Em pé, ao centro, com cocar, Mapukayaka Yawalapiti. Sentados, da esquerda para a direita, Sariruá Yawalapiti e Orlando Villas-Bôas. c. 1955. Foto: Henri Ballot / Acervo Instituto Moreira Salles/Arquivo Henri Ballot
*Por Hélio Campos Mello e Simonetta Persichetti
Desde o final do século 19 os povos originários tiveram sua imagem “roubada” e divulgada por não indígenas que criaram uma visão exótica e estereotipadas apresentada ao Brasil e ao mundo por meio de documentários, fotografias e relatos. Uma história criada e que nunca foi a história deles. No século 20, revistas como O Cruzeiro e a Manchete também reforçaram esta ideia. Eles começaram realmente a se autorrepresentar no final do século 20. Apropriaram-se das ferramentas para construção imagética de seus povos, suas culturas.
O confronto destas narrativas pode ser visto na exposição Xingu: Contatos, no Instituto Moreira Salles Paulista. Focada no território do Xingu, no Mato Grosso, onde atualmente vivem 6 mil indígenas de 16 etnias, a mostra expõe lacunas e violências nas representações históricas. Criado em 1961, é a primeira demarcação de terra indígena no Brasil e, como afirma Ailton Krenak, “virou símbolo de luta indígena na região”. Para o curador da mostra, o cineasta Takumã Kuikuro, “a exposição parte do objetivo de evidenciar esse ativismo e também de destacar a importância do audiovisual no território”.
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À frente na bancada, da esquerda para a direita: Teseya Panará, Kanhõc Kayapó, Raoni Mētyktire e Tutu Pombo Kayapó, dentre outros, ocupam auditório da liderança do PMDB nas negociações do capítulo dos indígenas na Constituinte, Brasília, 31/05/1988. Foto: Beto Ricardo /
Acervo Instituto Socioambiental
Ritual do Jawari no Alto Xingu, 1955. Foto:
Henri Ballot / Acervo Instituto Moreira Salles / Arquivo Henri Ballot
Um diálogo imagético em que documentários históricos são rebatidos por imagens contemporâneas feitas pelos próprios indígenas, que percebem a importância de registrar sua cultura para que ela vire a memória e evite apagamentos futuros. Com uma estética documental, os vídeos discorrem sobre a importância da preservação da memória de suas culturas, de suas tradições. Contam seu espanto sobre a própria demarcação do território. Retomam filmes antigos para apresentar para as novas gerações como sua história foi narrada. E tecendo seus relatos que passaram da oralidade para a imagem.
O domínio da imagem volta aos povos originários: “Hoje nós somos protagonistas da nossa história. Antes, não conhecíamos o audiovisual. Agora conhecemos. Somos donos da nossa imagem e levamos as lutas dos povos do Xingu para museus, festivais, cinemas, redes sociais, exposições”, relata Takumã Kuikuro.
A exposição é também um resgate museológico para preencher, como explica o cocurador e jornalista Guilherme Freitas, “lacunas existentes nos próprios museus, onde muitas vezes a identificação das imagens nem sempre foi feita de forma adequada. Parte da história do Xingu está registrada em fotografias sob a guarda do Instituto Moreira Salles. A mostra é o marco inicial de um processo de requalificação deste conjunto de imagens, com a colaboração de pesquisadores e lideranças indígenas, por meio da identificação de pessoas, locais e situações retratadas”.
Cineastas do Coletivo Beture entrevistam o cacique Takakpe em base de vigilância no Rio Xingu, Terra Indigena Kayapó, PA, 2021. Foto: Nhakmô Kayapó / Rede Xingu+
E é neste entralaçamento de olhares que a mostra – com 200 itens, pesquisados durante dois anos, pelos curadores Kuikuro e Freitas, com a assistente Marina Frúgoli, em diversos acervos do país – abre um diálogo e uma reflexão sobre a importância dos povos originários no Brasil: “Queremos contar nossa história para que os não indígenas possam reconhecer e ensinar aos seus filhos o protagonismo dos povos indígenas do Xingu e de todo Brasil”, afirma Kiukuro.
Como escreve o filósofo francês Georges Didi-Huberman em seu livro Quando as imagens tomam posição: “Para saber é preciso tomar posição. Gesto nada simples”.
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Vista de "A parábola do progresso", em egundo plano, obra "Invasão do Alemão", de Márcia Falcão. Foto: Rana Tosto
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Vista de "A parábola do progresso". Foto: Léu Britto
Diego Araúja e Lais Machado, xxxx.
A parábola do progresso, exposição em cartaz no Sesc Pompeia, encerra em tom elevado o ciclo de eventos realizados ao longo do ano no Brasil em torno dos 200 anos da independência(1822) e do centenário da Semana de Arte Moderna(1922). Invertendo a ênfase histórica, a mostra não pretende rever ou reinterpretar os fatos ocorridos nessas datas icônicas, mas sim pensar a produção contemporânea a partir de questões centrais surgidas ao longo desse processo de modernização, iluminando contradições e procurando identificar zonas de condensação temática e poética. Se ainda persiste uma narrativa dominante, marcada por uma série de motes e mitos que até hoje se mantém como uma base de articulação da construção da cultura no país, sua trama cada vez mais esgarçada deixa entrever uma presença intensa de elementos ignorados, ou sufocados, por esse mito hegemônico do progresso.
Ao invés da adotar uma visão linear e evolutiva da criação artística, a mostra se organiza pela articulação de núcleos complementares, que apresentam sobreposições e conexões nem sempre evidentes, agregando um conjunto amplo de atores e organizações. Cinco espaços, com diferentes perfis e enraizamentos geográficos, que interagem diretamente com as comunidades à volta, foram convidados a participar do projeto, com núcleos expositivos bastante personalizados, mas profundamente integrados ao conjunto. São eles o Acervo da Laje (Salvador), a Aldeia Kalipety e a Casa do Povo (São Paulo), o Quilombo Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru Mirim, no Maranhão) e o Savvy Contemporary – the Laboratory of Form-Ideas (Berlim). Um sexto polo irradiador é o próprio Sesc Pompeia, que celebra agora seu 40º aniversário. Tanto o espaço – símbolo de transformação e geração de cultura desde os anos 1980 –, como sua autora, Lina Bo Bardi, exercem na exposição um papel fundamental.
A arquiteta constitui uma das linhas de força da mostra, que concilia no mesmo espaço mais de 600 itens, produzidos por uma centena de artistas, e dispostos de forma bastante fluída, graças ao projeto expográfico concebido por Tiago Guimarães. Ela está representada em primeiro lugar pelo próprio espaço que abriga a exposição e que completa agora 40 anos de existência (formando, junto com a independência e a semana modernista, o trio de efemérides que sustenta o evento). Mas Lina também está presente por meio de uma série de projetos, trabalhos, desenhos e reflexões que ajudam a iluminar múltiplas questões, como a conexão entre África e Brasil, com seus projetos de Casas de cultura no Benim e na Bahia; o resgate pioneiro das tradições artesanais e culturais na antológica mostra A mão do povo brasileiro (ressignificada por meio do trabalho de artistas como Mestre Dicinho); a luta contra uma visão retrógrada e elitizada da arte ou ainda a presença significativa do tema da imigração na exposição.
