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“Outros Navios” traz panorama da obra do fotógrafo Eustáquio Neves

Obra da série "Outros Navios", de Eustáquio Neves. Crédito: Divulgação
Obra da série "Outros Navios", de Eustáquio Neves. Crédito: Divulgação

No dia 7 de setembro de 1822, o grito do Ipiranga marcava a Independência do Brasil. Porém, apenas 66 anos depois, em 1888, passaram a ser ouvidos os “gritos de liberdade das mais de 4,86 milhões de pessoas que foram escravizadas no País”. Em 2022, um racismo estrutural ainda permeia as relações. É isso que nos explica o texto que abre Outros Navios, exposição individual do fotógrafo Eustáquio Neves no Sesc Ipiranga, em São Paulo. Atravessando quase 40 anos de produção do artista mineiro, descendente de pessoas negras escravizadas, a mostra traz uma história de diásporas e resistências.

“É um trabalho que capta e manipula imagens ligadas às relações étnico-raciais promovidas no passado e no presente, como a violência contra os corpos, a intolerância contra os ritos e a privação de direitos da população negra”, destaca o curador da mostra, Eder Chiodetto.

Fotógrafo e videoartista autodidata, Eustáquio Neves desenvolve seus trabalhos por meio de experimentações na fotografia analógica, utilizando conhecimentos adquiridos na sua formação como técnico em Química Industrial. “A gente pode perceber muito claramente que ele foi construíndo a imagem em camadas, nas quais se interpõem, além da fotografia,  pintura, abrasões, documentos, cartas de alforria [etc.]. Eu costumo ver o trabalho do Eustáquio como uma construção dessas camadas, como se fosse uma forma de desvelar as verdades históricas que foram construídas. Como se ela pudesse revelar os labirintos da história, onde a gente pudesse ouvir também os discursos dissidentes”, diz o curador.

Assim, caminhando pela exposição, nos deparamos com séries como Máscara de Punição – que traz combinados o rosto da mãe do artista e a imagem de uma máscara de tortura que era comumente usada em pessoas escravizadas – e Arturos – que retrata a comemoração da Festa de Nossa Senhora do Rosário, santa protetora de irmandades negras no Brasil colonial.

“As minhas histórias são muito autobiográficas, falo muito de mim, falo muito das minhas origens como uma pessoa negra. Eu basicamente conto uma história através de imagens”, conta Eustáquio Neves a Artérias, série documental do Sesc TV, dirigida por Helena Bagnoli. No episódio sobre o fotógrafo, ele compartilha sua história, a trajetória de seus trabalhos e as motivações que os criam (clique aqui para assistir). “Quem me despertou para o que eu faço foi Arthur Bispo do Rosário. Quando vi uma exposição dele [Registros da Minha Passagem Sobre a Terra, no Museu de Arte da Pampulha em 1989], senti que eu podia fazer o que eu quisesse com a fotografia. Aí que eu entro nessa coisa da fotografia, falei: ‘olha, a fotografia não precisa ser só isso que eu aprendi até hoje, a fotografia pode ser outras coisas'”, completa.

A arte!brasileiros visitou a exposição e conversou com o curador. Confira:

Outros Navios: Fotografias de Eustáquio Neves permeia diversos espaços do Sesc Ipiranga. Com obras na entrada e num painel da área externa, concentra-se principalmente em três salas, que formam núcleos da exposição. A sala 1 reúne um conjunto de trabalhos  que alude às violências e silenciamentos perpetrados contra pessoas escravizadas. A segunda, como nos explica o curador, talvez se proponha como espaço de cura. Nela localizam-se séries que tematizam a resistência por meio de saberes ancestrais e rituais afro-brasileiros, imagens da família de Eustáquio e, ao centro, uma exibição dos processos utilizados pelo fotógrafo em suas criações. Por fim, a sala 3 exibe uma videoinstalação, criada a partir do material bruto de três vídeos do artista: Post No Bill (Nigéria, 2009 – 2022), Bariga (Nigéria, 2009 – 2022) e Crispim: Encomendador de Almas, (Brasil, 2006 – 2022). “É uma sala mais enérgica”, explica Chiodetto, propondo que a visita seja encerrada nesse ambiente que propulsiona a reflexão e move o espectador.

SERVIÇO

Outros navios: fotografias de Eustáquio Neves
6 de setembro até 26 de fevereiro de 2023
Sesc Ipiranga: Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga, São Paulo
Visitação de terça a sexta, das 9h às 21h30; sábado, das 10h às 21h30; domingo e feriado, das 10h às 18h
Entrada gratuita

ASSISTA TAMBÉM à série documental Artérias, que capta a essência de artistas visuais de diversas gerações e regiões do Brasil

Com registros de 1890 a 1930, exposição no IMS Paulista revela contradições de reformas urbanas

Restos de observatório e de igreja, fruto da demolição da demolição do Morro do Castelo, Rio de Janeiro, RJ (1922), em "Moderna pelo avesso". Foto: Augusto Malta/Acervo Instituto Moreira Salles/Coleção Gilberto Ferrez
Restos de observatório e de igreja, fruto da demolição da demolição do Morro do Castelo, Rio de Janeiro, RJ (1922), mostra "Moderna pelo avesso". Foto: Augusto Malta/Acervo Instituto Moreira Salles/Coleção Gilberto Ferrez

As fotografias do surgimento das cidades, no final do século 19 e início do século 20, foram associadas a uma ideia de progresso e de modernidade. Imagens que apresentavam destruições de casebres, alargamento de ruas, a transformação de vilas em projetos urbanísticos. Essa ideia, provavelmente, surgiu porque quase todas as produções tinham um caráter patrimonialista, ou seja, fotógrafos que eram contratados por prefeituras ou empresas de engenharia para registrar a força e a pujança. Imagens ligadas à belle époque e à modernização.

Mas, as cidades são formadas por pessoas, que nem sempre foram integradas a este projeto imagético de um imaginário urbano, pelo contrário, muito pelo contrário, muitas vezes imagens do cotidiano foram esquecidas.

No ano em que comemoramos o centenário da Semana de Arte Moderna, o Instituto Moreira Salles (IMS Paulista) investiga a relação entre fotografia, cinema silencioso e cultura urbana, por meio da exposição Moderna pelo avesso: fotografia e cidade, Brasil, 1890-1930, com curadoria de Heloisa Espada e assistência de Beatriz Matuck.

“Queria apresentar as contradições que afloram quando pensamos em projetos de urbanização, trazer imagens pouco conhecidas, e fazer a ligação também com o cinema não sonoro”, explica Heloisa.

A pesquisa de Moderna pelo avesso levou dois anos para ser concluída, as cidades apresentadas são o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Recife, Belém e Belo Horizonte. Ao invés das imagens muitas vezes vistas de forma esparsa ou em contextos isolados, a exposição nos apresenta um ensaio visual, um conjunto crítico do que aconteceu naqueles anos, um processo político de apagamento da nossa história.

“São reformas urbanas como o ‘bota-abaixo’, que, entre 1903 e 1908, expulsou a população de baixa renda e arrasou o patrimônio colonial do centro do Rio de Janeiro, e a inauguração da Cidade de Minas [depois chamada de Belo Horizonte], planejada do zero, em 1897. Elas forjavam a roupagem moderna da jovem República. No entanto, uma Abolição mais do que tardia, proclamada apenas um ano antes do golpe que instituiu a República, fazia com que o moderno não fosse apenas sinônimo de atualidade e progresso, mas também de violência, apagamento e eugenia”, afirma Heloisa.

