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Para que tenhamos novos Antonios Candidos

Antonio Candido
Antonio Candido
  • Laíssa Barros

As ciências humanas e sociais no Brasil experimentam hoje uma situação paradoxal. De um lado, nunca se produziu tanto conhecimento acadêmico em nosso país, sobretudo no formato de artigos em revistas científicas; do outro, estamos lendo cada vez menos sobre temas fora das nossas confortáveis especialidades, e talvez nunca tenhamos sido tão carentes como agora de intelectuais de ampla erudição. A perda do grande Antonio Candido, que nos deixou no último dia 12 de maio, desnuda claramente esse paradoxo. Onde estão os nossos Cândidos contemporâneos? O que explica essa aparente contradição? Seria apenas consequência de uma inevitável especialização intelectual e do enorme avanço dos meios de disseminação e armazenamento de informação? Em parte, sim. Atualmente, tornar-se especialista de qualquer coisa demanda um esforço hercúleo para ler tudo o que se produziu e se produz em determinados assuntos, e analisar as diversas (e cada vez mais infinitas) fontes primárias disponíveis. No entanto, há um outro lado dessa história, a meu ver igualmente responsável pela situação em que nos encontramos: a crescente e angustiante pressão produtivista.

A estrutura de incentivos da academia brasileira em ciências humanas e sociais está totalmente dependente de índices quantitativos de produção, sobretudo publicação de artigos em revistas acadêmicas, reproduzindo acriticamente estruturas advindas das ciências exatas e naturais. Para qualquer coisa que queiramos fazer, de pedidos de auxílio de pesquisa à progressão na carreira profissional, da solicitação de bolsas para alunos à manutenção de vínculo em programas de pós-graduação, tudo passa pela questão da produtividade. Nada mais importa. Qualidade das aulas, participação em debates públicos, atividades de extensão universitária, coordenação de grupos de estudo tornaram-se secundários. No grande Big Brother acadêmico que virou a Plataforma Lattes (portal público de currículos acadêmicos do Brasil), professores e estudantes só olham uma coisa: número de artigos publicados. Até mesmo livros (sic) estão ganhando reputação de produção inferior quando comparados a “papers”.

Essa rápida e grande mudança da academia brasileira, que basicamente ocorreu nas últimas duas décadas, provou que acadêmicos em ciências humanas e sociais do nosso país (eu incluso) respondem muito bem a incentivos. Em menos de uma geração, a tendência a uma reflexão cuidadosa, crítica e profunda de diversas questões, que desaguavam na produção de poucos (mas muito substantivos) resultados intelectuais, especialmente livros, deu lugar a uma frenética e periódica produção de artigos científicos, muitos dos quais fruto de pesquisas em estágios iniciais e que, em vários casos, precisavam de maior maturação para ir para o papel. Como não temos tempo a perder, porém, hoje mais importante do que publicar algo relevante é simplesmente publicar. Muitos chegam a dizer que, para sobreviver na academia, temos que ter “estratégia de publicação”. Inverteu-se a lógica: ao invés de a produção científica ser resultado natural de indagações e inquietações acadêmicas (ou, se preferirem, de uma “estratégia de pesquisa”), está se tornando cada vez mais comum a decisão de formular projetos e participar de núcleos de pesquisa a partir de seu potencial para gerar a maior quantidade possível de publicações, independentemente do conteúdo. Ao fazer isso, tomando-me de metáfora formulada por uma grande colega, professa Rossana Reis (FFLCH-USP), tenho a sensação de que estamos caminhando felizes para a câmara de gás: quanto mais produzimos e quanto menos refletimos sobre o que estamos produzindo, mais munição estamos dando para aqueles que advogam a inutilidade de nossas funções perante à sociedade.

Essa estrutura de incentivos produtivista também está desnudando e potencializando práticas no mínimo questionáveis na academia – quando não antiéticas. Dois exemplos emblemáticos são a explosão de coautoria em textos científicos e a publicação de artigos em revistas predatórias (isto é, periódicos que publicam qualquer coisa em troca de pagamento). A questão da coautoria é algo muito complexo e que demandaria mais espaço para ser discutida com propriedade. Coautoria em si não é problema algum: pelo contrário, dada a crescente interdisciplinaridade e especialização acadêmicas, a possibilidade de publicar trabalhos em conjunto é um mecanismo importantíssimo para viabilizar determinadas empreitadas intelectuais. O problema é a disseminação da prática (muito difícil de provar, mas que todos sabem que ocorre, e em intensidade cada vez maior) da coautoria fantasma. Isto é, acadêmicos que pouco ou nada colaboraram para a produção de um determinado artigo aparecem como autores desses trabalhos, seja devido a uma troca de favores (eu ponho seu nome no meu artigo e você põe o meu nome no seu), seja por assimetria de poder (patrimonialismo, clientelismo e relação de dominação orientador-orientando).

O fenômeno das publicações entre orientador e orientando, em especial, constitui um problema gravíssimo. De novo: não há problema algum de orientadores e orientandos redigirem um artigo em conjunto. A questão é que está virando normalidade orientadores colocarem seus nomes em artigos de orientandos apenas por terem supervisionado esses trabalhos – algo que, ao menos nas ciências humanas e sociais, nunca foi prática corrente. Se o pré-requisito fundamental para obtenção do título de mestre ou doutor é o fato de candidatos serem capazes de apresentar à comunidade científica um trabalho individual, como se explica o fato de, magicamente, aparecem artigos, resultados diretos de teses e dissertações (em andamento ou finalizadas), com o nome do orientando e do orientador como coautores? De duas uma: ou o orientando não fez o trabalho sozinho – e, logo, a defesa da tese ou dissertação teria constituído em uma fraude –, ou o orientador colocou seu nome no artigo do aluno sem ter sido autor de fato, o que perfaz coautoria fantasma.