A curadora Lisette Lagnado, responsável pelo projeto da 27ª Bienal sob o tema Como viver junto, retoma essa estrutura dialógica para tentar coletivamente responder ao desafio de “recuperar noções de espaço público, destruídas em nome da modernidade”. Apesar de pontuar que “não se trata aqui de buscar modernidades alternativas, ou subalternizadas, ou de regiões periféricas”, Lisette reitera que vivemos momentos de questionamento de noções amplamente disseminadas como a do “homem cordial” brasileiro. “A trajetória pós-colonial do Brasil evidencia a permanência das estruturas oligárquicas sobre um tecido multiétnico disfarçado de ‘democracia racial’”, enfatiza.
Daniele Rodrigues, “Ribeira” (da série “Sobre a terra”), 2020. Foto: Cortesia Acervo Laje
Há, no amplo conjunto de trabalhos, uma série de obras de grande potência e intensa sintonia com as questões centrais identificadas pela curadoria, em suas várias instâncias de ação, como assuntos fundamentais da contemporaneidade, tais como colonialismo, racismo, natureza, imigração e resistência. Uma das primeiras obras da exposição, uma fotografia da série Sobre a Terra, de Daniele Rodrigues, parece sintetizar a força do levante popular, com uma mão que se ergue do solo portando uma espada-de-São-Jorge (ou espada-de-Ogum), tendo ao fundo uma paisagem branca na qual apenas se antevê uma igrejinha. A espada, no caso, é a planta, que possui uma série de conotações simbólicas para as religiões de matriz africana. Essa imagem, que pertence à potente seleção de trabalhos enviados pelo acervo da Laje, ecoa com o núcleo maranhense, situado lá na outra ponta do espaço de convivência. Pelas lentes de Márcio Vasconcelos vemos um conjunto de cinco retratos de mulheres fortes, na lida, cujo drama só se torna evidente quando se lê a legenda da imagem, que traz seus nomes (Dona Bia, Rosa, Dijé, Glorinha e Antonia) e a informação de que que fazem parte de um trágico grupo, o das Juradas de morte.
Esses encontros, que permeiam quase toda a exposição, adquirem uma potência ainda mais radiante no núcleo que funciona como uma espinha dorsal de todo o esquema, uma espécie de “tradução do conceito no espaço físico”, como explica Lisette. Trata-se de uma trama de obras de tempos históricos, instaladas na longa parede ao fundo do espaço expositivo. Esse entrecruzamento de temas e períodos recebeu o nome de Parábola, em referência ao título geral e que remete tanto à representação geométrica da curva como à força simbólica da narrativa e do símbolo imagético. Ali, uma ampla seleção interage com dez obras icônicas do modernismo, de ídolos como Tarsila do Amaral e Lasar Segall. Estes trabalhos considerados fundamentais para a história da arte brasileira são mostrados virtualmente, por meio de reproduções em caixas de luz, sublinhando seu caráter espectral. Como conta André Pitol, curador-adjunto da exposição, juntamente com Yudi Rafael, o processo de escolha desses trabalhos icônicos ocorreu em função da seleção das obras mais contemporâneas, algumas delas comissionadas especialmente para o evento, como se o presente interpelasse o passado em função das questões pertinentes na atualidade. “Procuramos dar uma resposta ao modernismo de maneira ampliada”, explica ele.
Em tempos de ameaça à precária democracia brasileira e de retrocesso político evidente, destacam-se em toda a exposição aqueles trabalhos que tocam mais cirurgicamente na ferida do autoritarismo, como o núcleo de correspondências de Ariel Ferrari, filho de León Ferrari, às vésperas de seu assassinato pela repressão argentina. Mas as violências surdas, ligadas a temas incontornáveis como colonização e diáspora são praticamente onipresentes. Manifestam-se em telas impactantes, como Invasão do Alemão, de Márcia Falcão, no gesto crespo e figuração potente de Elson Junior, ou em obras de caráter mais alegórico, como Odoyá, de Ani Ganzala, que figura Iemanjá e suas devotas. A orixá nada em meio a belo mar repleto de peixes, que se soltam de seus cabelos, sobre um fundo do mar repleto de caveiras e que parece não apenas mostrar que não somos o país do futuro, como prometia a mística modernista, como temos ainda muitos acertos de contas com o passado a fazer.
Vista de “A parábola do progresso”, em egundo plano, obra “Invasão do Alemão”, de Márcia Falcão. Foto: Rana Tosto
Homenagem
Além da mostra, que fica em cartaz até abril de 2023, o projeto Parábola do Progresso contará ainda com a publicação de um livro com ensaios escritos pela curadoria e um rol de convidados. A edição previa a publicação de uma série de registros fotográficos da exposição, realizadas por Rochelle Costi, que morreu precocemente, vítima de um atropelamento no final de novembro, que deve ser mantida e transformada em um tributo à artista.
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Uma corrente naval envolve as árvores e, puxada por dois tratores, derruba tudo que encontra pelo caminho. Essa é mais uma das cenas de desmatamento comuns ao Brasil em derrubadas legais e ilegais. O “correntão de desmatamento”, como ficou popularmente conhecido, é base para o projeto da nova obra temporária do Jardim de Esculturas do Museu de Arte Moderna de São Paulo: Cobra grande, de Frederico Filippi.
Quem visita o Parque do Ibirapuera, vê em frente ao MAM uma corrente em tamanho real, com cerca de 40 metros de extensão, rodeando as árvores. Porém, ao se aproximar nota que o instrumento de destruição, neste caso, é feito de argila, areia e palha. “Tinha essa ideia de colocar em oposição também a forma simbólica da corrente, que é um material super agressivo, ferro fundido, algo que é representativo do universo industrial. Quando você olha, nota o elo sendo feito de terra”.
A obra da sequência a uma pesquisa de Filippi sobre a América do Sul e o desmatamento. “Comecei a pesquisar a história da invasão e da invenção dessa ideia de ‘América’, quais imagens surgiam desse atrito entre os que chegaram e os que já estavam lá, que tipo de tipo de movimentos peristálticos é esse de ‘digestão’ do mundo, que vai reduzindo um outro mundo e que quem está dentro dessa zona de atrito?”
Essa ideia de digestão dá nome à obra. Cobra grande retoma a figura comum a diversas cosmogonias, como criadora de mundos. “O formato que a corrente adquire conforme ela vai andando pelo mapa é um formato esguio. Ela serpenteia também. Então, o que ficava muito na minha cabeça? Essa imagem é uma espécie de de uma segunda cobra, uma outra cobra em diálogo com a entidade. Ela não deixa de ser também uma cobra grande, porque tem também essa escatologia dentro dela, é o fim daquele mundo, naquele lugar”, explica o artista. Assim, busca explicitar essa reflexão sobre a fronteira entre a floresta e a indústria: “Esse atrito entre duas entidades, cada uma representando um lado da fronteira.”
Por sua composição, a obra assume um caráter efêmero. Com as chuvas e interpéries climáticas, o trabalho irá se desfazer e será absorvido pelo solo do jardim.
A arte!brasileiros acompanhou a montagem da obra e conversou com o artista. Confira:
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Adriano Pedrosa no Masp. Foto: Daniel Cabrel/Cortesia Masp
A Bienal de Veneza anunciou nesta quinta-feira (15), que Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, será o curador da seção de artes visuais da próxima edição mostra, que acontece na cidade italiana de 20 de abril a 24 de novembro de 2024.