Para fugir do estereótipo imagético, várias revistas ilustradas – em que a imagens eram divulgadas naqueles anos – foram folheadas, arquivos de museus pesquisados e acervos pessoais encontrados. Trezentos e onze imagens apresentadas em diversos formatos, como cartões-postais, álbuns, estereoscopias e projeções em lanterna mágica e filmes. Os materiais exibidos em Moderna pelo avesso provêm do acervo do IMS e de outras 28 coleções, entre privadas e institucionais, como Fundação Joaquim Nabuco, Fundação Biblioteca Nacional, Museu Paraense Emílio Goeldi e Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo.

E assim, ao mesmo tempo em que vemos a urbanização, em Moderna pelo avesso também temos acesso a filmes que mostram o mundo do trabalho infantil no curta Cerâmica Horizontina, de 1920, filmado por Igino Bonfioli, ou ainda o espetáculo da ressaca nas praias no Rio de Janeiro, fotografada por Augusto Malta, aonde os cariocas iam para se fotografar, muito antes do modismo do Instagram. Assim como muitas fotos de álbuns de família que deveriam contar a história do cotidiano, e não as imagens oficiais.

De forma provocatória, a exposição Moderna pelo avesso termina com pedaços do filme Limite, de Mario Peixoto, rodado em 1930 e apresentado em 1931, com fotografia de Edgard Brasil, com closes e enquadramentos inovadores para época.

SERVIÇO

Moderna pelo avesso: fotografia e cidade, Brasil, 1890-1930
Instituto Moreira Salles – Paulista: Avenida Paulista, 2424, São Paulo (SP)
Até 26 de fevereiro de 2023
Visitação: terça a domingo e feriados, das 10h às 20h
Entrada gratuita

 

Artista pernambucano José Barbosa abre individual em São Paulo

José Barbosa, A PEQUENA JANGADA NO HORIZONTE, exposta na mostra LUZ PRÓPRIA na Arte 57
José Barbosa, "A pequena jangada no horizonte", 2018. Foto: Divulgação

Entre gravuras, acrílicos sobre tela e papel, esculturas e talhas em madeira, Luz própria, individual de José Barbosa na Arte 57, reúne 34 obras do artista pernambucano em São Paulo. Dentre as selecionadas, estão 28 até então desconhecidas do público. Para o galerista Renato Magalhães Gouvea, a exposição “mostra a capacidade do artista em unir diferentes referências, gêneros e temas, não se prendendo a uma única técnica em suas obras”.

José Barbosa da Silva, hoje com 74 anos, nasceu em Olinda, Pernambuco. Filho de marceneiro e restaurador, começou a entalhar arcas para antiquário na marcenaria de seu pai. Em 1963, com o incentivo do pintor Adão Pinheiro, iniciou carreira artística. Nessa mesma época, passou a integrar e organizar o Movimento de Arte Ribeira, que contou com a participação de João Câmara, Vicente do Rego Monteiro e Guita Charifker. Dois anos depois, organizou o 1º Salão de Arte Popular em Natal, junto a Janete Costa. Em 1972, partiu para a Europa, onde viveu entre Alemanha e França até 1978. “Esta exposição reafirma o fato de Barbosa, ser mais reconhecido fora do Brasil, após realizar cerca de 20 exposições internacionais, no período em que morou fora, entre 1972 e 1998”, afirma Gouvea.

 

“Vendo os trabalhos de José Barbosa, em suas variadas e múltiplas técnicas de elaboração, duas coisas logo sobressaem: quer trabalho em pintura, desenho, gravura, quer talha ou escultura, a unidade temática é flagrante, a ‘atmosfera’ magicamente carregada é quase uma constante, o que leva a observar que sua obra é de uma integridade total, ou seja, José Barbosa é sempre fiel a sua subjetividade interior, fruto também do mundo objetivo que o marcou vivencialmente – a representatividade desse mundo está ligada teluricamente à paisagem real e mitológica da sua sempre presente Olinda”.  O trecho, escrito por Montez Magno em 1981, reaparece no catálogo da mostra atual, evidenciando o eixo que conecta a multiplicidade do artista olindense.

A abertura de Luz própria acontece neste sábado (24), entre 11h e 18h. Na ocasião, a galeria participa do Arte-Circuito Jardim Europa, iniciativa que traz uma programação de visita a seis importantes galerias do bairro (Arte 57, DAN Galeria Contemporânea, Luciana Brito Galeria, Galeria Lume, Galeria Marilia Razuk e Galeria Nara Roesler), disponibilizando ao público serviço gratuito de vans por todo o circuito, ininterruptamente, além de mapas para orientar e facilitar o deslocamento.

SERVIÇO

Luz própria – Individual de José Barbosa
Arte 57: Av. 9 de Julho, 5144 – São Paulo (SP)
Em cartaz de 24 de setembro a 21 de outubro
Visitação de segunda a sexta, das 10h às 18h
Entrada gratuita

Reina Sofía abriga produção gráfica que expressa a resistência popular à opressão na América Latina

Julio Le Parc, "La tortura en Argentina" (1972) exposta no Giro Grafico do Reina Sofia
Julio Le Parc, "La tortura en Argentina" (1972). Foto: Joaquín Cortés/Román Lores. Archivo fotográfico del Museo Reina Sofia
Mapa "Aqui viven genocidas", do Grupo de Arte Callejero, presente na mostra "Giro gráfico", no Reina Sofía. Reprodução
Mapa “Aqui viven genocidas”, do Grupo de Arte Callejero, presente na mostra “Giro gráfico”, no Reina Sofía. Reprodução

Em parceria com a Red Conceptualismos del Sur (RedCSur) – grupo com integrantes vindos, em sua maioria de países latino-americanos, e dedicado à pesquisa e crítica de práticas artísticas, arquivísticas, curatoriais e de movimentos sociais –, o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, de Madri (Espanha), apresenta, até o dia 10 de outubro, a exposição Giro gráfico. Como en el muro la hiedra, que se debruça sobre a resistência popular à opressão na América Latina, da década de 60 aos dias de hoje, expressa por meio de suportes gráficos diversos. Fora do campo da arte, esta produção presente nas ruas das cidades ecoa temas urgentes, como os direitos indígenas, o resgate da memória das vítimas de ditaduras, os movimentos negros, feministas e LGBTQ+, entre outros.

Em comum, essas práticas têm a precariedade dos materiais e o grande potencial de distribuição e disseminação de ideias, seja em cartazes, faixas, bandeiras, camisetas, bordados e mapas, ou ainda nas intervenções em espaços públicos, como performances com pinturas. Em novembro, a mostra concebida pela RedCSur segue para o Museo Universitario Arte Contemporáneo (Muac), na Cidade do México, onde ficará em cartaz até julho de 2023. Em entrevista à arte!brasileiros, André Mesquita, um dos coordenadores de Giro gráfico, ressalta que o objetivo da RedCSur foi fazer do museu “uma caixa de ressonância”, a partir da qual as obras devem “reverberar para fora dele”.

“Nosso desejo é instigar as pessoas, fazer com que elas se inspirem com os trabalhos e que também produzam suas ações, seus cartazes, repensando a gráfica política”, diz Mesquita, que é curador e coordenador da equipe de mediação e programas públicos do Masp e faz parte da RedCur desde 2009. Ele também é curador, ao lado da historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, do núcleo Rebeliões e revolta, da exposição Histórias Brasileiras, em cartaz no museu paulistano. Segundo ele, há um diálogo entre a mostra em Madri e seu núcleo, seja nos cartazes apresentados, nos bordados do coletivo Linhas do Horizonte, também presente no Reina Sofía, ou na produção de serigrafistas queer, que apresentam trabalhos sobre Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em 2018.

As obras exibidas em Giro gráfico estão divididas de acordo com as respectivas pesquisas de materiais e foram agrupadas sob os seguintes conceitos criados pela RedCSur: Gráficas intempestivas, Arseñal, Cuerpos gráficos, La demora, Persistencias de la memoria, En secreto, Pasafronteras, Territorios insumisos e Contracartografías. Nesse último, Mesquita também participou do levantamento das obras, no caso, mapas produzidos por coletivos de artistas e movimentos sociais.