Tão grave quanto práticas antiéticas de coautoria é a disseminação de publicações pagas em revistas internacionais. Sob a falsa justificativa de que com a cobrança de taxas se estaria garantindo acesso aberto a artigos – algo que ocorre, de fato, com periódicos respeitáveis em ciências exatas e naturais, mas não em ciências humanas e sociais –, algumas revistas internacionais publicam qualquer coisa, literalmente, em troca de dinheiro. Para incentivar o maior número possível de submissões em todas as áreas do conhecimento, muitas dessas revistas possuem os títulos mais amplos, vazios e esdrúxulos possíveis, como International Review of Basic and Applied Sciences, International Review of Social Sciences and Humanities , e International Science and Investigation Journal (uma lista recente das principais editoras e revistas predatórias pode ser encontrado aqui: http://beallslist.weebly.com). A ânsia produtivista e pró-internacionalização vem empurrando alguns acadêmicos a procurar esse tipo de publicação, mesmo sabendo que tais revistas e editoras serão necessariamente mal classificadas por órgãos federais de ensino, como a CAPES. O pensamento é: melhor publicar algo, mesmo que em revistas predatórias, ainda mais se for em inglês, do que não publicar nada. Como consolação para as muitas e muitos na academia que são obrigados a conviver com essas práticas e ficam indignados com o fato de que essas ações antiéticas muitas vezes dão resultados (bolsas, prestígio, cargos, poder), lembremos que toda publicação permanece para a posteridade. O tempo é o melhor dos juízes para transformar em pó a reputação de acadêmicos sem escrúpulos.

Temos todas as condições de produzir novas e novos Antonios Candidos, Celsos Furtados, Florestans Fernandes e Darcys Ribeiros, mas isso não será possível se continuarmos trilhando o mesmo caminho. Precisamos debater urgentemente formas alternativas (e necessárias) de prestar contas à sociedade e à comunidade científica que não estejam baseadas simplesmente na produção quantitativa de artigos. Recuperar a liberdade, a tranquilidade e o tempo de pensamento deve ser nossa principal bandeira. Que a perda de Antonio Candido nos estimule a refletir sobre novos caminhos.

*Felipe Loureiro é Professor, Instituto de Relações Internacionais, USP

A derrocada da ciência brasileira

Foto- Monique Oliveira
Foto- Monique Oliveira

A comunidade científica enfrenta um período de trevas. O governo afiou a tesoura e cortou 44% do orçamento do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação) em março. Dos R$ 5 bilhões previstos para 2017, R$ 2,2 bilhões estão contingenciados: ou seja, o dinheiro “até existe”, mas ninguém pode gastar.  O corte vai render para 2017 o título do pior orçamento em ciência nos últimos 12 anos.

A tesoura tem um porquê, justifica o governo. O PIB caiu 3,6% em 2016 e chegamos à pior recessão da história. Quando os ministérios da Fazenda e do Planejamento divulgaram que o rombo público seria ainda maior que o previsto inicialmente, quase todas as pastas passaram por cortes para tentar segurar o déficit. A meta era cortar R$ 42,1 bilhões (28%) de onde desse. Só o Ministério da Saúde ficou de fora.

O problema, argumenta a comunidade científica, é que a ciência já vinha sofrendo cortes “generosos” nos últimos anos. Em 2013, o orçamento era de R$ 10,2 bilhões e foi sendo re­du­zido progressivamente até chegar aos R$ 2,8 bilhões de hoje (ou R$ 3,2 bilhões, se contados recursos de outras iniciativas de ciência atreladas ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento). Soma-se a isso o fato de que a ciência já tem um orçamento bem menor se comparado ao de outras áreas. O setor consome cerca de 1% do PIB, enquanto o gasto com saúde fica em torno de 8%. Para completar, tivemos a fusão do ministério com a pasta de Comunicação na era Temer.

“Resultados exemplares, como o aumento em quatro vezes da produtividade da agricultura, a melhoria da exploração de petróleo em águas profundas ou ainda o enfrentamento de epidemias emergentes… tudo isso está ameaçado.”

Luiz Davidovich, presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências)

Diante do cenário, cientistas estão boquiabertos. “Olha… a situação é grave, muito grave”, desabafa Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). “É aquela imagem de alguém se afogando e chega uma mão para afundar ainda mais”, diz Marcos Barbosa, professor de Filosofia na USP. “Os cortes ameaçam o futuro do País”, diz Luiz Davidovich, presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências).

Brasileiros perguntou ao MCTIC qual a perspectiva para o ano diante dos cortes. A resposta oficial é que a pasta tenta negociar para recuperar o orçamento. O que se comenta nos bastidores, contudo, é que isso dificilmente ocorrerá. Resta aos cientistas chamar a atenção para o impacto da tesoura: os cortes afetarão a formação de pesquisadores de todo o País; paralisarão laboratórios por falta de insumos e de materiais; impedirão pagamentos de projetos de pesquisas já aprovados; e dificultarão medidas implementadas de internacionalização da ciência brasileira. “Resultados exemplares, como o aumento em quatro vezes da produtividade da agricultura, a melhoria da exploração de petróleo em águas profundas ou ainda o enfrentamento de epidemias emergentes… tudo isso está ameaçado”, alerta Davidovich.

Marcha pela ciência: Annelise Frazão, doutoranda da USP, e Thais Guedes, pós-doutora em Biologia, no Largo da Batata, em São Paulo. “A gente não pode tapar o sol com a peneira. Temos que discutir e mostrar o que está acontecendo, independente do partido. Devemos discutir com a população os problemas”, diz Annelise. Foto: Monique Oliveira
Marcha pela ciência: Annelise Frazão, doutoranda da USP, e Thais Guedes, pós-doutora em Biologia, no Largo da Batata, em São Paulo. “A gente não pode tapar o sol com a peneira. Temos que discutir e mostrar o que está acontecendo, independente do partido. Devemos discutir com a população os problemas”, diz Annelise. Foto: Monique Oliveira

Os cortes em ciência também chegam em um momento em que fundações estaduais de apoio à pesquisa passam por dificuldades. Essas entidades, que financiam pesquisas e bolsas de pós-graduação, também enfrentam as crises dos Estados e a recessão. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo), a mais rica fundação do País, fica com 1% das arrecadações tributárias em São Paulo. Em janeiro, no entanto, deputados redirecionaram R$ 120 milhões da entidade para institutos de pesquisa. Foi a primeira vez que a Fapesp ficou com um orçamento abaixo do previsto por lei desde a sua criação em 1960.