“Sinto-me honrado e grato por esta nominação de prestígio. A Bienal é certamente a plataforma mais importante para a arte contemporânea no mundo, e é um desafio emocionante e uma responsabilidade para mim realizar este projeto”, declarou o curador, que será o primeiro latino-americano a assumir este cargo na antiga e renomada mostra de arte internacional. A indicação veio de Roberto Cicutto, diretor geral da instituição.
Pedrosa é diretor artístico do Masp desde 2014. Foi curador-adjunto da 24a Bienal de São Paulo (1998), a Bienal da Antropofagia, que teve como curador-geral Paulo Herkenhoff. Ao lado de Cristina Freire, José Roca, Rosa Martínez, foi cocurador da 27a Bienal de São Paulo, Como viver junto (2006), que teve curadoria geral de Lisette Lagnado. Adriano Pedrosa participou ainda como curador do InSite_05 (San Diego Museum of Art, Centro Cultural Tijuana, 2005), diretor artístico da 2a Trienal de San Juan (2009), curador do 31o Panorama da Arte Brasileira-Mamõyaguara opá mamõ pupé (Museu de Arte Moderna, São Paulo, 2009), co-curador da 12ª Bienal de Istambul, curador do Pavilhão de São Paulo na 9ª Bienal de Xangai (2012), entre outros projetos. Em 2023, foi homenageado com o Prêmio Audrey Irmas de Excelência Curatorial, concedido a ele pela Central de Estudos Curatoriais do Bard College, em Nova York.
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Através da apresentação de esboços, cadernos de estudo, desenhos sobre papel e uma pintura-desenho em nanquim sobre tela, Aldemir em casa traz uma celebração do desenho de Aldemir Martins, que em 1956 recebeu o prêmio máximo da Bienal de Veneza e grande reconhecimento internacional. Em cartaz até 20 de janeiro na Choque Cultural, em São Paulo, a mostra reúne obras que, em sua maioria, datam de 1948 a 1968, entre elas os primeiros esboços de gatos, um caderno da época em que o artista viveu em Roma, retratos de sua esposa, Cora, em casa, e uma parede com sete desenhos que perfazem uma linha cronológica da filha, Mariana Pabst Martins — que assina a curadoria da exposição.
“Através de uma escolha muito pessoal dos desenhos presentes nessa mostra, eu quis iluminar a personalidade do trabalho do meu pai, expressa na precisão e fluidez do gesto, na intimidade com a pena e o pincel, no rigor do pensamento e no prazer do traço”, explica Mariana. Como o título sugere, Aldemir em casa aborda o fazer do artista num contexto de intimidade.
“Meu pai desenhava todos os dias, o tempo todo, no quarto ou na sala, conversando com amigos ou quieto no seu silêncio pessoal. A imagem dele desenhando vem acompanhada do barulho da pena riscando o papel e do cheiro de nanquim. O gesto elegante e fluido que resultava num traço longo e curvo convivia com a rispidez das hachuras rápidas tracejadas com vigor”, compartilha Mariana Pabst Martins.
Martins procurou colocar lado a lado as nuances gestuais que pode observar cotidianamente com Aldemir Martins em casa. Assim, o núcleo principal da mostra traz o exercício do desenho nas mais diversas abordagens, seja em trabalhos de elaboração complexa e densas, seja de mínimos desenhos de pouquíssimos traços. “Não distingui esboços, rabiscos, estudos ou desenhos aparentemente mais bem acabados: para Aldemir não havia nenhuma hierarquia entre os desenhos feitos no papel que forrava a mesa de trabalho daqueles produzidos num papel 100% algodão ou num Schoeller martelado: ambos eram dignos de serem bem emoldurados e expostos”, explica.
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Vista da exposição "Aldemir em casa", na Choque Cultural. Foto: Reprodução
Mariana Martins, Baixo Ribeiro e Aldemir Martins, 1998. Foto: Umberto Mateus
Aldemir Martins, "Cora", 1951, desenho e aguada sobre papel. Foto: Divulgação
Aldemir Martins, "Cora", 1952, estudo em nanquim sobre papel. Foto: Divulgação
SERVIÇO
Aldemir em casa Choque Cultural: Alameda Sarutaiá, 206 – Jardim Paulista, São Paulo (SP) Em cartaz até 20 de janeiro. A galeria estará de recesso do dia 23 de dezembro ao dia 10 de janeiro Visitação de terça-feira a sábado, das 11h às 18h
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Retrato de Darcy Ribeiro, 1995. Foto: Bob Wolfenson
“A utopia brasileira é singela: comida, casa, escola e remédio” lê-se na parede do Sesc 24 de Maio. A frase é de Darcy Ribeiro, antropólogo, educador, historiador e ensaísta brasileiro que completaria seu centenário em 2022. Em comemoração à data, o Sesc São Paulo inaugura Utopia brasileira, exposição que evidencia a atualidade do pensamento deste intelectual, apresentado em suas várias facetas de atuação pública.
“Mais do que uma homenagem, mais do que algo memorialístico, eu quis trazer a potência e a atualidade de muitas das coisas que ele falou, sobretudo se pensarmos no que estamos vivendo hoje no País. No meu entender, Darcy Ribeiro é extremamente atual e essa é uma exposição sobre o Brasil”, diz a curadora Isa Grinspum Ferraz.
Em entrevista à arte!brasileiros, ela completa: “Num certo sentido, chegamos ao fundo do poço. Hoje há uma tremenda desigualdade social, como dizia o Darcy: rompeu-se o nervo ético da sociedade”. Para a curadora, nesse contexto, há de se retomar uma máxima do pensador: “É preciso conhecer o Brasil em profundidade para poder inventar o Brasil que a gente quer”.
Assim, a exposição nos permite caminhar entre o passado, o presente e o futuro da nação, guiados pelo olhar e pela trajetória de um de seus mais importantes intelectuais. “Nós tivemos como um parceiro fundamental a Fundação Darcy Ribeiro, que reúne todos os arquivos dele – os documentos, as correspondências. Então, pudemos mergulhar nesse material e encontrar pérolas. E eu trabalhei dez anos com ele, então conhecia muito bem seu pensamento. Não com a profundidade acadêmica, mas com essa convivência”.
A arte!brasileiros visitou a exposição e conversou com Isa Grinspum Ferraz. Confira:
A mostra reúne fotografias, correspondências, documentos, filmes feitos pelo antropólogo junto aos indígenas nos anos 1940, peças de sua coleção pessoal, obras de arte contemporânea, livros, música, uma instalação inédita desenvolvida por Eryk Rocha e Marcelo Ferraz e pequenos trechos de seus escritos. “Selecionei trechos muito fortes, que são quase manifestos sobre o Brasil”, destaca a curadora.
Utopia brasileira – Darcy Ribero 100 anos fica em cartaz até 25 de junho de 2023 no Sesc 24 de Maio. As visitas ocorrem de forma gratuita, de terça a sábado, das 9h às 21h, e aos domingos e feriados, das 9h às 18h.