“São mapas de denúncia, que evidenciam a exploração de recursos naturais, por exemplo, mas que também contam uma história de potencialização de comunidades e de movimentos. Como o Grupo de Arte Callejero, criado em meados dos anos 1990 na Argentina, e ligado ao movimento de direitos humanos do país, formado por familiares de pessoas desaparecidas na ditadura militar”, conta o curador.

Esses mapas, diz Mesquita, foram produzidos no início dos anos 2000 e, neles, os manifestantes apontavam quem eram e quais os endereços de alguns dos torturadores da ditadura argentina, que haviam mudado seus nomes logo após a queda do regime. Colados nas ruas onde eles moravam, esses cartazes acabaram levando o governo do país a identificar, julgar e condenar aquelas pessoas, que foram presas.

Na exposição, Mesquita trabalhou com duas outras integrantes da RedSCur vindas do Brasil, ambas nas equipes de pesquisa, que tinham um total de 30 participantes: a também brasileira Clara Albinati, professora da PucMinas, pesquisadora e cineasta independente; e María Angélica Melendi, argentina radicada no País desde 1975, autora de Estratégias da Arte em uma Era de Catástrofes (editora Cobogó), título lançado em 2017, e professora aposentada do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, onde coordena, desde 2002, o grupo de estudos em arte contemporânea que deu nome a seu livro.

Segundo Mesquita, Clara e María Angélica levaram a Giro gráfico contribuições importantes da produção brasileira. Desde 2016 na RedCur, Clara colaborou, a partir de Minas Gerais, com, entre outros, uma seleção de bordados dos coletivos Linhas do Horizonte e Pontos de Luta, camisetas de protesto do Coletivo Alvorada e ainda a bandeira Canalha, do Coletivo Vão, usada nas manifestações de 2016 contra o impeachment da então presidenta Dilma Roussef. A obra é uma atualização do trabalho Viva Maria, exposto por Waldemar Cordeiro na Bienal de Artes da Bahia de 1966, em plena ditadura militar. Também uma bandeira, com a palavra “canalha” costurada em feltro, ela foi retirada da mostra, por ordens do então governador do estado Antônio Carlos Magalhães.

Já María Angélica levou ao Reina Sofía a serigrafia Ocupa Tudo!, de Melissa Rocha, também de Minas, e criações do grupo Cólera Alegria, de São Paulo, que em 2020, no auge da pandemia, participou de manifestações artísticas com críticas ao governo Bolsonaro, por meio de cartazes e bandeiras, entre outros, que circularam tanto nas ruas como nas redes sociais, sob a hashtag #coleraalegria.

Giro gráfico é a segunda mostra do Reina Sofía feita em colaboração com a RedCSur. A primeira, intitulada Perder la forma humana. Una imagen sísmica de los años ochenta en América Latina, foi apresentada entre outubro de 2012 e março de 2013, com desdobramentos em programas educativos e projetos editoriais, e itinerâncias em Lima e Buenos Aires. Mesquita, que está desde 2009 na RedCur, e também foi um dos coordenadores da primeira exposição, conta que há uma conexão entre ambas:

“Era um desejo nosso tentar estender a cronologia de Perder la fora humana, trabalhando com movimentos sociais e projetos no presente. E isso foi um grande desafio, porque passamos a nos organizar em 2016, chamamos pesquisadores não participantes da Red, como Josh McPhee e Jesús Barraza, dois artistas e ativistas dos EUA. O plano era inaugurar em 2019, depois passou para 2020, mas aí veio a pandemia e somente neste ano a mostra foi aberta”, explica.

Para Mesquita, um dos trabalhos exemplares dessa extensão cronológica que se deu Perder la forma humana para Giro gráfico é o projeto Zapantera Negra, do grupo de pesquisas Pasafronteras, e desenvolvido pelo coletivo EDELO (En Donde Era la ONU), formado pelos artistas Caleb Duarte e Mia Eve Rollow. Como o nome sugere, o trabalho propõe conectar o imaginário visual dos Panteras Negras – movimento que combatia a violência policial contra os negros durante a década de 1960, no contexto do movimento dos direitos civis nos EUA – com o Exército Zapatista de Libertação Nacional, criado em 1994, e sua mobilização de camponeses indígenas pela reforma agrária, em Chiapas, no México.

“O Emory Douglas, que foi ministro da cultura dos Panteras Negras, participou em 2014 de uma residência numa comunidade de Chiapas, com artistas e bordadeiras zapatistas, a convite do coletivo. Juntos a eles, Douglas produziu trabalhos, entre bordados, faixas, pôsteres etc., que mesclam imagens dos dois movimentos, além de fotografias históricas. Trazer esses artistas dos anos 1960 para o presente, criar esses vínculos inter-geracionais numa temporalidade mesclada, é algo importante para o diálogo do passado com a atualidade que propomos nesta exposição”, conclui.

SERVIÇO

Giro gráfico. Como en el muro la hiedra
Concepção: Red Conceptualismos del Sur (RedCSur)
Até 10 de outubro (a partir de novembro, no Museo Universitario Arte Contemporáneo – Muac, na Cidade do México)
Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Calle de Santa Isabel, 52, Madri (Espanha)
Visitação: segundas, das 10h às 21h; terça, fechado; quarta a sábado, das 10h às 20h; domingo, das 10h às 14h30

Com curadoria de Moacir dos Anjos, mostra “Necrobrasiliana” chega a Recife nesta quinta (15)

Gê Viana, "Levantamento do mastro. Festa do Divino Espírito Santo", da série "Atualizações Traumáticas de Debret" (2020), exposta em NECROBRASILIANA
Gê Viana, "Levantamento do mastro. Festa do Divino Espírito Santo", da série "Atualizações Traumáticas de Debret" (2020). Foto: Gê Viana

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epois de uma temporada no Museu Paranaense (MUPA), entre junho e agosto, em Curitiba, a exposição Necrobrasiliana chega nesta quinta-feira (15/9) a Recife (PE), na Galeria Vicente do Rego Monteiro, da Fundação Joaquim Nabuco. Sob a curadoria de Moacir dos Anjos, pesquisador da Funaj e curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010), a mostra apresenta 26 obras, de 12 artistas contemporâneos, que revisitam a memória colonial do Brasil.

No elenco de artistas convidados estão Ana Lira, Dalton Paula, Denilson Baniwa, Gê Viana, Jaime Lauriano, Rosana Paulino, Rosângela Rennó, Sidney Amaral, Thiago Martins de Melo, Tiago Sant’Anna, Yhuri Cruz e Zózimo Bulbul. De acordo com o Moacir dos Anjos, a exposição é um desdobramento das pesquisas que ele desenvolve desde 2008, acerca da relação entre arte e política, em particular no Brasil contemporâneo.

Também segundo o curador, essas investigações resultaram em alguns projetos de exposição, que permitiram a ele se “aproximar da produção de vários artistas que lidam com as violências que formaram e ainda constituem” o Brasil. “Comecei a perceber a recorrência de trabalhos de artistas, principalmente afrodescendentes e indígenas, mas não apenas, que estavam fazendo, em suas obras, embates críticos com essas imagens que supostamente retratavam o Brasil entre os séculos 16 e 19. A partir daí, comecei a pesquisar mais ativamente esta produção”, explica.

Moacir dos Anjos conta ainda que a mostra foi concebida já em 2019, pela Fundaj. No ano seguinte, a Fundação e o MUPA fizeram um acordo de cooperação técnica e cultural, que teve como primeiro fruto a exposição Educação pela Pedra, realizada 2021, no museu paranaense. Por causa das agendas das instituições, ambas decidiram que Necrobrasiliana seria primeiro exibida em Curitiba e, depois, no Recife. A montagem que chega agora à capital pernambucana é exatamente a mesma.