No Rio, a situação da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) é tão grave que há atraso no pagamento de bolsas. “É uma perda grande porque esses alunos sobrevivem disso”, diz Tatiana Roque, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “No Rio, formamos uma rede para estudo do Zika em todas as frentes, mas tudo está parado.”

Também cerca de 70% da ciência brasileira é feita dentro das universidades públicas do País – e elas estão em crise. A situação na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) chegou a tal ponto que em janeiro a reitoria avisou o governo que a universidade poderia fechar. Na USP, uma intensa política de demissões voluntárias abalou o funcionamento de vários serviços da universidade e a creche foi fechada. O atual reitor, Marco Antonio Zago, estabeleceu um teto para os gastos. A medida foi apelidada de “PEC do fim da USP”.

Com tudo isso, o consenso é de que o cenário não só afeta o momento presente e o futuro: ele inutiliza o investimento já feito. Para os pesquisadores, enquanto o País se perde em meio à visão estreita do ajuste, o atraso social e científico não será recuperado facilmente. “O Brasil corre o risco de perder a competência construída ao longo de muitas décadas”, diz Davidovich.

Enquanto a tônica por aqui é segurar o orçamento em tempos de crise, a SBPC e a ABC sustentam que outros países têm visões opostas. A União Europeia, por exemplo, tem a meta de aplicar 3% do PIB em ciência até 2020. A China quer chegar a 2,5% do PIB. Coreia do Sul e Israel investem mais que 4% do PIB. “Ciência é desenvolvimento. A cada US$ 1 aplicado em ciência, retornam US$ 7”, alerta Helena.

“Eu acho os cortes abusivos e por isso estou aqui. As sociedades são dependentes de ciência em todos os sentidos e, por isso, você tem que ter um Ministério que dê prioridade à ciência, que confira uma maior diversidade à pesquisa.” Mariana Stanton, 32, bióloga. Foto: Monique Oliveira
“Eu acho os cortes abusivos e por isso estou aqui. As sociedades são dependentes de ciência em todos os sentidos e, por isso, você tem que ter um Ministério que dê prioridade à ciência, que confira uma maior diversidade à pesquisa.” Mariana Stanton, 32, bióloga. Foto: Monique Oliveira


Cortes são falta de visão?

A ideia de que ciência traz retornos certos para a economia precisa ser mais bem problematizada no caso brasileiro, dizem pesquisadores do tema. Para Renato Dagnino, da Unicamp, e Marcos Barbosa, da USP, o discurso da ciência como alavanca do desenvolvimento deve levar em conta a estrutura da economia brasileira e o fato de que políticas que apostaram nessa faceta da ciência não deram certo.

O mote ciência-desenvolvimento chegou com mais força ao Brasil em meados dos anos 2000 com a política de inovação. “Inovação aqui é a ideia de uma invenção rentável”, explica Barbosa. A política tinha por objetivo dar incentivos às indústrias que desenvolvessem projetos mais originais e de maior valor agregado – tarefa que, no Brasil, é historicamente exercida em estatais como Embraer, Embrapa e Petrobras.

“A imagem que está se formando de que esse governo é obscurantista, que não gosta da ciência, é equivocada. É apenas o reconhecimento de que os dados obtidos são irrelevantes para o mercado.”

RENATO DAGNINO, PROFESSOR DA UNICAMP

“Foi um fracasso total”, diz Barbosa. A última Pintec (Pesquisa de Inovação), referente ao período de 2012 a 2014, mostra que 36% das empresas fizeram algum tipo de inovação, valor que ficou abaixo do observado entre 2006 e 2008 (38%). O índice preocupa porque as empresas contaram com grande incentivo governamental para inovar. E essas taxas de inovação incluem itens como a compra de máquinas e softwares – quando se pensa em “inovação real”, os dados despencam.

Do mesmo modo, a falta de investimento da indústria em inovação não pode ser explicada simplesmente por uma “ausência de cultura das empresas”, diz Barbosa. O pesquisador cita trabalhos que mostram as razões pelas quais a inovação não deslancha por aqui. São três: ainda estamos concentrados na produção de commodities, que é menos dinâmica em tecnologia; em muitas indústrias, não há escala para venda mundial; e o nosso setor produtivo é muito “internacionalizado”, com multinacionais que apenas replicam aqui o conhecimento produzido lá fora.

Assim, os cortes podem ser em parte explicados porque a ciência não está logrando os resultados esperados para uma economia neoliberal. “A imagem que está se formando de que esse governo é obscurantista, que não gosta da ciência, é equivocada” diz Dagnino. “É apenas o reconhecimento de que os dados obtidos são irrelevantes para o mercado.”  Já Helena Nader, da SBPC, diz que o Brasil estava começando a mostrar para o empresariado a importância da  inovação. “Não foi um extraterrestre que tirou o petróleo do pré-sal. Foram centros de pesquisas de todo o País, financiados ao longo de todos esses anos pela Petrobras.”

“Eu acho os cortes abusivos e por isso estou aqui. As sociedades são dependentes de ciência em todos os sentidos e, por isso, você tem que ter um Ministério que dê prioridade à ciência, que confira uma maior diversidade à pesquisa.” Daniel Seda, 43, professor de tecnologia e artes. Foto: Monique Oliveira
“Eu procuro também ensinar o método científico para os meus alunos. A ciência ensina como as coisas funcionam. Eu estou aqui em defesa da ciência porque eu acho que todos devem ter acesso a ela, todos deveriam entender como o mundo funciona.” Daniel Seda, 43, professor de tecnologia e artes. Foto: Monique Oliveira

Por uma outra ciência

Se o investimento em ciência não interessa para os interesses do mercado, que os cientistas se voltem para as necessidades diretas da população, defende Dagnino. Ele diz que muitos dos problemas da nossa sociedade padecem de um “déficit cognitivo”: ou seja, não temos conhecimento disponível para pensar sobre nossos imbróglios, muitos deles históricos. “Você sabe que mais da metade da população brasileira não tem saneamento básico, né?”, pergunta o pesquisador. “Se quisermos resolver o problema com tecnologia convencional, teremos um custo econômico e ambiental absurdo porque essa tecnologia não foi renovada. Sem falar que não geraremos trabalho e renda, não vamos fomentar setores da economia que poderiam usufruir desse poder de compra do Estado”, explica.