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A pintora Marina Rheingantz, em seu ateliê. Foto: Eduardo Ortega/Cortesia da artista e da Fortes D'Aloia & Gabriel
Em meados de 2019, quando estava em cartaz com duas exposições simultâneas – Todo mar tem um rio, no Galpão da Fortes D’Aloia & Gabriel, em São Paulo, e Rebote, na Carpintaria, espaço da galeria no Rio de Janeiro – a paulista Marina Rheingantz era saudada como uma pintora em ascensão, sobretudo à sua escalada no mercado internacional à época, após realizar mostras no Japão, na Bélgica e nos EUA, e a seu bom desempenho em leilões – telas como Pelada caipira (2016) haviam sido arrematadas por cifras acima da expectativa em casas como a Philips.
Em cartaz até 21 de dezembro com Sedimentar, novamente no Galpão da FDAG, na capital paulista, a artista consolida uma transição também apontada no período pré-pandemia, uma virada da representação de paisagens, vista em obras como Forrest row – de 2011 e pertencente ao acervo Banco Itaú – para telas monumentais, em que, numa prática marcada pelo gestual, camadas generosas de tinta e breves pinceladas podem até sugerir, a distância, alguma figuração. Mas Marina, ela mesma, prefere deixar em aberto eventuais leituras:
“Tenho dificuldade de verbalizar sobre meu trabalho, de criar narrativas a respeito do que faço. Nem acredito que elas devam haver. A pintura tem esse lugar onde você pode inventar situações”, diz, em entrevista à arte!brasileiros. Logo em seguida, curiosamente, elabora com clareza o desenrolar de sua produção artística em anos recentes. A abstração vem de um processo mais longo, iniciado ainda na primeira metade da década passada.
“Num certo sentido, minha pintura sempre flertou com uma ideia de ficção, uma mistura entre a figuração e a abstração. Ela nunca foi uma representação fidedigna de algo, sempre misturou a ideia de um lugar com a pintura abstrata. Sempre esteve claro que era tinta, que ela estava ali, sua materialidade presente, impondo-se”, afirma.
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Marina Rheingantz, "Rastro" (2022). Foto: Eduardo Ortega/Cortesia da artista e da Fortes D'Aloia & Gabriel
Marina Rheingantz, "Magma" (2022). Foto: Eduardo Ortega/Cortesia da artista e da Fortes D'Aloia & Gabriel
Marina Rheingantz, "Verde e Rosa" (2022). Foto: Eduardo Ortega/Cortesia da artista e da Fortes D'Aloia & Gabriel
Sobre as obras apresentadas logo antes da pandemia – como Rabetão de ouro, tela em parecia haver uma alusão aos crimes ambientais cometidos em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), ambos em Minas Gerais – e na nova exposição, em que o distanciamento da representação de paisagens parece mais demarcado, Marina fala:
“O Rabetão de ouro foi feita logo após a eleição Bolsonaro para a presidência. Eu comecei a pintar umas fontes de lama. Como se o país estivesse imerso nelas. Era um momento pós-eleição, de desespero. Até sempre fico na dúvida se essa mudança no meu trabalho não tem a ver com estes últimos quatro anos, com esta situação tão difícil no país”, reflete. “Abstrair seria quase como abrir uma janela para outro lugar. E, de fato, essa transformação aconteceu nesse período. As coisas se relacionam. Não que seja algo tão objetivo, mas há uma tensão que aparece forte naquelas obras.”
Marina nasceu em 1983, em Araraquara, a pouco mais de 270 quilômetros de São Paulo. Filha de um engenheiro e uma socióloga, teve, na vivência no campo e na educação pelo método Waldorf – criado pelo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), e em que a aprendizagem tem forte inclinação para a manualidade e a expressão artística – dois dos estímulos criativos para o que viria ser a sua produção como pintora. Mas a carreira, em si, não ocorreu de forma tão óbvia.
Filha de um engenheiro, como já foi dito, e neta de um arquiteto, Marina conta que viajava o interior de São Paulo inteiro na infância, visitando obras. “Eles sempre apontavam os detalhes das construções, e tudo isso era algo que me interessava muito. Meu trabalho sempre teve alguma conexão com essa ideia de construção também”, avalia.
Em 2001, Marina passou seis meses na Inglaterra, fazendo intercâmbio numa escola baseada na Antroposofia, outro conceito de Steiner, que alicerça sua pedagogia Waldorf. Lá, tinha muitas aulas de trabalhos manuais, como escultura em metal, pintura, desenho, cerâmica, entre outros.
“Para mim foi uma descoberta impressionante ver a possibilidade de abrir outros caminhos, trabalhar de outras formas, de uma forma humanizada”, ressalta. “Ao voltar, comecei a pensar em estudar artes. Tinha desde a adolescência, um amigo mais velho, que já estudava artes na Faap, e ele falava diversas vezes que eu deveria fazer o curso também”. Marina iniciou seus estudos em 2003, na própria Faap. De início, no entanto, ela conta que pensava em seguir um caminho mais pedagógico, em vez de atuar como artista, profissionalmente, para o seu sustento.
“Cheguei a trabalhar como assistente de professores de artes para crianças, assistente de florista etc. Nunca imaginei que fosse um vender uma pintura. Naquela época, nem havia um mercado consolidado no Brasil. As coisas começaram a acontecer mais a partir de 2007 em diante”, conta artista, cujos trabalhos estão hoje em acervos de peso, como a Pinacoteca de São Paulo, o Inhotim e o MAM Rio, no Brasil; e, lá fora, no Rubell Museum, em Miami, assim como na coleção Pinault, em Paris, entre outros.
Durante todo o tempo na faculdade, Marina trabalhou em diversas atividades, algo que tinha em comum, ressalta ela, com seus colegas de ofício no ateliê da Casa 7, grupo formado nos anos 1980, no bairro paulistano de Pinheiros, por artistas como Nuno Ramos e Carlito Carvalhosa. “Todos tinham um trabalho paralelo: o [Rodrigo] Andrade era capista da Veja, o [Fabio] Miguez fazia livro. Então, eu também pensava em dar aulas para crianças, e paralelamente fazer meu trabalho”, conta.
As coisas começaram a mudar de figura depois que Marina passou uma temporada no departamento educativo do Instituto Tomie Ohtake e, em seguida, fez outro intercâmbio, desta vez acadêmico, numa universidade do Chile, que tinha parceria com a Faap. “Quando eu voltei, pensei: ‘Bom, agora que eu já que não gosto de fazer tudo isso, vou tentar um trabalho de assistente de produção em museu ou galeria’. Trabalhei um pouco como assistente de montagem e, na sequência, a Fortes D’Aloia & Gabriel estava abrindo vaga de estágio, e eu entrei em 2006”, conta. Na galeria, todos a conheciam como Marina Barbieri, o sobrenome de meu pai. Quando começou a pintar, assinava com o sobrenome da mãe, Rheingantz. Inclusive nos salões realizados pela Faap com seus alunos.
“No fim daquele ano (2006), [a galerista] Márcia Fortes viu a exposição anual da Faap, deparou-se com uma obra de uma Rheingantz, mas não ligou os pontos. Ela descobriu que era eu, me mandou para casa, porque só teria exposição no ano seguinte e disse para eu ir pro ateliê trabalhar”, conta Marina. “Neste começo, eu tinha muito frio na barriga. Mas como dividia o ateliê com um amigo, o Bruno Dunley, havia, de certa forma, um ambiente mais acolhedor, fazia com que eu acreditasse mais que aquilo, de fato, viria a ser o meu trabalho.”