Com os anos de pandemia e o agravamento da crise política que o Brasil atravessa, a exposição se tornou ainda mais relevante, de acordo com o curador. “As questões que ela apresenta, e o racismo, em particular, tornaram-se mais urgentes. A coincidência com as comemorações dos 200 anos da Independência também deram maior pertinência, pois muitas das obras se referem, de modo crítico, a imagens feitas naquele tempo, que ainda hoje informam a memória que temos do Brasil dos tempos de colônia e império”, avalia.

O título, conta o curador, é uma alusão ao conceito de necropolítica – políticas de morte, para o controle das populações –, elaborado pelo filósofo, teórico político, historiador e professor universitário camaronês Achille Mbembe. E se refere, também, à brasiliana, nome dado à produção de viajantes europeus ao País, durante o período colonial, por artistas, escritores, cartógrafos e cientistas, como Albert Eckout, Frans Post, Jean-Baptiste Debret, Johan Moritz Rugendas e Nicolas-Antoine Taunay.

“É também o título de um trabalho de Thiago Martins de Melo, que conheci numa exposição do artista em São Paulo, no início de 2019. Duas pinturas dessa exposição estão presentes em Necrobrasiliana, mas não aquela de título idêntico”, diz.

Moacir dos Anjos argumenta que os trabalhos expostos revelam duas estratégias artísticas principais, em curso, que se debruçam sobre a reavaliação da representação colonial no Brasil. Por um lado, diz ele, há obras que focam na exposição de danos impostos às populações racializadas, ao longo da história do País, a exemplo das criações de Thiago Martins de Melo, Jaime Lauriano ou Rosana Paulino. Outros, apontam para uma “dimensão de cura e redesenho” do que poderia ser o Brasil no futuro, a saber, os trabalhos de Gê Viana, Ana Lira e Yhuri Cruz e Dalton Paula.

“Em alguns, essas duas operações se embaralham um pouco. Como está no título do ensaio publicado no catálogo, são estratégias artísticas que querem ‘defender os mortos e animar os vivos’, pondera. “Ou seja, defender os mortos de suas dores, mas, também, simultaneamente, animar os vivos a fazerem valer, no tempo de agora, os desejos frustrados ou sufocados de tantos no passado. Insistir nessa relação de ‘intimidade’ entre a experiência dos que vivem agora com as vidas dos que há muito morreram me parece, de fato, fundamental.”

SERVIÇO
Necrobrasiliana 
Até 29 de janeiro de 2023
Galeria Vicente do Rego Monteiro, Fundação Joaquim Nabuco: R. Henrique Dias, 609 – Recife (PE)
Visitação de terça a sexta, das 14h às 19h; sábado, domingo e feriados, das 13h às 17h

Com os pés no chão e os olhos na realidade

Iatã Cannabrava, Caracas (2006), na exposição "Uma outra cidade, um outro tempo", em cartaz no Museu da Cidade de São Paulo

Não é de hoje que o fotógrafo Iatã Cannabrava tem seu olhar voltado para a periferia. Um olhar de olho no olho, de vivência, de trocas. Um olhar que vai se desenvolvendo ao conversar com os moradores, ao tomar uma cerveja com eles num boteco, ao frequentar suas casas. De 1997 a 2007, o fotógrafo visitou lugares afastados do centro de São Paulo e das grandes cidades da América Latina, para o que ele chama de seu “mais longo projeto fotográfico”. O objetivo era documentar o dia a dia das comunidades a partir das pessoas, “distante da tradicional denúncia de miséria e pobreza vista pelas teleobjetivas dos fotógrafos, de cima para baixo e, invariavelmente, em preto em branco”, reflete Iatã. “Sempre me senti mais à vontade ali, nas comunidades, sentando no balcão do primeiro boteco ao entrar em cada uma delas”, afirma.

Em geral, estes ensaios são quase sempre realizados em preto e branco, mas foi na cor que Iatã Cannabrava descobriu a linguagem das periferias. “Só fotografava em preto e branco, mas quando fiz o ensaio Casas Paulistas, em 2000, eu descobri a cor.” Neste livro, um ensaio sobre as várias formas de morar em São Paulo, já encontramos o germe do ensaio das periferias.

A denominação de seu “mais longo projeto fotográfico” tem sua razão de ser: Iatã pensou em voltar para os mesmos lugares, de tempos em tempos, para fotografar o desenvolvimento – ou não – das periferias visitadas. Não deu. Em 2008, ele foi diagnosticado com o Mal de Parkinson. A doença lhe deu outra perspectiva de vida: “A doença limitou minhas atividades, mas não me impediu de realizar meus projetos”, argumenta, no entanto.

O fotógrafo então mergulhou em seus arquivos, continuou, de alguma forma, a conversar com as pessoas que havia encontrado em suas viagens, manteve viva sua memória: “Se você nunca foi a uma dessas periferias fisicamente é difícil conhecer de fato”, explica. “Adorava passear pelo escuro das ruas, ou acompanhar as festas, ver todo mundo dançando, sentia-me vivo e seguro”, conclui.

Agora, sua memória e sua vivência podem ser vistas na exposição Uma outra cidade, um outro tempo, no Museu da Cidade de São Paulo, com curadoria do crítico e pesquisador Rubens Fernandes Junior.

A mostra traz cerca de 80 fotografias, registradas em sistema analógico, usando negativos de médio formato, em diversos bairros periféricos. As imagens vão do Capão Redondo a Itaquera, na cidade de São Paulo, além de Belém, Caracas, Lima, La Paz, Buenos Aires e Montevidéu. Para o curador Rubens Fernandes, o ensaio continua atual:

“Os territórios permanecem como centros de resistência cultural e política. O tempo é perceptível nas fotografias do ensaio Uma outra cidade por meio de pequenos detalhes: mobiliário, roupas, gestos, anúncios, automóveis, entre outros índices que qualificam e especificam o passado”, argumenta. “A fotografia é uma das manifestações visuais mais contundentes, justamente porque sua origem está intimamente associada com a ideia de que ‘fotografia é o registro inequívoco do mundo visível (da realidade)’.”

Para Iatã, agora é o momento certo de apresentar estas imagens. A cidade ganhou outro tempo, uma nova dinâmica. Ele percebe o tempo de forma diferente atualmente. Um tempo mais vagaroso: “Antes da minha doença, tratava-se do eu, agora, trata-se do outro, de outro tempo, é importante falar com o outro, saber do outro. Sou muito grato a todos que abriram suas casas, comunidades, vidas, para que possamos nos ver melhor, e a todos que, depois que acabou o projeto, continuaram a meu lado”.

Muito preocupado em suas reflexões com o ato criativo, com o caos e com a ordem, Iatã Cannabrava afirma: “Para mim, a periferia é mais próxima da alma deste país do que nossas avenidas ordenadas”.

SERVIÇO

Iatã Canabrava, Uma outra cidade, um outro tempo
Casa da Imagem – Museu da Cidade de São Paulo Rua Roberto Simonsen, 136B – Sé – São Paulo (SP)
Até 23 de outubro
Terça a domingo, das 9 às 17h
Entrada gratuita

O que visitar no Rio de Janeiro na semana da ArtRio 2022?