Dagnino defende uma revisão na política científica brasileira para que sejam priorizadas no Brasil as chamadas “tecnologias sociais”, um ramo do conhecimento que tem ganhado defensores na esquerda. É a ideia de que a ciência feita com dinheiro público deve ser usada para melhorar as condições de vida da população diretamente. Segundo ele, também a esquerda hegemônica não deve considerar a ciência como neutra. Há um tipo de ciência que pode, sim, promover mais igualdade.

Na aula magna de apresentação dos cursos de pós-graduação da USP desse ano, o neurocientista Miguel Nicolelis afirmou que a ciência não vive sem utopia. Parte dessa utopia, disse, deve levar o cientista a pensar para além dos artigos publicados ou da bolsa recebida. “O cientista tem um compromisso com a humanidade e pode ter uma posição política.”

"É importante se mobilizar não só para defender a ciência, mas para disputar uma política científica mais justa. De que adianta uma ciência autônoma e forte, se suas instituições forem o retrato da nossa elite, e suas aplicações só ampliarem nossa desigualdade? ". Miguel Said, professor da UFABC (Universidade Federal do ABC). Foto: Monique Oliveira
“É importante se mobilizar não só para defender a ciência, mas para disputar uma política científica mais justa. De que adianta uma ciência autônoma e forte, se suas instituições forem o retrato da nossa elite, e suas aplicações só ampliarem nossa desigualdade? “. Miguel Said, professor da UFABC (Universidade Federal do ABC). Foto: Monique Oliveira

Se para uns essa utopia é a tecnologia social, mais próxima da população; ou a esperança de um Brasil mais competitivo com empresas inovadoras, o fato é que a ciência precisa levar esse debate para a sociedade. Na última pesquisa de Percepção Pública de Ciência e Tecnologia (2015), feita pelo MCTIC, 87,5% dos entrevistados não conseguiram citar uma instituição que se dedique a fazer pesquisa no Brasil. E 93,3% nem sequer lembraram de um único cientista brasileiro.

Impulsionada pelos cortes e pela crise, a ciência tem tentado buscar o diálogo. Prova disso é que pela primeira vez por aqui tivemos a “Marcha pela Ciência”, que no dia 22 de abril ocorreu em 15 cidades brasileiras. Em São Paulo, a marcha mostrou as divisões que povoam a comunidade científica. No evento, a fala de um convidado que criticou reformas do governo foi interrompida. A justificativa foi o apartidarismo da marcha. Também quando um passante pediu voz, a organização só permitiu a intervenção depois de manifestações favoráveis dos presentes.

Talvez não à toa, a ciência é pouco citada nas pautas de movimentos sociais – boa parte dos cientistas quer distância dos debates políticos, e boa parte da esquerda não a inclui em suas reivindicações. A comunidade científica tem, então, o desafio de levar um projeto de nação para a sociedade brasileira. E, por que não, uma utopia? Que País a ciência pode ajudar a construir e por que ela merece os recursos públicos? Que venha o debate. E que todos participem dele.

A gangue do Sargento Pimenta

Capas dos 30 álbuns selecionados nesta reportagem. Foto- Divulgação
Capas dos 30 álbuns selecionados nesta reportagem. Foto- Divulgação

*Por Marcelo Pinheiro, Daniel de Mesquita Benevides e Bia Abramo

Houve uma vez um Verão do Amor. Retrato vívido da atmosfera de sonho coletivo que cooptou parte ex­­pressiva da juventude ocidental em 1967, o álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band completa, com frescor intacto, meio século de seu lançamento no próximo dia 1° de junho. Longe de configurar episódio isolado de ousadia estética, o oitavo LP dos Beatles amplificou ex­pe­ri­­mentações presentes no trabalho lançado no ano anterior, o essencial Revolver, e difundiu estatutos de uma nova era de invenção para o rock, também ensaiada em 1966 por grupos como Beach Boys, na obra-prima Pet Sounds, e The Kinks, em alguns temas do sublime Face to Face.

Herdeiros de movimentações subterrâneas da cultura norte-americana – como as proposições de vanguarda do jazz bebop e o existencialismo hedonista da geração beat –, os jovens que protagonizaram o Verão do Amor tiveram como pautas de sua política de transformação comportamental as defesas do sexo livre e do pacifismo, o combate ao racismo, a interação com a natureza e a expansão da consciência por meio do uso recreativo de substâncias lisérgicas, como a maconha, o haxixe e o LSD – esta última, como sabemos, aludida nas iniciais de Lucy in the Sky with Diamonds, de Sgt. Peppers.

Em 1966, essa busca por transcendência, que teve a música como principal vitrine, foi sintetizada no título de um álbum homônimo falado. Nele, o psiquiatra norte-americano Timothy Leary, notório pelas pesquisas inaugurais sobre o uso do LSD, cunhou a expressão “turn on, tune in, drop out!” (em tradução livre, “se ligue, sintonize, caia fora!”). Em 14 de janeiro de 1967, essa sentença reverberou novamente em um discurso proferido por Leary durante a abertura do Human Be-In, festival embrionário do Verão do Amor, que reuniu mais de 20 mil jovens no Golden Gate Park, em San Francisco. Organizado pelo artista plástico Michael Bowen e o poeta Alan Cohen, o encontro reuniu, entre outros, o ativista Jerry Rubin, fundador do YIP (sigla em inglês de Partido Internacional da Juventude), os poetas beat Allen Ginsberg, Gary Snyder e Lawrence Ferlinghetti e bandas locais pioneiras do psicodelismo, como Grateful Dead, Jefferson Airplane e Quicksilver Messenger Service.

Com o aval científico de pesquisadores como Leary, o LSD foi comercializado para fins psiquiátricos até outubro de 1966. A substância, que era produzida e distribuída pelo laboratório suíço Sandoz, inspirou um dos primeiros temas lisérgicos dos britânicos do The Animals, a composição A Girl Named Sandoz, lançada em compacto no mesmo ano da proibição. Pouco antes, em 1962, um grupo de proto-hippies denominado Merry Pranksters (algo como “festivos gozadores”) e liderado pelo escritor Ken Kesey, autor do clássico Um Estranho no Ninho, deu início a experiências de uso coletivo de LSD em uma comunidade alternativa sediada em La Honda, na Califórnia.