As paisagens
Terminados os estudos na Faap, em 2007, Marina fez já no ano seguinte sua primeira individual, Algum dia, na então Fortes Vilaça. Nela, fazia “uma redução geométrica da paisagem realçando elementos que se identificam individualmente como a cerca, a casa ou o toldo”, segundo o texto curatorial que acompanhou a mostra.
“No começo, e por muitos anos, minha pintura teve uma relação bem forte com a arquitetura na relação com a paisagem”, conta Marina, lembrando de uma entrevista que deu à curadora e crítica Luisa Duarte, para o livro Pacto Visual 2 (2016). Na conversa, ressaltava-se como sua produção tinha uma forte relação com a infância no campo, quando “o mundo era enorme” e Marina vivia solta no pasto, andando muito a cavalo. Para a pintora, no entanto, esta relação depois se amplia, para a paisagem nacional.
“Eu cresci viajando o interior de São Paulo. Meu irmão era uma pessoa que viajava muito pelo Brasil todo, trabalhando numa multinacional ligada ao agronegócio, à soja, como engenheiro agroindustrial. Ele também sempre mandava muitas fotos. Uma vez, fizemos juntos uma expedição para estudar a paisagem do Piauí”, lembra. “O que me interessava de fato era a identidade do país e sua potência cultural”.
A ascensão da carreira anunciada em 2019 foi pausada pela pandemia no ano seguinte. Marina então passou um mês com a mãe em Botacatu, também no interior de São Paulo, logo no começo da crise sanitária. Com dificuldade de se concentrar no trabalho, conta que, lá, fez alguns retratos e pinturas de cavalo, para “ter alguma coisa mais palpável”. “Foi a primeira vez que eu pintei pessoas ou animais. Acho que justamente por estar vivendo aquele isolamento”, conta.
As obras mais monumentais, como Rastro, um dos destaques da mostra Sedimentar, surgiram quando Marina mudou de ateliê – em 2015, de Perdizes, onde ela chegava a fazer telas de 2mx3m, para um novo espaço, na Vila Ipojuca. O objetivo era aumentar as dimensões de suas obras. “Hoje, gostaria de ter um galpão para fazer pinturas ainda maiores, chegar a dimensões como 5mx10m, por exemplo, criações mais próximas de murais, mesmo”, diz.
Nos últimos anos, conta, tem procurado dar mais atenção à sua saúde. Há 20 anos faz análise, hoje com um terapeuta “freudiano, mas não tão cartesiano”. Para as sessões, conta que leva, com frequência, questões ligadas à sua prática. “Porque eu vivo certa angústia de como lidar com o meio de arte, no sentido do trabalho, não eu, pessoa física”, explica. Ao mesmo tempo, a pintora ressalta que acha “saudável vislumbrar um lugar aonde se quer chegar” como artista, “pensar em exposições fora, para não somente mostrar meu trabalho, como levar a cultura brasileira adiante, mostrar sua importância, a riqueza que temos aqui. A arte no país é muito forte.”
Porém, diz Marina, o mais importante para ela é sua relação com o ateliê, “o que mais me entusiasma no dia a dia.” Seu trabalho, salienta, “é fruto de muita prática, de muito exercício, muito trabalho. Mais suor que inspiração. A exposição que fez no ano passado, na galeria Bortolami, em Nova York, se chamou Suor, por causa de uma pintura que demorei muito, muito para fazer”, conta.
Ultimamente, diante de crises institucionais que têm marcado o cenário artístico brasileiro, como a ocorrida – e posteriormente sanada– entre o Masp e as curadoras do núcleo Retomadas, da exposição Histórias Brasileiras, Marina tem também refletido sobre a importância de se estar em espaços que acolham. “Afinal, a arte é isso: é poder levar para as pessoas o que quer que seja, afeto ou indignação. Qualquer relação que surja entre o público e o trabalho de arte é saudável”.
Ela, porém, acredita que tudo tem sido “muito racionalizado, relacionado objetivamente a um ato político, a uma determinada situação” no panorama das artes. “Às vezes, mesmo que por uma espécie de oposição, meu trabalho acaba sendo também político, nesse sentido: ele não precisa levantar uma bandeira. É mais próximo ao afeto, mesmo. Ligado à importância de se olhar para o outro”, conclui.
SERVIÇO
Sedimentar Até 21 de dezembro de 2022
Galpão Fortes D’Aloia & Gabriel R. James Holland, 71 – Barra Funda, São Paulo – SP
Visitação: de terça a sexta-feira, das 10h às 19h; sábados, das 10h às 18h
Assista ao VIII Seminário Internacional Arte!Brasileiros: Narrativas contra-hegemônicas
Em um ano de grandes mudanças estruturais e de recorrentes violências à estabilidade social, o VII Seminário Internacional, promovido pela arte!brasileiros em parceria com Sesc SP, ressaltou a importância de entender o papel da arte em defesa da democracia e de pensar estratégias de reparação após o apagamento das diferenças, econômicas, sociais, raciais e religiosas.
Para aprofundar a reflexão, conversamos com importantes figuras da contemporaneidade sobre o papel da arte na articulação dos três conceitos-chave do seminário: cultura, democracia e reparação. Confira o conteúdo inédito:
Christian Dunker
Psicanalista, escritor e Professor Titular do Instituto de Psicologia da USP, junto ao Departamento de Psicologia Clínica. Obteve o título de livre docente em Psicologia Clínica, após realizar seu pós-doutorado em Manchester, na Manchester Metropolitan University. É autor de diversos livros, incluindo “O Mal Estar: Sofrimento e Sintoma” e “Estrutura e Constituição da Psicanalítica: Uma Arqueologia das Práticas de Cura, Psicoterapia e Tratamento”, vencedores do Prêmio Jabuti.
Claudinei Roberto da Silva
Professor, curador e artista visual formado pelo Departamento de Arte da USP. Coordenou, entre outros, o educativo do Museu Afro Brasil e coordena o núcleo artístico pedagógico do projeto multinacional A journey through African diaspora, do American Alliance of Museums em parceria com o Museu Afro Brasil e Prince George’s African American Museum. Faz parte da Comissão de Arte do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde também é co-curador, atualmente, do 37º Panorama da Arte Brasileira.
Farid Rakun
Artista, escritor, editor e professor baseado em Jacarta, na Indonésia. Formado em arquitetura, atualmente atua como editor e pesquisador da iniciativa de artistas ruangrupa, coletivo de artistas que assina a documenta quinze. Projetou e construiu edifícios, produtos, instalações e intervenções, além de escrever e editar livros e publicações diversas. Trabalhou com várias instituições culturais e educacionais, como a Universidade da Indonésia, o Departamento de Arquitetura, a Cranbrook Academy of Art, a Universidade do Michigan, Hong Kong University e Goethe-Institut, dentre outras.
Graziela Kunsch
Artista, mãe e educadora, desenvolve o projeto Creche Parental Pública na documenta de Kassel. Além de seus projetos em performance vídeo, assume formas educativas, editoriais e curatoriais na sua prática artística e a editora da Revista Urbana, entre exposições coletivas estão a 19ª e a 31ª Bienal de São Paulo, em 2010 e 2014, e a Bienal de Oslo, de 19 e 21. É doutora pela Escola de Comunicações e Artes da USP e, entre 2017 e 2019, foi professora substituta do curso de História da Arte da Unifesp.
