, Marília e no Parque Dom Pedro (capital). Recentemente inauguramos uma unidade em Mogi das Cruzes, teremos outra em Osasco e em breve a recuperação de uma área que nos foi entregue em São Bernardo do Campo. Há ainda ampliações em Registro e Ribeirão Preto – que é uma unidade muito antiga e precisa ser atualizada, e temos previsões também para construir em Pirituba, São Miguel Paulista e Campo Limpo. É muita coisa.

ARTE! De algum modo, portanto, apesar de toda a situação ruim no país, há sempre motivos para otimismo, para tocar em frente os projetos e imaginar transformações na sociedade?

Eu acho que sim, eu sou uma pessoa otimista. Olha, estamos em uma situação terrível no país, sob vários aspectos. Isso vem de antes da pandemia, com erros na condução da economia, com a falta de financiamento para a cultura, com esse negacionismo ao campo do conhecimento e da ciência. E a coisa ficou muito pior com os milhares de mortos, o sacrifício, a dor e o luto espalhados pelo país todo com o coronavírus. Agora, temos que ter uma perspectiva de mudança pela frente, temos que acreditar nisso, uma visão otimista, porque isso tudo tem que ser superado, não pode continuar. E depende muito de nós, de deixarmos evidente tudo o que está acontecendo.

Posso dizer que no Sesc-SP nossa programação segue muito positiva, otimista, com muitas coisas pela frente em todos os campos. No campo das artes visuais, por exemplo, já temos uma série de exposições importantes em cartaz – Alfredo Jaar no Sesc Pompeia, a Trienal Frestas em Sorocaba, entre outras  – e em 2022 devemos trabalhar muito também com o centenário da Semana de Arte Moderna de 22, com os 200 anos da independência e com uma série de assuntos atuais que são fundamentais. Nós vamos continuar tocando o barco sem restrições. ✱