Em 1964, Kesey decidiu comprar um velho ônibus escolar, cobriu a lataria de temas e cores psicodélicos e fez adaptações, como incluir um sistema de áudio para que os músicos que viajassem no utilitário pudessem “transar” um som. Com o neologismo furthur como itinerário (um trocadilho entre as palavras além e futuro), municiado de LSD diluído em litros de suco de laranja, Kesey caiu na estrada com o escritor beat Neal Cassidy, que inspirou o personagem Dean Moriarty de On The Road, de Jack Kerouac, ao volante. O drop out rodoviário tinha um propósito bem definido: cruzar o máximo de cidades norte-americanas e identificar voluntários dispostos a realizar os chamados “acid tests” (a excursão tresloucada foi retratada no livro O Teste do Ácido do Refresco Elétrico, lançado em 1968 por Tom Wolfe.)

Quando Sgt. Peppers foi colocado na praça, ações desbundadas como o Human Be-In e a itinerância chapada dos Pranksters proliferavam com a mesma desenvoltura com que Jimi Hendrix solava sua Fender Stratocaster. Nas páginas a seguir, reunimos 30 álbuns que chancelam: 1967 foi mesmo um ano mágico para a música. Não por acaso, a influência dos sonhos e os sons multicoloridos vindos de fora logo ressonaram no Brasil, com a insurreição tropicalista de Caetano Veloso, Gilberto Gil e os Mutantes no Festival da Música Popular da TV Record daquele mesmo ano. A onda bateu tão forte que, em 1967, até mesmo Ronnie Von mergulhou no psicodelismo.

Alguns títulos selecionados aqui, de bandas como Rolling Stones, The Doors e The Who, são mais conhecidos, mas todos podem ser ouvidos em plataformas de streaming como YouTube, Spotify e Deezer, escolha a sua. Antecipamos, no entanto, que todos estão disponíveis, via clique nos títulos, destacados em amarelo, no Youtube. Boa viagem! (M.P).


