Sandra Lapage,
Sandra Lapage, "Previsão de visibilidade", 2021. Foto: João Mascaro

A partir deste sábado (20/5), no Complexo Cultural Funarte SP, a artista plástica Sandra Lapage apresenta Além do manto, exposição em que reúne mais de 20 obras, entre tramas escultóricas, peças vestíveis, foto-performances e vídeo-performances, produzidas entre 2019 a 2023, a partir de materiais reciclados, como cápsulas de café, por exemplo. A mostra traz, segundo Sandra, não uma crítica à sociedade de consumo, mas uma “observação”. “Também não sou capaz de oferecer soluções, nem de cortar todos meus excessos. Mas penso que olhar para nossos próprios excessos pode apontar caminhos, sugerir mudanças em hábitos de consumo, que, afinal de contas, urgem”, diz a artista à arte!brasileiros.

Sandra conta que, em conversa com Carollina Lauriano, a artista plástica definiu suas criações como “desafiadoras” e que ela tende a concordar. “Principalmente devido à beleza primeira do material, a suas cores, seus brilhos, sua surpreendente maleabilidade e leveza, todas as características que fazem destes elementos produzidos em série, um feito do design industrial, um objeto de desejo irresistível”, diz. Há também um apelo estético, que, segundo ela, “aparece nos agrupamentos de cor, na criação de uma trama-ritmo, que organiza em vez de entregar um conjunto caótico e de difícil compreensão”.

A artista também ressalta que ela não estabelece uma hierarquia de objetos que vão compor suas obras a partir da origem de cada um. O plástico pet, diz Sandra, convive com o rótulo de champanhe, sem discriminações. “Estou interessada pelos objetos do cotidiano, pelo simples e anódino, e suas possibilidades de reinvenção em assemblagem”, explica a artista, que também traz em suas criações uma grande inspiração na moda.

“Cada vez mais me parece um campo em que de fato se borram os limites entre arte, design, artesanato, engenharia, passarela, rua, museu, carnaval, cotidiano, e eu admiro esta liberdade. Adoraria conquistar este mesmo espaço para meus trabalhos”, afirma Sandra. “De Iris Van Herpen a Fernanda Yamamoto, especialmente na sua coleção inspirada na comunidade Yuba, à exposição Heavenly Bodies, [apresentada em 2018] no Metropolitan Museum, passando pelo legado de Alexander McQueen e Paco Rabane, entre outros, tudo é encantamento e magia”.

Para a criação de suas obras, a artista afirma que evita um tempo longo de preparo ou reflexão, preferindo que “o fluxo de pensamento” acompanhe a costura das estruturas. O resultado seriam “acidentes, caminhos inesperados”.

“Eu evito testes, ou projetos, que me distanciariam da intenção primeira de operar fora das preocupações do ego”, diz, citando como exemplo as obras Amphisbaena e Bahamut. “A materialização destas formas veio quase que como um susto, em Amphisbaena duas asas-pulmão delicadas que se desmaterializam no ar; em Bahamut, curvas azuis do próprio material tramado que saíam da parede e me empurravam para a tridimensionalidade, saindo completamente do meu controle”.

Em exposições como Além do manto, Sandra afirma que sua arte é uma prática xamânica. “Há alguns anos tenho pensado a prática como uma maneira de abrir mão do controle na passagem entre concepção, encontro com a materialidade, e execução. E isto me faz crescer dentro e fora da prática artística, pois entendo este processo como exercício constante de entendimento do mundo à minha volta, de dúvida, de observação, de
procurar entender o mundo e os outros”, explica.

Parte dessa experiência é a colaboração, nesta mostra, com Bruno Gold, que concebeu uma instalação sonora “que joga com noções de gravidade e leveza, incompletude e imperfeição, chance e mistério”, segundo comunicado de imprensa. Ela sugere, por exemplo, “o som que um determinado material poderia fazer caso fosse arrastado no
chão por um longo tempo, ou tremulasse com suas partes arranhando umas às outras”, diz Cadu Riccioppo, que assina o texto crítico de Além do manto. Em entrevista à arte!brasileiros, Cadu observa que os trabalhos de Sandra partem de uma série de premissas que as vanguardas, a arte moderna e contemporânea deixam em aberto.

“A apropriação de objetos ‘já-feitos’; a construção com materiais recolhidos à indústria, ao
consumo e ao descarte; a assemblage; a constatação de que os objetos que se acumulam à nossa volta possuem um valor de artisticidade que lhes é aportado via a quantidade de emprego de raciocínios estéticos do design e da propaganda aos menores produtos e suas embalagens, e que permanecem ali quando o ciclo de consumo desses objetos vai se encerrando e eles passam a se acumular como detritos da cultura urbana”, diz.

Questionado se o título da exposição faria alusão ao Manto da Apresentação, um antigo cobertor transformado por Arthur Bispo do Rosário em vestimenta bordada com aparência majestosa, Riccioppo afirma que não se trata necessariamente de uma referência somente àquele trabalho, mas “a toda uma tradição de compreensão das imagens em grande escala como um tipo de obra que traz à tona a imantação de um elemento ritualístico”.

SERVIÇO
Além do manto, de Sandra Lapage
Até 18/6
Complexo Cultural Funarte SP – Alameda Nothmann, 1058 – Campos Elíseos – São Paulo (SP)
Visitação:
terça a domingo, das 14h às 19h, incluindo feriados
Entrada gratuita

 

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