Dora Smék. "simétricos psicofísicos: alegoria #1", 2022, exposto na ArtRio pela Central Galeria. Foto: Ana Pigosso

Entre os dias 14 e 18 de setembro, o Rio de Janeiro recebe a ArtRio. A feira chega à sua 12ª edição reunindo 60 galerias e 15 instituições ligadas a arte na Marina da Glória. Neste ano, a programação está dividida em dois espaços: o pavilhão TERRA (central), que abrigará a mostra PANORAMA, da qual participam galerias com atuação estabelecida no mercado de arte moderna e contemporânea; e o Pavilhão MAR. Este, os expositores dividem-se em quatro programas: VISTA é dedicado às galerias com até 10 anos de existência; SOLO foca em projetos expositivos originais dedicados a um único artista; EXPANSÃO reúne instituições e espaços que utilizam a arte como inclusão social e o já tradicional MIRA, com curadoria de Victor Gorgulho e Henrique Rondinelli, convida o público a explorar narrativas visuais de artistas consagrados e novos nomes que usam a videoarte como plataforma

Pensando em quem vai ao Rio de Janeiro acompanhar a feira, montamos um roteiro de visitações com as principais mostras em cartaz na capital fluminense durante a semana do evento.

UÝRA, “Espíritos de Tudo Que Vive”, 2019, exposta na mostra dos Premiados PIPA 2022. Foto: Selma Maia
Paço Imperial

A poucos minutos da ArtRio, no centro da cidade, o Paço Imperial recebe as exposições dos vencedores do Prêmio PIPA 2022 e das aquisições recentes da instituição. O Terreiro do prédio colonial carioca recebe trabalhos do Coletivo Coletores, de Josi, UÝRA e Vitória Cribb, totalizando 30 obras. “O conjunto mostra um ecossistema artístico bastante complexo, misturando poéticas que remetem a práticas mais artesanais, até o envolvimento radical com a tecnologia”, explica o curador Luiz Camillo Osório. Trabalhos de artistas contemporâneos brasileiros que fazem parte da história do Prêmio, como Eduardo Berliner, Leticia Ramos, Romy Pocztaruk, Ilê SartuziDenilson Baniwa e Isael Maxakali podem ser conferidos na mostra que reúne obras comissionadas e adquiridas pelo Instituto PIPA nos últimos anos.

Silvana Mendes, detalhe de obra da série Afetocolagens. Foto: Divulgação
Museu de Arte do Rio

Quem visita a Praça Mauá pode conferir as exposições do Museu de Arte do Rio e do Museu do Amanhã. No MAR, acaba de entrar em cartaz Um defeito de cor, exposição baseada no livro homônimo, da escritora mineira Ana Maria Gonçalves, que busca fazer uma revisão historiográfica da escravidão abordando lutas, contextos sociais e culturais do século 19. Ao todo, são 400 obras, entre desenhos, pinturas, vídeos, esculturas e instalações, de mais de 100 artistas, em sua maioria negros e negras.

Gira, individual de Jarbas Lopes, entra em seu último mês em cartaz (até 16 de outubro). Com curadoria de Amanda Bonan e Marcelo Campos, a mostra reúne cerca de 100 obras que fazem parte da produção do artista, além de trabalhos inéditos e projetos que só existiam no papel. Lopes também apresenta fotografias, desenhos, livros, maquetes e instalações. Com entrada gratuita, a exposição Ramificar, do artista plástico RAMO Negro fica no espaço ao lado da biblioteca. Em 30 obras que misturam elementos da rua, do afrofuturismo e da espiritualidade católica, aa exposição aborda temas como a masculinidade tóxica, o “vilanismo” do homem negro, o afeto e a esperança, colocando foco sobre a temática do racismo e da violência contra corpos negros e periféricos.

Museu do Amanhã

No outro lado da Praça Mauá, o Museu do Amanhã apresenta Amazônia, individual de Sebastião Salgado. Composta por quase 200 painéis fotográficos, a exposição é resultado de sete anos de experiências e expedições do fotógrafo na Amazônia brasileira e revela a floresta, rios e montanhas, assim como a vida em várias comunidades indígenas – estão retratados os povos Awá-Guajá, Zo’é, Suruwahá, Yawanawá, Marubo, Asháninka, Korubo, Yanomami e Macuxi. Leia nossa entrevista com Sebastião Salgado para saber mais.

Arjan Martins, “Só vou ao Leblon a negócios”, 2016, exposta em “Atos de revolta”. Foto: Fabio Souza / MAM Rio
MAM Rio

No dia 17 de setembro, último dia de feira, o Museu de Arte Moderna do Rio inaugura a exposição Atos de revolta: outros imaginários sobre independência, desenvolvida em colaboração com o Museu da Inconfidência. Com curadoria de Beatriz Lemos, Keyna Eleison, Pablo Lafuente e Thiago de Paula Souza, a mostra parte do bicentenário da independência do Brasil para propor uma releitura desse processo histórico desde a arte, reunindo obras e objetos do período colonial, em diálogo com a produção de artistas contemporâneos, de gerações e geografias diversas; e foca em uma série de levantes populares e motins que antecederam esse momento ou que ocorreram nas décadas subsequentes.

Quem visita a instituição também tem a oportunidade de ver Nakoada: estratégias para a arte moderna. Em cartaz até novembro, a mostra busca trabalhar perspectivas de futuro a partir de um diálogo entre o centenário da Semana de Arte Moderna — reunindo um vasto acervo de obras modernistas —, criações indígenas abrigadas pelo Museu do Índio e trabalhos de artistas contemporâneos; e o faz guiado por uma ética baniwa de permanência e retomada.

Galeria Nara Roesler

Em Ipanema, é possível visitar de Xavier Veilhan, expoente da arte francesa. Com obras em coleções prestigiosas como a do Centre Georges Pompidou, em Paris, e representante de seu país na Bienal de Veneza em 2017, o artista mostra esculturas em vários materiais e formatos – três delas interativas –, e um grande móbile, de 4,5 metros, que exploram seu interesse em criar espaços e contextos que alteram a experiência do espaço e a percepção do tempo.

Carpintaria

FALA COISA, no Jardim Botânico, estabelece um diálogo entre trabalhos inéditos de Barrão, representado pela Fortes D’Aloia & Gabriel e Josh Callaghan, representado pela Night Gallery, de Los Angeles. Com curadoria de Raul Mourão, a mostra suscita pontos de contato entre cada um dos artistas, cujas assemblages têm em comum um modo de crescimento vegetal, como se objetos banais ou de uso industrial pudessem brotar e crescer a partir da aglutinação de fragmentos heterogêneos. Nessa interação, as identidades ou usos pré-atribuídos de cada coisa dão lugar a um regime relacional de comunicação semelhante a uma dramaturgia objetual, ressaltando os componentes teatrais e cenográficos da obra dos dois artistas.

Pinakotheke apresenta exposição sobre Victor Brecheret e a Semana de Arte Moderna

Victor Brecheret, "Acalanto de Bartira" (1954), presente na exposição "Victor Brecheret e a Semana de Arte Moderna de 2022", na Pinakotheke São Paulo. Foto: multiarte_pinakotheke
Victor Brecheret, "Acalanto de Bartira" (1954), presente na exposição "Victor Brecheret e a Semana de Arte Moderna de 2022", na Pinakotheke São Paulo. Foto: multiarte_pinakotheke

No ano em que completa duas décadas da abertura de seu espaço em São Paulo, a Pinakotheke Cultural se consolida como uma das instituições de atuação mais diversificada no cenário artístico brasileiro, trabalhando em vertentes distintas, de exposições, publicações e atividades educacionais, à preservação e catalogação de acervos, atualmente um total de 25. Uma de suas mais recentes iniciativas é a mostra Victor Brecheret e a Semana de Arte Moderna de 1922, que fica em cartaz até 1º de outubro na capital paulista e segue para sua sede, no Rio de Janeiro, ainda em outubro.

Concebida em parceria com o Instituto Victor Brecheret, a exposição, uma iniciativa cultural do Orfeu Cafés Especiais, também celebra os 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Ao todo, são 50 obras, divididas em quatro módulos. Além das esculturas de Brecheret – entre elas, Vitória (1920), exposta raramente -, estão sendo exibidas criações de Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, Helios Seelinger e Di Cavalcanti. 12 desses trabalhos fizeram parte do evento histórico, apresentado há 100 anos no Theatro Municipal de São Paulo.