Ligia Fonseca Ferreira
Professora associada do Departamento de Letras da Unifesp, doutora pela Universidade Sorbonne – Paris 3. Sua tese versa sobre a vida e a obra de Luiz Gama. Possui pós-doutorado sobre epistolografia em Mário de Andrade e é autora e tradutora de inúmeros livros. Suas traduções mais recentes são “Os Condenados da Terra”, de Frantz Fanon, e “Uma Africana no Louvre: O Lugar do Modelo”, de Anne Lafont.
Paula Macedo Weiss
A escritora tem mestrado e doutorado em Direito pela Universidade de Tubingen. Em Frankfurt, é Presidente da Fundação do Museu de Artes Aplicadas e também membro do Conselho Diretivo do Instituto de Arte Contemporânea em Berlim. No Brasil, é membro do Conselho Consultivo Internacional da Bienal de São Paulo.
Sandra Benites
Nascida na Terra Indígena Porto Lindo, no Mato Grosso do Sul, é mestra e doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), consultora de programação cultural do Museu das Culturas Indígenas, em São Paulo, e é também professora de ensino fundamental e médio. Entre 2019 e 2022, ela foi curadora adjunta de arte brasileira do Masp.
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A arte!brasileiros preparou uma lista com três editais que oferecem oportunidades para artistas de diferentes linguagens. Confira.
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A Kombi utilizada para o projeto Dispositivo Móvel para Ações Compartilhadas no JA.CA (2015). Foto: Divulgação
A equipe do JA.CA em sua sede no Jardim Canadá, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Ciclo de residências JA.CA
Em 2022, o JA.CA – Centro de Arte e Tecnologia passou a ocupar um novo terreno no Jardim Canadá, em Belo Horizonte. Agora, a instituição convida artistas e coletivos a desenvolverem propostas e exercícios de imaginação política, social e espacial para o novo lote, que levem em consideração questões como a sua topografia, sua localização, seu entorno e sua vizinhança. A partir de experimentações, de ficções, intervenções arquitetônicas/paisagísticas temporárias ou mesmo outras estratégias, propomos um espaço para uma reflexão sobre modelos e tipos de ocupação que questionem e potencializem formas de interação com a paisagem e a comunidade do bairro.
Para isso, abrem inscrições para um novo ciclo de residências, com duração de
60 dias (6 de março a 6 de maio de 2023) e a participação de dois artistas. Cada selecionado contará com uma bolsa para ajuda de custo no valor total de R$ 4000 e uma verba de até R$ 2500 a ser aplicada exclusivamente na produção do projeto proposto. Os artistas que não residirem em Belo Horizonte receberão um auxílio para despesas de seu deslocamento da sua cidade de origem a Belo Horizonte e ficarão hospedados no JA.CA durante todo o período da residência.
A Feira de Trocas Exusíacas é uma atividade da quarta edição do Escuta Festival, que acontecerá em janeiro de 2023. O evento, concebido e desenvolvido pelo Instituto Moreira Salles em parceria com artistas e coletivos artísticos independentes, tem por objetivo ressaltar e celebrar a arte, a cultura e o ativismo das periferias da região metropolitana do Rio de Janeiro. Três projetos dentre os inscritos serão selecionados para passar por uma banca de curadores, a fim de que um deles seja escolhido para receber participar de um processo de troca e orientação de seis meses.
Podem se inscrever artistas, artivistas, produtores e fazedores culturais moradores das favelas e periferias da região metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto/ proposta de ação não precisa ser inédito, nem estar totalmente acabado. A organização incentiva projetos coletivos e sugere que se os candidatos deem um panorama de quantas pessoas podem ser impactadas pelo trabalho.
A primeira fase de seleção acontece pelo preenchimento do formulário de inscrição; a segunda acontecerá em um dos dias da 4a Edição Escuta Festival, que acontecerá nos dias 20, 21 e 22 de janeiro de 2023.
Fotografia de Andrea Goldschmidt exposta na 1a Mostra Internacional Luz del Fuego. Foto: Reprodução
Fotografia de Carla Desiree exposta na 1a Mostra Internacional Luz del Fuego. Foto: Reprodução
Mostra Internacional Luz del Fuego
O ano de 2022 marca os 105 anos de nascimento de Luz del Fuego (Dora Vivacqua), artista capixaba que fez de sua história e de sua arte manifestos da liberdade feminina. Neste ano a Mostra Internacional que a homenageia pergunta: como a produção cultural local pode colaborar para a abertura de mais espaço para mulheres na arte e na fotografia? Como gerar oportunidades culturais democráticas para mulheres, mediante à crise cultural e sanitária que o Brasil vive atualmente? Como inserir, em projetos de editais públicos, mulheres de comunidades marginalizadas como as da comunidade LGBTQIAP+? A segunda edição do projeto traz o tema “Mulheres Brasileiras na Fotografia” e tem chamada aberta a ensaios e fotografias que retratem mulheres brasileiras como protagonistas de movimentos sociais, culturais, religiosos e políticos.
A mostra fotográfica acontecerá na capital do México e em Cachoeiro de Itapemirim, através de intervenções urbanas, mais conhecidas como lambe-lambe, e também através do formato de exposição virtual, no site do projeto. As vagas expositivas serão divididas da seguinte maneira: até 5 vagas para fotógrafas pertencentes à comunidade LGBTQIAP+ residentes no Espírito Santo; até 5 vagas para fotógrafas pertencentes à comunidade LGBTQIAP+ residentes em outros estados’até 5 vagas exclusivas para fotógrafas negras e/ou indígenas residentes no Espírito Santo; até 5 vagas exclusivas para fotógrafas negras e/ou indígenas residentes em outros estados; até 5 vagas exclusivas para mulheres residentes nos bairros atendidos pelo Projeto Estado Presente, iniciativa do Governo do Espírito Santo que busca a redução de taxas de homicídios, principalmente em comunidades onde o índice de violência e mortalidade de jovens apresenta-se elevado; até 5 vagas para mulheres que não se identificam com os grupos acima citados.
Com objetivo de difundir as produções audiovisuais realizadas por piauienses e maranhenses, que residam nestes (PI/MA) ou em outros estados do País, o Centro Cultural Vale Maranhão (CCVM) e Produtora LABCINE Filmes promovem a Mostra Piranhão de Cinema. Esa primeira edição acontece em formato híbrido, com os filmes exibidos presencialmente de 11 a 14 de Janeiro de 2023, em São Luís do Maranhão (MA) e em Teresina (PI), e virtualmente, disponibilizados no site da Mostra vinculado à Produtora LABCINE Filmes e no canal no YouTube do CCVM.
Serão selecionadas 15 obras no total: 2 longas-metragens, 8 curtas-metragens e 5 videoclipes. As obras devem estar sustentadas nos seguintes eixos temáticos: Negritude, Cinema Periférico, Povos Originários e Cultura Regional, tendo como pontos de partida as discussões de memória, identidade e decolonialidade.