POR DANIEL DE MESQUITA BENEVIDES 

The Doors – The Doors (janeiro)
Com um mix original de jazz, rock e blues, e um vocalista que parecia um Prometeu erótico, os Doors logo se tornaram uma das bandas mais incendiárias da história. Tanto neste primeiro álbum quanto em Strange Days, de dezembro de 1967, Jim Morrison, Ray Manzarek, Robbie Krieger e John Densmore gravaram canções inesquecíveis, que se equilibravam entre o hedonismo sem culpas (Love Me Two Times) e incursões às turbulências da psique (The End, com seu famoso “breque” edipiano). Light my Fire ganhou as paradas e When the Music is Over virou ponto alto nos shows, muitos deles conturbados por histeria de fãs e intervenções policiais. Como Hendrix e Janis Joplin, Morrisson morreu cedo, aos 27. E entrou para a mitologia.
Country Joe & The Fish – Electric Music for the Mind and Body (abril)
Nenhum grupo de San Francisco foi mais politizado que o Country Joe & the Fish, cujo nome faz referência a Stalin e Mao. No disco de estreia, anterior a dois EPs independentes, essa politização também se dirigia ao corpo, como bem diz o título. Amor, sexo livre, legalização das drogas, defesa dos direitos civis e pacifismo contra a guerra do Vietnã faziam parte das preocupações da banda, presença constante nas manifestações de estudantes, hippies, beats e trabalhadores. Três bons exemplos desse álbum a um só tempo viajante e pé no chão: a divertida Superbirdridiculariza o presidente Lyndon Johnson; Base Stringsconclama ao uso de LSD e Grace faz uma declaração de amor a Grace Slick, musa do Verão do Amor.
The Jimi Hendrix Experience – Are You Experienced(maio)
Quem pichou “Clapton is God” errou feio: deuses de verdade eram John Coltrane e Jimi Hendrix. Não apenas porque tocavam divinamente, mas também porque foram longe em suas investigações sônicas. Hendrix adorava explorar as possibilidades de estúdio (vide If 6 Was 9) e as distorções na guitarra. Ao mesmo tempo, era um grande vocalista, de um flow suave e malandro (no melhor dos sentidos), que fazia um contraste perfeito com a violência sensual de seus solos. Ao seu lado, o baixista Noel Redding e o sensacional baterista Mitch Mitchell formavam a melhor cozinha da época. Purple HazeHey Joe e Foxy Lady, entre outras, eternizaram o trio. O segundo álbum, Axis: Bold as Love, do mesmo ano, também é uma obra-prima.
Frank Zappa & The Mothers of Invention  – Absolutely Free (maio)
Sem as canções mais “pop” de Freak Out!, este segundo álbum de Zappa e seu combo californiano é uma colagem louca e livre de sons, cuja unidade é a sátira sócio-política e o pastiche de gêneros, que vão do rock primitivo de Louie, Louie à vanguarda clássica de Stravinski. É a obra mais experimental do começo da carreira do guitarrista e compositor, e mesmo assim chegou ao Top 50 nos EUA. Anarquista convicto, Zappa também tira sarro do presidente americano logo na primeira faixa e não poupa nem mesmo os amigos hippies e psicodélicos. Como desprezava as drogas e os junkies, ele é provavelmente o único artista dessa seleção que nunca tomou LSD. Sua inteligência alucinante era suficiente para qualquer viagem.
The West Coast Pop Art Experimental Band – Part One (maio)
Banda bastante peculiar, mesmo para os padrões psicodélicos. Formada em Los Angeles, em 1965, era tida como a resposta da costa oeste ao Velvet Underground. Tiveram vida curta e apenas o álbum inicial atingiu a boa dosagem entre psicodelia, experimentação, certo desleixo bem-humorado, harmonias vocais à Byrds e melodias típicas da chamada Invasão Britânica. Há alguns covers, de Zappa e Bob Johnston, mas o que conta é a inventividade dos arranjos, a estranheza (às vezes sutil, outras escancarada) das canções e a dinâmica morde-e-assopra da narrativa musical, alternando faixas sombrias e ensolaradas. Bom antídoto para qualquer momento de tédio. Mas cuidado com a dosagem: convém consumir com moderação.
The Red Crayola – The Parable of Arable Land(junho)
Um dos álbuns pioneiros do rock experimental, em que ruídos e barulhos de toda espécie fazem parte da festa, The Parable of Arable Land é uma aventura sonora inesquecível (e perturbadora), bem diferente do espírito hippie da época. Ninguém sabia tocar direito, mas as ideias explodiam como estrelas novas. Ali já estavam contidas a atitude do-it-yourself do punk e o tom sombrio e esquizoide do pós-punk, movimento (se é que dá para chamar assim) do qual o grupo, texano como os 13th Floor Elevators, iria participar, numa nova encarnação em torno do líder Mayo Thompson, incluindo integrantes das bandas X-ray Spex, Swell Maps e Raincoats. Thompson ainda teve uma passagem pelo lendário Père Ubu.
Moby Grape – Moby Grape (junho)
Uma das bandas mais subestimadas da história do rock. Melhor que seus amigos de San Francisco, o Jefferson Airplane e o Grateful Dead, a Moby Grape tinha três geniais guitarristas e cinco ótimos vocalistas. De quebra, todos compunham. A produção do disco de estreia, um dos grandes lançamentos dos anos 1960, é de um frescor tal que parece que foi gravado hoje. Melodias bonitas, harmonias arrepiantes e um entusiasmo contagiante quase fazem esquecer a trajetória triste do quinteto, que, não fossem os cartolas da música, as prisões por porte de drogas e as brigas internas (além da esquizofrenia de Skip Spence, que dois anos depois lançaria o lindo e alucinógeno Oar), teria sido tão popular quanto Beach Boys e Byrds.
Pink Floyd – The Piper at the Gates of Dawn(agosto) 
As duas primeiras músicas formam um dos começos mais arrebatadores do rock. Astronomy Domine e Lucifer Samdefinem a origem do Floyd: órgão viajante (quando não sinistro), metáforas espaciais, guitarras levemente distorcidas, efeito nos vocais, melodias doces e estranhas, baixo e bateria beirando uma síncope. Interestellar Overdive é outro ponto alto: corta o disco inaugural da banda como um raio cósmico. Syd Barrett ainda não tinha pirado ompletamente com o LSD no chá das cinco (e das seis, sete….). Suas composições, entre o infantil e o lunático, que por vezes fazem lembrar Lewis Carroll, revelam um talento nunca igualado. Nem mesmo os Beatles, gravando no mesmo estúdio, o lendário Abbey Road, fizeram melhor.
Vanilla Fudge – Vanilla Fudge (agosto)
Ponte direta entre o rock psicodélico e o heavy metal, o Vanilla Fudge influenciou decisivamente bandas como o Deep Purple e o Led Zeppelin, que chegou a abrir alguns shows do quarteto de Long Island (Nova York). Guiado por um Hammond pantanoso, o Fudge gravou vários covers no bem-sucedido álbum de estreia, que chegou ao sexto posto na parada americana. Entre eles, Ticket to Ride e Eleanor Rigby, dos Beatles, e People Get Ready, do imbatível soulman Curtis Mayfield. A novidade estava no andamento mais lento e pesado das versões, de forma que as canções ficavam quase irreconhecíveis, proporcionando um clima de chapação forte. Além do organista Mark Stein, o destaque era o batera Carmine Appice.
Procol Harum – Procol Harum (setembro)
Para quem só conhece A Whiter Shade of Pale, single tocado em toda rádio rock que se preze, o primeiro disco da banda inglesa deve ser uma boa surpresa. O estilo é ousado: um pré-progressivo com pegadas alternadas de pop e hard-rock, piscadelas ao clássico e à música de vaudeville ou dance-hall (algo, aliás, bem típico das bandas inglesas da época, vide Beatles e Kinks) e vocais de soul branco. Há melodias que grudam no ouvido e climas de órgão e piano fazendo cama para letras sombrias, cheias de imagens sugestivas. Depois gravaram outros álbuns tão bons ou até melhores, como A Salty Dog, de 1969. Recentemente voltaram a se reunir e lançaram uma nova coleção de inéditas, Novum, com elogios da crítica.
Beach Boys – Smiley Smile (setembro)
Este é o primeiro disco do grupo em que a liderança de Brian Wilson não se traduz na música. Se a banda perde o lado mais experimental e sublime, revelado um ano antes na obra-prima Pet Sounds, parece ganhar em coesão e entusiasmo. A coesão está em Smiley Smile, um disco que frustrou muita gente na época, pois lançado depois das especulações sobre o inacabado Smile (que, bem mais tarde, ganharia várias edições especiais). Na verdade, é muito bom, trazendo grandes harmonias vocais e esquisitices divertidas. Além disso, tem Heroes and Villains e Good Vibrations, dois dos melhores singles dos anos 1960. No quesito entusiasmo está o álbum Wild Honey, do mesmo ano, com uma pegada mais solta, beirando o soul.
The Electric Flag – The Trip Original Soundtrack(setembro)
Um sujeito careta toma ácido pela primeira vez e sai pelas ruas de Los Angeles. Passa por festas, casas noturnas, praias. Cores, luzes e sons explodem em sua mente e na do espectador. Ele é Peter Fonda. O roteiro é de Jack Nicholson. O filme, The Trip, é de Roger Corman, lenda do cinema B. A trilha sonora faz o acompanhamento perfeito para as aventuras lisérgicas na tela. É o primeiro lançamento da banda Electric Flag, fundada pelo guitarrista Mike Bloomfield, que fez história em alguns dos melhores discos de Bob Dylan. Todo instrumental, o álbum traz breves suítes de um psicodelismo impressionista e alguns blues funkeados, especialidade de Bloomfield. Bom clima para qualquer temperatura, em qualquer época.
Tim Buckley – Hello, Goodbye (setembro) 
Um dos vocalistas mais impressionantes dos anos 1960, não apenas pelo alcance extraordinário, mas também pela entrega emocional, Tim Buckley teve vida curta e morte trágica, como seu filho, Jeff Buckley, igualmente talentoso e mais conhecido pelas novas gerações. Era uma figura romântica, sempre em busca de um ideal, não importando as consequências. Construiu uma carreira não comercial, com mudanças de estilo e um direcionamento crescente para improvisações jazzísticas e experimentais, o que contrastava muito com o folk-rock gentil e poético do homônimo primeiro disco. Tinha apenas 21 anos em Hello, Goodbye, o seguinte. É seu álbum mais abertamente psicodélico, com belas e oblíquas melodias e letras enigmáticas.
The Rolling Stones – Their Satanic Majesties Request (dezembro)
Depois de lançarem o genial Between the Buttons no começo de 1967, com as clássicas I Can’t Get No (Satisfaction) e Ruby Tuesday, os Stones se viram diante do Sgt. Peppers. O álbum dos eternos rivais fazia com que tudo parecesse antiquado. De certa forma, obrigava os demais a darem uma resposta. Their Satanic…, a investida de Jagger & Cia., no entanto, não fez mágica, apesar da capa com os chapéus de feiticeiros. Tirando She’s a Rainbow e 2000 Light Years from Home (alô, Primal Scream!), o disco naufraga em experimentos estéreis com batidas tribais, ruídos e ingênuas intenções hippies. Nos anos seguintes, se redimiram numa sequência talvez nunca atingida: Beggar’s Banquet, Let it Bleed, Sticky Fingers e Exile on Main St..
Traffic – Mr. Fantasy (dezembro)
Todos no Traffic tinham sólida formação musical (o que talvez explique a diversidade nos arranjos da banda), a começar do vocalista, guitarrista e tecladista Steve Winwood, que aos 15 já cantava no Spencer Davies Group. Mais ligado ao jazz, soul e folk, ele fazia frente ao espírito pop e psicodélico de Dave Mason, que, além de guitarra e baixo, também tocava cítara. Antes de lançado o primeiro álbum, Mason deixou a banda, completada pelo baterista e letrista Jim Capaldi e o saxofonista e flautista Chris Wood. A faixa Dear Mr. Fantasy ganharia versões de Hendrix, Grateful Dead e Crosby, Stills, Nash & Young. Nos EUA o álbum foi lançado como Heaven Is In Your Mind, acrescido dos três primeiros singles do grupo.