Em julho, também na capital paulista, a Pinakotheke realizou a exposição Rubem Valentim (1922-1991) – Sagrada Geometria, com quase 100 trabalhos do artista, sob curadoria de Max Perlingeiro, fundador da instituição, e consultoria de Bené Fonteles, amigo próximo de Valentim. No fim do ano, a sede no Rio vai receber o lançamento do livro de mesmo nome, bilíngue (português e inglês), com texto de Fonteles.

Até o dia 24 de setembro, a Pinakotheke carioca abriga a exposição Coleção Luiz Carlos Ritter, também com curadoria de Perlingeiro, um desdobramento do livro de mesmo nome e também bilíngue, com textos de Nélida Piñon e Vanda Klabin, entre outros. Em exibição, 60 trabalhos, de artistas como Tarsila do Amaral, Frans Post, Guignard, Portinari, Morandi, Renoir, Di Cavalcanti, Volpi, Pancetti, Lygia Clark e Helio Oiticica.

Em entrevista à arte!brasileiros, Perlingeiro conta que o acervo de Ritter vem sendo gestado há cerca de 30 anos, e a Pinakotheke passou administrá-lo há oito. Segundo ele, a coleção ganhou “uma consistência muito grande”, com centenas de obras, tornando-se uma das principais fontes de empréstimos para mostra individuais ou coletivas, de museus e instituições culturais, como Masp, Sesc, Museu de Arte do Rio (MAR) e a Casa Roberto Marinho, entre outras.

“Ritter teve o desejo de perenizar, ainda vivo e atuante, o que construiu ao longo de todo esse tempo. O livro contempla um recorte muito focado. São cerca de 190 reproduzidas. E eu faço uma entrevista com ele, que era a forma de o colecionador se apresentar, em vez de se ter uma biografia, uma cronologia”, diz o galerista.

A Pinakotheke Cultural foi criada em 1979, em Botafogo, bairro onde inaugurou, em 1994, uma nova sede, mantida até hoje. No começo, a instituição teve uma galeria com o nome fantasia de Acervo, mas o braço editorial – a Pinakotheke Edições – já continha o nome pelo qual ficaria conhecida ao longo de mais de quatro décadas de atividades. A primeira filial foi criada em 1987, em Fortaleza, e batizada como Multiarte, nome que se consolidou de tal forma na cidade que Perlingeiro preferiu mantê-lo.

Já a Pinakotheke São Paulo foi criada em novembro de 2002, com uma mostra comemorativa ao centenário de Portinari. Segundo Perlingeiro, até o início da década seguinte, algumas das produções emblemáticas da instituição foram montadas na sua galeria no Morumbi. Por exemplo, uma série de mostras monográficas, dedicadas a Portinari (2003), Pancetti (2004) e Di Cavalcanti (2006) e Wesley Duke Lee (2010), entre outros, e coletivas, como Abstração como linguagem (2004). Para todas, foram lançados catálogos ilustrados, vendidos a preço de custo, e hoje esgotados.

Em 2019, Perlingeiro apresentou na filial paulistana duas mostras pelas quais tem especial apreço: Estética de uma amizade, que propunha um diálogo entre os trabalhos de Alfredo Volpi e Bruno Giorgi, e, em seguida, na mesma chave, ele montou em São Paulo a exposição Leonilson por Antonio Dias – Perfil de Uma ColeçãoAs iniciativas acabaram lhe rendendo um convite, do Instituto Casa Roberto Marinho, que deu origem à montagem de Calder + Miró, com mais de 150 obras, além de um catálogo, ainda em produção. Em cartaz até 20 de novembro, no Rio, a exposição propõe uma conversa entre a obra dos dois artistas, além de investigar a influência de ambos na produção de nomes como Arthur Piza, Luiz Sacilotto, Franz Weissmann e Milton Dacosta, entre outros.

Carioca, Max Perlingeiro é formado em engenharia química e engenharia de segurança. Ao mesmo tempo em que estudava, dava aulas de física, matemática e química, para estudantes em preparação para o vestibular. Seus primeiros passos nas artes visuais foram na Petite Galerie, uma das pioneiras do mercado nacional, onde trabalhou de 1966 a 1978. “Eu precisava de um trabalho em meio período, e, vez de ir para uma loja de roupas de shopping center, tive essa oportunidade de ir para uma galeria, que foi minha grande formação”, conta o galerista.

Um ano após sair da Petite Galerie, Perlingeiro montou sua própria galeria. Mais de quatro décadas depois, tem uma equipe multidisciplinar fixa, com aproximadamente 50 pessoas, entre montadores, iluminadores, marceneiros, forjadores, museólogos, grupos de pesquisa e o setor administrativo. Além das exposições, a Pinakotheke tem um braço editorial (a Edições Pinakotheke), a Pinakotheke Tecnologia, que produz as mostras de suas três galerias e para terceiros, e a atuação educativa, consolidada em 1994, com a exposição Arte Ilustrada, na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo, e o lançamento de um dicionário de termos artísticos.

“A publicação é algo único até hoje, traz 3300 verbetes, com seus equivalentes em inglês, francês e espanhol”, conta Perlingeiro. “Fizemos contratação de mediadores, visitas guiadas, e, desde então, nunca mais largamos esse segmento. Porque dá um prazer enorme, a gente decuplica a visitação. Depois trabalhamos com uma instituição chamada Amigos da Escola, para a qual criávamos conteúdos, recebíamos as escolas do Rio e de São Paulo. É uma missão institucional.”

Ainda na área educacional, Perlingeiro lançou em 2014 os Grupos de Estudo Multiarte, em Fortaleza, um projeto com cursos pagos, concebido por sua mulher, Bia, que morreu em 2020, vítima da covid-19. Perlingeiro ressalta que não se trata de uma escola de formação. Atualmente, existem mais de dez turmas, com 80 participantes, que se reúnem semanalmente e discutem determinadas temáticas, sob a orientação de mestres e doutores. Há também cursos de curta duração, como, por exemplo, o Barroco Italiano.

A família, a propósito, é bem atuante na instituição: o filho Victor cuida da filial em Fortaleza; Max, da Pinakotheke São Paulo; já as filhas, Camila e Mariana, trabalham ao lado do pai, no Rio de Janeiro. A primeira, como publisher da editora; a segunda, é encarregada dos setores administrativo e financeiro. Por fim, Perlingeiro tem a colaboração de seu irmão, Ivan, responsável, há cerca de 40 anos, por toda a logística das produções, no Brasil e no exterior.

A propósito, as consultorias e montagens para outras instituições, no Brasil ou lá fora, tiveram início já nos anos 1980. Em 1985, a Pinakotheke realizou uma mostra da Coleção Roberto Marinho, no Paço Imperial, no Rio. Em 1987, outra no Museu Nacional de Belas Artes, em Buenos Aires, e, em 1989, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Mais recentemente, em 2018, Perlingeiro realizou em Madri, na Santander Art Gallery, uma “exposição gigante, que ocupou 4 mil metros quadrados”, com obras da Coleção Luís Paulo Montenegro e curadoria de Rodrigo Moura.

Nesses mais de 40 anos de atividade, Perlingeiro destaca algumas iniciativas que considera “trabalhos hercúleos”: em 1983, montou, em cinco espaços distintos da capital fluminense, a mostra História da Pintura Brasileira no Século 19, uma parceria com a Fundação Roberto Marinho, que compreendia a produção em solo nacional desde 1816, com a chegada da Missão Artística Francesa, até a República. Na ocasião, foi lançado um livro, de autoria do artista, crítico e professor Quirino Campofiorito, e um livro de arte vendido “ao preço de uma revista semanal”, lembra. “À época, fizemos 50 mil exemplares, e até hoje eles são adotados pelas escolas, numa parceria com o governo federal”.