Os artistas selecionados no edital de "Contra-flecha" irão compor o programa de exposições da galeria em 2023. Na foto, vista da exposição "Terra e temperatura", na Almeida & Dale Galeria de Arte, parte da programação da casa em 2021. Foto: Reprodução
Vista da exposição "Rodrigo Andrade: Pintura Paisagem", atualmente em cartaz na Almeida & Dale Galeria de Arte. Foto: Reprodução
Contra-flecha, na Almeida & Dale Galeria de Arte
Pela primeira vez, a Almeida & Dale abre chamada para artistas interessados em expor na galeria. Funcionando como um espaço de experimentação crítica e curatorial, interessado em novas perspectivas da história da arte brasileira, o programa Contra-flecha passa a inaugurar o calendário anual de exposições da casa e busca estabelecer diálogos entre obras de seu acervo e rede — majoritariamente compostos por peças modernas do século 20 — e artistas com pouca circulação no sistema comercial ou em início de carreira. Nesta primeira edição, intitulada Arqueia mas não quebra, a curadora e pesquisadora pernambucana Ariana Nuala compõe a comissão curatorial ao lado dos idealizadores do projeto, o curador Germano Dushá e o artista Rafael RG.
O programa é focado em artistas contemporâneos que tenham pouca ou nenhuma circulação no sistema comercial de arte, ou estejam no início de suas trajetórias artísticas. Podem participar do processo seletivo artistas brasileiros com produção em artes visuais, audiovisuais, performáticas, sonoras, textuais, entre outras.
O presidente Jair Bolsonaro discursa durante abertura da Semana das Comunicações no Palácio do Planalto.
Dia 18 de outubro último, quase meia-noite, assistindo aos comentários de jornalistas da Globonews sobre o segundo turno das eleições presidenciais que ocorreriam no dia 30, fiquei surpreso ao saber que, numa pesquisa sobre as razões que levariam os militantes a votarem em um dos dois candidatos, 27% dos partidários de Luiz Inácio Lula da Silva informaram que votariam nele, devido ao seu “desempenho na área social”. Já 27% dos eleitores de Jair Messias Bolsonaro afirmaram que votariam por sua “imagem pessoal”. Outros dados complementavam a enquete, mas, para o que pretendo refletir aqui, me bastam as declarações que assinalei.
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Entendo o que teria levado aqueles 27% dos eleitores de Lula a proclamarem que votariam nele devido ao seu “desempenho na área social”. Por mais que se possa criticar o presidente em seus dois primeiros mandatos, não restam dúvidas de que, durante aqueles oito anos (entre 2003 e 2011), Lula se notabilizou pela implantação de políticas públicas visando a inclusão social.
Mais subjetiva me parece a resposta daqueles 27% do eleitorado bolsonarista creditando seu voto à “imagem pessoal” de Bolsonaro. Segundo comentaristas do programa, alguns desses eleitores teriam associado a “imagem pessoal” do presidente com índices de seriedade, probidade, de respeito aos valores da família tradicional etc.
Essa parte do eleitorado de Bolsonaro, que percebeu em sua “imagem pessoal” (e em tudo o que ela significa), motivo suficiente para votar no candidato, fez emergir um aspecto ainda não captado do embate entre os dois presidenciáveis, que passou despercebido para muitos. Um aspecto talvez óbvio demais para, conscientemente, ser levado em conta: a “imagem pessoal” de Bolsonaro está colada àquilo que, no Brasil, convencionou-se entender como “boa aparência”. E “boa aparência”, apesar de toda a sua ambiguidade, sempre serviu (e serve) para que, no país, inclua-se ou exclua-se indivíduos nas mais diversas áreas.
A imagem pessoal de Bolsonaro, ou sua “boa aparência”, demanda alguma reflexão, pois me parece ter sido ela um fator importante para entender o fenômeno de massa que se tornou Bolsonaro, sobretudo em partes consideráveis do Sul, do Sudeste, do Centro-Oeste e do Norte do Brasil. Sua “imagem pessoal” encobre outra face do presidente e do país que, se analisada, ampliará a compreensão sobre a expansão do bolsonarismo entre nós nos últimos anos, assim como sobre a expressiva votação de Bolsonaro no último dia 30 de outubro.
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O presidente Jair Messias Bolsonaro. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Jair Messias Bolsonaro é ele e sua imagem. Ou melhor, é ele mesmo e é também uma imagem passível de absorver inúmeros sentidos. E o que vemos quando observamos um retrato fotográfico de Bolsonaro ou um vídeo de alguma atividade por ele desenvolvida? Bolsonaro é um homem relativamente alto (1,85m)[1], possui um olhar altivo, olhos azuis e – dado fundamental –, é branco.
No decorrer de sua carreira como político profissional, Bolsonaro acoplou a essa branquitude, índices de inequívoca masculinidade (ou “macheza”) – sobretudo pela demonstração contínua de sua aversão a mulheres e a homossexuais – e um desprezo particular a todos os seres “inferiores” com que tinha de lidar: para Bolsonaro, negros deveriam ser pesados em arroba; indígenas não deveriam ter seus territórios respeitados, e nordestinos não passavam de paus de araras e cabeçudos[2].
Como homem branco, a “boa aparência” de Bolsonaro aciona todos aqueles outros sentidos – ele é machista, homofóbico, misógino, eugênico – que parecem ir ao encontro de muitos de seus apoiadores, que projetam na imagem do “mito” anseios identitários singulares. Sua “imagem pessoal” – ou seja, a fundamental branquitude de Bolsonaro –, num país preconceituoso e de maioria negra e parda, enfatiza sua “superioridade” em relação ao restante dos brasileiros[3]. Assim, tão ou mais importante do que de ter sido militar e deputado federal por quase três décadas, é o fato de que ele é branco. E não um branco “qualquer”, pois descende de italianos do norte da Itália, o que – para uma fração significativa de seu eleitorado do Sul e do Sudeste –, não é pouca coisa[4].
Ser branco no Brasil é distinguir-se da maioria da população, mas é também ser ou estar identificado com aquela parcela de brasileiros que, por sua às vezes antiga ascendência europeia, agem como se fossem exilados italianos, mas também alemães, poloneses, espanhóis e portugueses.
Assim, sua branquitude está acima de todos os outros atributos, que colocam Bolsonaro como líder de uma massa que o segue e venera, sem que nada de negativo que ele faça conspurque sua imagem[5].
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A partir do final do século XIX, mas, sobretudo, nas primeiras décadas do século passado, começou a ser construído em São Paulo o mito do paulista como sendo o grande empreendedor, aquele brasileiro pertencente a uma raça superior de indômitos desbravadores (como os bandeirantes, seus antepassados) – características que justificariam a modernidade de São Paulo, em contraste com a morosidade decadente da grande maioria do Brasil.
Barbara Weinstein, em seu estudo sobe a formação da identidade paulista[6], explica que os brasileiros nascidos no estado de São Paulo, ao tentarem caracterizar sua hipotética excepcionalidade, precisavam escolher aqueles que seriam o seu “outro”. E quem deveria aparecer como o “outro” do paulista, todos os brasileiros restantes? Não propriamente.
Embora nunca tenham reconhecido nos gaúchos, catarinenses e paranaenses a mesma “nobreza” que os tornava tão especiais, os paulistas, embora não os vissem como iguais, os percebiam como semelhantes. Segundo Weinstein, o “outro” do paulista, ou seja, o seu oposto, fundia-se na categoria “nordestino”, uma abstração que personificava a decadência, o atraso, a barbárie.