POR MARCELO PINHEIRO
Donovan – Mellow Yellow (janeiro)
Mais por compartilhar influências – sobretudo do ídolo Woody Guthrie – do que por imitar o bardo norte-americano, Donovan Leitch foi celebrado como uma espécie de Bob Dylan escocês. Em seu terceiro álbum, no entanto, decidiu abandonar os maneirismos folk para acrescentar guitarras distorcidas, contrabaixo elétrico, solos de órgão e sitar indiano. A materialização dessa nova fase, o álbum Sunshine Superman, veio à tona em setembro de 1966. A transição deu tão certo que meses depois, em janeiro de 1967, Donovan botou na praça Mellow Yellow, um sucessor à altura. Capitaneado pela faixa-título, que traz arranjo e contrabaixo de John Paul Jones, o álbum também reúne outro futuro led zeppelin, o guitarrista Jimmy Page.
The Byrds – Younger Than Yesterday (fevereiro)
Gravado em janeiro de 1966 e presente em 5th DimensionEight Miles High é considerado o primeiro registro psicodélico. Com frases e solos dobrados de guitarras de 6 e 12 cordas, as legendárias Rickenbacker de Roger McGuinn, a canção, no entanto, foi boicotada logo que seu título foi interpretado como uma apologia ao LSD. McGuinn, porém, jura ter feito uma homenagem a John Coltrane – daí a dinâmica bebop. Equivocada ou não, a polêmica fez com que o grupo caísse em breve derrocada comercial. A bancarrota, felizmente, não sabotou a beleza deste sucessor, que reúne temas luminares, como So You Want to Be a Rock n’ Roll Star e duas das melhores composições de David Crosby, Mind Gardens e Everbybody’s Been Burned.
Grateful Dead – The Grateful Dead (março)
Nomeado guru dos conterrâneos do Jefferson Airplane na contracapa de Surrealistic Pillow, até chegar a este début Jerry Garcia e sua trupe de proto-hippies já haviam percorrido, desde 1965, um longo caminho de derretimento cerebral na cena de San Francisco. Produzido por David Hassinger – responsável pela sonoridade de Aftermath (1966) dos Stones, e que depois assinaria o álbum de estreia do Electric Prunes –, o LP epônimo capta a estética transgressora dos papas do acid rock e capitula convenções pueris da primeira metade dos anos 1960, para abrir um caminho de expansão mental e musical. Com canções assinadas coletivamente, o LP também reúne releituras de Sony Boy Williamson e Jessie “The Lone Cat” Fuller.
The Velvet Underground – The Velvet Underground & Nico (março)
Um dos mais influentes álbuns da história do rock, inspiração para bandas como Modern Lovers, The Fall e Joy Division, The Velvet Underground & Nico dispensa maneirismos ripongas e versa sobre temas obscuros como sadomasoquismo e dependência de heroína. Embalado com arte gráfica de Andy Warhol, também produtor e responsável pelo acréscimo da voz sedutora da modelo alemã Nico, o álbum não traz sequer vestígios de celebração à paz, ao amor e à atmosfera solar de 1967. Autor de oito das 11 composições – as demais com John Cale (Sunday Morning e Black Angel’s Death Song), Sterling Morrison e Moe Tucker (European Son) –, Lou Reed impõe sua grandiosidade em Waiting for the ManI’ll Be Your MirrorFemme Fatale e Heroin.
Jefferson Airplane – Surrealistic Pillow (março)
Ao lado de bandas como Grateful Dead e Quicksilver Messenger Service, o Jefferson Airplane foi ponta de lança da cena psicodélica de San Francisco. Lançado em março de 1967, Surrealistic Pillow, segundo álbum do grupo, é um dos pilares do chamado Frisco Sound e marca a entrada da cantora Grace Slick na banda. Egressa do Great Society, Grace trouxe de seu ex-grupo dois clássicos instantâneos: White Rabbit e Somebody to Love. Em meio a sutilezas acústicas, frases de flautas transversais, riffs e solos frenéticos de guitarras, o “travesseiro surrealista” do Jefferson Airplane reserva ainda tesouros como TodayMy Best FriendComing Back to Me e D.C.B.A-25 – esta última faz referência aos acordes da canção e ao composto químico do LSD.
The Electric Prunes – The Electric Prunes (abril)
Em um artigo escrito dias depois da morte de Jimi Hendrix em 1970, o escritor Luiz Carlos Maciel defendeu que a grande revolução do guitarrista foi expandir as possibilidades da música por meio do uso da eletricidade. Repleto de efeitos de estúdio, sobretudo o uso de trêmulos e wah-wahs travestidos de cítara na guitarra de Ken Williams, o primeiro álbum do Electric Prunes chancela, até mesmo no nome da banda (os ameixas elétricas), essa teoria. Capitaneado pelo sucesso de I Had Too Much to Dream (Last Night), Top 11 da Billboard e presente em dez entre dez coletâneas com o melhor do rock psicodélico, o LP não renega o passado surf e garage rock da banda californiana, originada a partir da extinção do The Sanctions.
The Kaleidoscope – Side Trips (junho)
Los Angeles divide com San Francisco o status de epicentro da revolução psicodélica. Da Califórnia e adjacências vieram bandas divisoras como The Doors, Love e Buffalo Springfield. Menos conhecido, mas não menos cultuado, o quinteto Kaleidoscope fez de Side Trips, seu álbum de estreia, uma miríade de sonoridades inusitadas. A fórmula dos compositores Chris Darrow e David Lindley contou com o uso de instrumentos gregos, persas e indianos, como bouzouki, vina e dombek. Composições como Egyptian Garden e Keep Your Mind Open – eleita pela revista Mojo uma das 100 maiores canções psicodélicas – fizeram a cabeça de ouvintes anônimos e de estrelas como Jimmy Page, que considera Side Trips seu álbum predileto dos anos 1960.
The Seeds – Future (agosto)