Em 2007, a Pinakotheke fez uma exposição em parceria com a Reunião Nacional dos Museus da França, num shopping carioca de grande circulação na Barra da Tijuca, às vésperas do Natal, quando o fluxo de pessoas é ainda maior. Para a mostra, que reuniu reproduções de clássicos dos acervos de museus franceses, foi criada uma praça “com grande requinte e iluminação de Peter Gasper”, em que também eram vendidos produtos de R$1 a R$ 1 mil, entre pôsteres, cartões e réplicas. Segundo Perlingeiro, “dezenas de milhares de visitantes” passaram pelo lugar.

A empreitada de fôlego mais recente foi a mostra Lygia Clark (1920-1988) 100 anos, montada no ano passado, em São Paulo e no Rio. Perlingeiro considera que o livro concebido para a exposição foi talvez “um dos maiores desafios” de sua vida. Ele destaca ainda que a montagem tinha uma grande quantidade obras inéditas, nunca exibidas no Brasil, além de “textos fantásticos”, do historiador de arte argelino Yve-Alain Bois, e uma entrevista parcialmente inédita feita pelo jornalista Matinas Suzuki e o artista Luciano Figueiredo, para a Folha de S.Paulo, da qual foi possível recuperar parte dos áudios, presentes na mostra.

Do braço editorial, Perlingeiro destaca que, entre os anos 1980 e 1990, eles produziram uma revisão histórica da arte brasileira no século retrasado. E começaram a estudar o modernismo a partir dos anos 2000. Segundo ele, há quatro produções sendo sonhadas, “uma delas com dois colaboradores maravilhosos, o Pablo Diener e a Maria de Fátima Costa, para uma exposição e uma publicação chamadas A arte nas missões científicas”, conta.

Entre as iniciativas mais recentes estão duas criadas durante o auge da pandemia: o viewing room da galeria e Pinakotheke TV, no YouTube, que contém cerca de 20 lives. Inicialmente quinzenais, elas passaram a ser mensais e vêm sendo feitas com menor regularidade. A programação se divide em três: Arte comentada, Livro comentado e Legado de um artista. Por lá, já passaram herdeiros de Tunga, Rubens Gerchman, Waldemar Cordeiro, além de alguns colecionadores, entre outros convidados.

Longevo, o trabalho da Pinakotheke já recebeu prêmios do Instituto Nacional do Livro, da Câmara Brasileira do Livro (ao todo, três Jabutis), da Associação Brasileira de Críticos de Arte, da Associação Paulista de Críticos de Arte, da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil e do comitê brasileiro do Internacional Council of Museums (Icom).

“Quando se tem reconhecimento em vida, é sinal de que produz alguma coisa de boa qualidade”, afirma Perlingeiro, que já tem planos para 2023, uma exposição dedicada ao pintor e desenhista Pedro Luiz Correia de Araújo. E, para 2024, está em produção um projeto, em parceria com o Instituto Francisco Rebolo, de revisão histórica do Santa Helena, grupo de pintores criado nos anos 1930.

Incansável, Perlingeiro conta que realizou sete “produções gigantescas” nos últimos 60 dias, que incluíram ainda a exposição Frans Krajcberg (1921-2017) – Natureza em preto e branco, que já passou pela Pinakotheke no Rio e agora está em cartaz em Fortaleza. Ele afirma, no entanto, que está sempre em busca de algo que não foi feito ainda. “Todo o dia surgem novos desafios e eu estou me jogando de um abismo. As pessoas até me seguram um pouco”, conclui.

Encontros, exposições e lançamentos marcam a 11ª DW Semana de Design, em São Paulo

Cadeira do Estúdio da Casa, na exposição "Tudo que não foi dito", na Estar Móveis, durante a DW! 2022. Foto: Ari Disendruck
Cadeira do Estúdio da Casa, na exposição "Tudo que não foi dito", na Estar Móveis, durante a DW! 2022. Foto: Ari Disendruck
DW Semana de Design
Conjunto de mesas do Estúdio da Casa, na exposição “Tudo que não foi dito”, na Estar Móveis, durante a DW! 2022. Foto: Ari Disendruck

A DW Semana de Design de São Paulo chega à sua 11ª edição, reforçando sua presença também fora dos principais endereços do segmento. O evento, que acontece até o dia 11 de setembro, volta ao centro da cidade, onde não realizou atividades no auge da pandemia e das restrições sanitárias. Um dos destaques da região é a exposição Gabinete Sete, que acontece no edifício 7 de Abril, na República, uma construção de 1939 concebida pelo escritório Ramos de Azevedo, Severo & Villares, autor de projetos emblemáticos como o Theatro Municipal paulistano e a Pinacoteca do Estado, entre outros.

Promovida pela Refúgio Design e o Projeto Kuradoria 177, a mostra reúne trabalhos, instalações artísticas e soluções sustentáveis, derivadas de materiais recicláveis e/ou reaproveitados, criados por 19 artistas, designers e marcas criativas. A entrada é gratuita, mas é preciso fazer agendamento pelo WhatsApp da Refúgio Design (11 99132-8623).

Ainda na região central da cidade, o escritório Metro Associados vai apresentar, em seu ateliê na Galeria Metrópole, as novidades de sua linha Aço, com ganchos e espelhos, além de uma coleção inédita de peças de cerâmica. E, em parceria com a Constance Estúdio Galeria, o Metro fará um diálogo entre os seus projetos de design e o trabalho de Nelson Kon, fotógrafo especializado em registros de arquitetura. Serão exibidas fotos de construções icônicas, como a Oca, de Oscar Niemeyer, assim como uma seleção especial que homenageia marcos da arquitetura do centro paulistano, entre eles a própria Galeria Metrópole, de Salvador Candia e Gian Carlo Gasperini.

Outro destaque do centro paulistano é a mostra O tempo das coisas, que vai reunir 40 criativos entre designers e artistas brasileiros, com curadoria de Claudio Magalhães, idealizador da Barra Funda Autoral, em três dos quatro apartamentos no 9º andar do Edifício Virgínia, prédio que em breve passará por um retrofit. A entrada é gratuita, mas o visitante deve se inscrever pela plataforma Sympla.

No Bixiga, uma edição especial da Feira na Rosenbaum apresenta a exposição Mãos do Brasil – A força da criação, com curadoria de Cris Rosenbaum, cofundadora da Feira, e Taíssa Buescu, diretora criativa e curadora de design. O evento acontece no Smartstorage – um edifício de autoarmazenagem – e reúne 80 criadores de todo o Brasil, que apresentam produtos de decoração e moda, entre outros. A programação tem ainda bate-papos, com destaque para o artista plástico Jaime Lauriano, que fala sobre a história e o legado do bairro na quarta (7/9), às 17h. E da consultora de tendências Lili Tedde, com uma palestra sobre animismo – segundo ela, a crença de que todos os objetos, lugares e criaturas têm uma energia espiritual -, na quinta (8/9), às 11h30.

Na Bela Vista, também na quinta (8/9), das 11h às 17h, o arquiteto e designer Guto Requena abre ao público, pela primeira vez, as portas de seu estúdio, localizado num casarão de 1911. Lá, Requena vai exibir projetos e obras desenvolvidas em pesquisas do Juntxs.Lab, seu laboratório para estudos de empatia, design e tecnologia. Os visitantes poderão experimentar obras como a instalação-protótipo Banco das Emoções, um mobiliário que permite que os convidados se conectem emocionalmente por meio da pulsação conjunta de seus batimentos cardíacos, suas vozes e vibrações. As visitas guiadas devem ser agendadas, pelo e-mail media@gutorequena.com.br.