Já em 1999, Durval M. de Albuquerque Jr. atentava para essa oposição entre São Paulo e o Nordeste, como dois lados opostos do Brasil. Em seu estudo sobre a “construção” do mito do Nordeste, o autor também chamará a atenção para o papel que o imigrante europeu – que então já se concentrava em São Paulo e no Sul do país – representava nesse processo de diferenciação entre São Paulo e o Nordeste, por alguns dos importantes intelectuais do período.
Encantados com a superioridade dos imigrantes e tendo uma visão depreciativa do nacional, intelectuais como Oliveira Vianna (fluminense) e Dionísio Cerqueira (baiano) veem no nordestino o próprio exemplo de degeneração racial, seja do ponto de vista físico ou intelectual (…) Comparando a situação econômica de São Paulo com a dos estados do Norte do país, eles atribuem ao eugenismo da raça “paulista”, à sua superioridade como meio e como povo, a ascendência econômica e política no seio da nação. A superioridade de São Paulo era natural, e não historicamente construída. O Nordeste era inferior por sua própria natureza, sendo o “bairrismo paulista” uma lenda[7].
Voltando ao texto de Weinstein, a certa altura, parafraseando o intelectual Alfredo Ellis Jr. – adepto do “racismo científico” do início do século passado –, a autora afirmava que, embora fosse possível detectar semelhanças entre os louros e castanhos “dos estados mais centrais e meridionais do Brasil”, à tal família (brasileira) não poderiam ser incluídos “cabeças-chatas mongoloides” e “negros” do Nordeste[8].
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Se para o eleitorado bolsonarista dos estados do Sul e do Sudeste, Bolsonaro se distingue por possuir a “boa aparência” de branco paulista de origem italiana, como seria a “imagem pessoal” de Lula, seu opositor?
Para essa parcela dos eleitores de Bolsonaro, Lula, o presidente recém-eleito, não passaria de um “nordestino”, ou seja, um “cabeça-chata mongoloide”, uma espécie de negro. Um “outro” que, por algum descuido ousou concorrer e ganhar por duas (agora três) vezes a presidência do país. Afronta jamais perdoada por muitos brasileiros “louros e castanhos”.
Não importa o que Lula realizou em suas duas gestões, e o que poderá realizar nesta sua terceira, o fato é que ele continuará sendo eternamente o “outro” de metade da população brasileira. Alguém que – se conseguiu renascer depois de terem querido enterrá-lo vivo[9] – deve ser destruído para que Bolsonaro – “tão igual a nós” – possa triunfar em definitivo num futuro próximo.
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Em seu livro sobre a presença do fascismo italiano no Brasil na primeira metade do século passado, João Fábio Bertonha atenta para a presença de um “fascismo difuso” no Sul e Sudeste do país[10]. Segundo o autor, não foram muitos aqueles que, de fato, se inscreveram nas hostes fascistas no país, o que, no entanto, não significa que não existisse, em vários segmentos da sociedade brasileira de então, simpatizantes do regime italiano. Por sua vez, a pesquisadora Ana Maria Dietrich afirma que, por vários motivos, também não foi expressiva a presença de filiados do partido nazista alemão no Brasil, embora também houvesse simpatizantes da “causa”[11]. Os dois pesquisadores afirmam, por outro lado, que muitos italianos e alemães, assim como seus descendentes, preferiram ingressar na Ação Integralista Brasileira, na medida em que o Integralismo aliava às demandas do fascismo internacional, questões ligadas ao nacionalismo local.
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Por esse passado não muito longínquo em que fascismo, nazismo e integralismo perpassaram vários segmentos da sociedade brasileira[12], preocupa perceber o quanto a massa bolsonarista vibra quando seu líder faz uso do jargão fascista/integralista, “Deus, pátria, família e liberdade”[13]. Ao ouvir o “mito” pronunciar tal frase seus prosélitos reivindicam uma supremacia branca, de gênese europeia, sem lugar para o “outro”: o “pau-de-arara”, o “preto”, o “molusco”.
[3] – E a consciência de tal “superioridade” encontra-se em algumas falas do próprio Bolsonaro. Certa vez, fazendo referência ao “desaparecimento” do indigenista brasileiro, Bruno Pereira, e do jornalista britânico Don Phillips, assassinados em junho de 2022, o presidente assim se pronunciou: “Lamento o ocorrido. Os caras entraram, pô, numa área sem segurança. É eu subir o morro… uma comunidade no Rio de Janeiro com esse olho azul e essa cara à noite. Vou para o micro-ondas ou não vou?” Murilo Fagundes. “Bolsonaro diz que morreria se subisse o morro ‘com olho azul'”. Poder360. 23.06.22. https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-diz-que-morreria-se-subisse-morro-com-olho-azul/ (Consulta: 02/11/2022.)
[4] – A assimilação do imigrante italiano no Brasil, apesar de importantes estudos, ainda aguarda maiores aprofundamentos. Embora todos eles fossem chamados de “carcamanos” – termo pejorativo e de origem incerta –, o fato é que os italianos do Sul sofriam mais preconceitos do que aqueles do Norte – o que refletia o preconceito que existia na Itália “branca” contra os meridionais. Segundo um relatório do Office of War Information norte-americano, de 1943 – do National Archives at College Park, de Maryland: “Ele [o italiano] também era chamado [no interior do estado de São Paulo] de ‘mameluco’, termo que é usado tanto para pessoas mestiças, como para aqueles italianos do sul da Itália que têm pele escura…” (NACP/Records of the Office of War Information, RG 208, 208/350/71/12/34, box 437, The Italian Community of Campinas, 23/06/1943, Apud BERTONHA, João Fábio. O Fascismo e os imigrantes italianos no Brasil. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. Pág. 245.)
[5] – Sabemos que os problemas que ele teve durante seu período no Exército, sua nulidade como quando atuou como Deputado Federal e mesmo as denúncias de corrupção de seu governo, nada parece afetar sua imagem considerada imaculada por seus seguidores.
[6] – WEINSTEIN, Barbara. A Cor da Modernidade. A branquitude e a formação da identidade paulista. São Paulo: Edusp, 2022.
[7] – ALBUQUERQUE JR. Durval Muniz. A invenção do nordeste. E outras artes. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 1999, pág. 43.
[11] – DIETRICH, Ana Maria. Nazismo tropical? O partido nazista no Brasil. São Paulo: Todas as Musas, 2012.
[12] – Ao que tudo indica, o fato desses partidos terem sido considerados ilegais no Brasil, no final da primeira metade do século passado, não significa que tenham sido extintos, de fato.
[13] – Bolsonaro costuma adicionar a palavra “Liberdade” ao tradicional bordão integralista “Deus, pátria e família”. Tal acréscimo, no entanto, não supera a origem integralista do slogan que, por sua vez, integra uma série de apropriações que faz o bolsonarismo de signos integralistas, fascistas e nazistas (sobre o assunto, assistir “Quem não quer ser comparado a um nazista não se fantasia de nazista”, do Comitê Popular de Cultura do Bixiga, baseado no artigo “Bolsonarismo e Nazismo. Iconografia e Linguagem”, de Jean Goldenbaum. Brazil247, 12/09/2002. https://www.brasil247.com/blog/iconografia-e-linguagem-nazismo-e-bolsonarismo (Consulta: 02/11/2022).
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