No Centro Cultural São Paulo acontece o Festival Criativos por Tradição e a exposição Conexões Amazônia, promovidos pela ONG ArteSol. Fotografias, recursos audiovisuais e objetos vão mostrar a produção artesanal de oito diferentes comunidades da região, envolvendo povos indígenas como os baniwa e krahô, as vilas de ceramistas tapajônicos e os povoados de seringueiros, entre outros núcleos.

No circuito da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, principal endereço de design da cidade, um dos destaques é a exposição Tudo que não foi dito, na Estar Móveis. Com direção de arte de Felipe Morozini, a mostra propõe enaltecer a língua portuguesa, como patrimônio intelectual e artístico, com criações em que as letras e as palavras são tratadas como objetos formais, tridimensionais, em um diálogo entre o design e a arte. Foram convidados 24 artistas e designers, entre eles Augusto de Campos, Arnaldo Antunes, Ivan Grilo, Mana Bernardes, Marcelo Stefanovicz, Fabia Escobar, Nazareno Rodrigues, Regina Parra, Regina Silveira e Rochelle Costi.

Ainda na Gabriel, a exposição DivergentZ, da By Kamy, lança uma linha de tapetes assinada por graduandos de cursos de design gráfico e de games, entre outros, de várias faculdades da cidade, e que tem como referência a arte do grafite, dos games, dos quadrinhos e da criação artística por meio de computadores. A By Kamy também vai expor, pela primeira vez, o tapete Francesca, uma criação do designer italiano Gaetano Pesce. A peça pode ser personalizada para o cliente, seguindo o desenho e a proposta de Pesce.

Logo após o feriado, a Ornare, também na Alameda, realiza bate-papos na quinta e sexta-feira. Destaque para o encontro Expansão do design brasileiro, na quinta (8/9), a partir das 15h, que vai debater as novas tendências e o futuro do design no Brasil, com Cândida Maria Cervieri (diretora executiva da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário – Abimóvel), Lauro Andrade (idealizador do festival DW), Francesca Alzati (By Kamy) e Lissa Carmona (Ethel). Participação especial de Esther e Pitter Schattan (Ornare).

Já a Galeria Idea!Zarvos recebe uma exposição de peças do acervo da marca 31 Mobiliário, que tem como curador Zanini de Zanine. Entre as peças emblemáticas em exibição, estão a poltrona Sela, desenhada na década de 70 por José Zanine Caldas, e a cadeira Hotel, criada também por Caldas, na década seguinte. Também estarão por lá a poltrona Zig Zag, a primeira desenhada por Ohtake para a marca, desde a fusão entre os escritórios de Ruy e seu filho, Rodrigo. A poltrona Espécie também faz parte da mostra e ela nasce da união entre a poltrona Espécie de 2008 (do ateliê Zanini de Zanine) e a namoradeira de balanço, projetada na década de 70, por seu pai.

Na Casa Docol, que neste ano funciona como um QG da DW, acontece a mostra Expressões em aço, com móveis e esculturas produzidas com aço inox pela Mekal e criadas por arquitetos como Ruy e Rodrigo Ohtake e designers como Carol Gay e Zanini de Zanine. Ruy é o grande homenageado e sua mesa Sinfonia, o design de destaque. O espaço também vai abrigar os DW!Talks, entre eles um bate-papo, via internet, com Alex Atala, Humberto Campana, Patrícia Pomerantzeff, Nina Talks, Vik Muniz e Gabi Matos, na quinta (8/9), a partir das 9h.

Por fim, num espaço de 250 metros quadrados na Rua da Consolação, criado especialmente para o DW! 2022, e com cenografia assinada pelo designer e arquiteto Mauricio Arruda, a Geo Luz & Cerâmica, de Campinas, tem como destaque a coleção Litoral, assinada em parceria entre o designer Maurício D’Avila e Arruda. A linha é um resgate dos abajures tradicionais, com base de cerâmica e cúpula de tecido. Os cinco modelos têm formas orgânicas, forte apelo tátil, graças à textura das peças, fabricadas em quatro cores.

SERVIÇO

11ª DW Semana de Design de São Paulo
Até 11 de setembro
Acesse a programação completa clicando aqui

Um olhar inusitado

"O maestro", da série Viagem pelo Fantástico, de Boris Kossoy.
"O maestro", da série Viagem pelo Fantástico, de Boris Kossoy.

Nos anos 1970, personagens, manequins, figuras estranhas apareceram nas fotografias de Boris Kossoy. Regendo uma sinfonia muda num cemitério, na curva de uma estrada, nos espreitando por trás de uma janela. As fotografias foram reunidas num livro “Viagem pelo fantástico”. 50 anos depois o livro é republicado, acompanhado por um novo volume, com textos críticos. Mas não só. Conhecido por seus textos críticos sobre fotografia que nos ajudaram a entender os processos, os códigos, a simbologia das imagens, mas acima de tudo a interpretar estas mensagens dentro da história, Boris Kossoy aos poucos tem mostrado seu lado fotógrafo, seu olho que busca as ruas, o cotidiano. Os manequins, a encenação tão clara nas fotos dos anos 1970 foram abrindo espaço para personagens reais com os quais ele esbarra em suas andanças, em suas viagens. 

Em Fortaleza, no Museu da Fotografia, uma exposição perpassa este caminhar fotográfico. Com curadoria de Diogenes Moura, 92 fotografias, algumas inéditas, apresentam esta trajetória. “Estranhamentos”, é com este título que as fotos se apresentam, se arrumam nas paredes de museu, criam um discurso imagético.

Para Boris, suas fotografias inseridas no que se denominou na América Latina de “realismo fantástico”, são vestígios de um inusitado que encontramos nas ruas: “São fotografias que eu defino documentais, mas com abordagens diversas”. Não são, como há 50 anos, imagens inventadas ou encenadas são imagens encontradas: “Meus personagens foram deixando o palco e eu fui para as ruas”, comenta Boris. Já Diógenes Moura escreve no texto da exposição: “O estranhamento nos fala sobre o instante seguinte, mesmo que este instante esteja no passado. Procure”.

Na exposição, sob o olhar atento do curador, fica clara a força autoral: “Penso as imagens a partir de outras imagens, da imaginação. Imagens que tem camadas de profundidade, imagens que estão ancoradas nos sentidos da cultura. Imagens que se aproximam da literatura, do teatro e do cinema”, complementa Boris.

Mas quem inspira o teórico, o historiador? “Sem dúvida tenho uma grande ligação com a literatura, como Edgar Allan Poe, Julio Cortázar, Jorge Luis Borges, Gabriel García Marquez, mas também cineastas como Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick”. Imagens e figuras de linguagem que ficaram – e ficam – guardadas em nosso imaginário, que criam nosso repertório, aliadas a sua reflexão sobre a imagem acabaram por criar esta percepção de mundo que ele persegue: “Sempre procurei nas fotografias a dicotomia entre o dado aparente e o dado oculto da imagem. O teórico e o fotógrafo se misturam. Minhas imagens me levaram ao pensar teórico que me levou a realizar minhas fotografias”. E é neste entrelaçamento que surge a produção de Boris: “Nunca é só uma imagem. Suas fotos são um reflexo do que ele é, de todo o repertório desse homem inteligente e com uma visão de mundo muito peculiar. Tudo o que Boris produz, tudo o que fala, fotografa ou escreve, são reflexões dele. O resultado de suas palavras é a imagem e a continuação dessa imagem é a palavra impressa. Então, é sempre uma coisa por dentro da outra”, enfatiza Diogenes Moura. 

Aos 81 anos Boris Kossoy continua inquieto e cheio de projetos, sobre os quais se nega a contar. Portanto, só nos resta esperar.