Símbolo da estética proto-punk – de bandas como The Sonics, The Wailers, Count Five e The Litter –, o The Seeds foi liderado por um dos maiores freaks do panteão psicodélico, o vocalista e compositor Sky Saxon. Também egresso da cena de L.A., o quarteto decidiu expandir horizontes musicais em Future, depois de rarefeitas experiências transcendentais em seus dois primeiros álbuns. Em meio à oratória debochada de Saxon, riffs obsessivos de guitarra, órgão e piano elétrico saltam aos ouvidos em mantras hipnóticos do melhor acid rock, como Flower Lady and Her AssistantTravel With Your Mind e A Thousand Shadows. Produzido em paralelo ao lançamento de Sgt. Pepper’s…Future também conta com breves arranjos orquestrais.

Eric Burdon & The Animals – Winds of Change(setembro)
Nanico, mas dono de uma das vozes mais potentes de sua geração, Eric Burdon foi um dos artífices da chamada Invasão Britânica. Em 1966, com a saída do baixista Chas Chandler, que abandonou o Animals para pavimentar a carreira de ninguém menos que Jimi Hendrix, Burdon reformulou a banda e iniciou a guinada psicodélica que culminou em Winds of Change. Com efeitos sobrepostos às canções, como o barulho do mar na singela Poem by The Sea, uma versão arrasa-quarteirão de Paint it Black, dos Stones, e citações a ícones do soul, do rock e do jazz em It’s All Meat, o álbum também traz um “diálogo” com o universo hendrixiano em Yes, I’m Experienced. Menos energéticas, mas impregnadas de beleza, faixas como Good Times e Anything fazem desta incursão psicodélica uma pequena obra-prima.
Buffalo Springfield – Buffalo Springfield Again(novembro)
Em um ano turbulento para a banda liderada por Stephen Stills e Neil Young, com saídas temporárias deste último, a chegada às lojas do segundo álbum do grupo californiano foi um alento para os fãs de primeira hora. Resultante de um processo de produção fragmentado ao longo de 1967, o LP reúne dez composições. Entre elas, joias de autoria de Young, como Mr. SoulBroken Arrow e Expecting to Fly, canções insuspeitas de Stills, como BluebirdEverydays e Rock n’ Roll Woman, e as três primeiras composições do guitarrista Richie Furray, Sad MemoryGood Time Boy e A Child’s Claim to Fame. Antes de iniciarem consagradas carreiras solo, Young e Stills lançaram ainda um terceiro álbum do grupo, o também obrigatório Last Time Around (1968).
Cream – Disraeli Gears (novembro)
Intitulado com uma corruptela entre o nome do ex-primeiro ministro britânico Benjamin Disraeli e o termo derailleur gears (câmbio de bicicleta), Disraeli Gears é o segundo álbum do Cream. Formado por Eric Clapton (aclamado em seu país como o “Deus da Guitarra” até a chegada de Jimi Hendrix por aquelas bandas), Jack Bruce (baixo) e Ginger Baker (bateria), a banda personificou o conceito de power-trio. Em Disraeli Gears, no entanto, atribuiu à atmosfera bluesy selvagem texturas psicodélicas baseadas sobretudo no uso do pedal wah-wah na guitarra de Clapton – caso explícito de Tales of Brave Ulysses, cantada por Bruce. Hit do álbum, Sunshine of  Your Love escancara a cadência hipnótica de Baker, um dos maiores bateristas de sua geração.
Love – Forever Changes (novembro) 
Em janeiro de 1967, os californianos do Love lançaram Da Capo, seu segundo álbum. Nele, em faixas como Orange Skies e She Comes in Colors, é perceptível a transição para as texturas lisérgicas que culminaram na obra-prima Forever Changes. Liderada por Arthur Lee, cantor e compositor de brilho intenso, a banda também contava com outro autor inspirado, o guitarrista Bryan McLean. Ao longo de 11 temas – alguns revestidos de cordas e sopros, outros marcados pela estética folk e influências flamencas –, Lee e McLean emocionam com o lirismo de canções como Alone Again OrOld ManThe Red Telephone e a apoteótica You Set The Scene. A despeito das “mudanças eternas” do título, o álbum antecipa vestígios da ressaca de realidade que capitulou o Verão do Amor, sintetizada depois por John Lennon com a sentença “o sonho acabou”.
Strawberry Alarmclock – Incense and Peppermints(dezembro)
Também egressos da cena californiana, os músicos do Strawberry Alarmclock fizeram da capa (hippie até a medula) e do título de seu primeiro álbum (“incenso e balas de hortelã-apimentada”, notórios atenuantes para o mau cheiro da maconha) carta de intenções de suas proposições desbundadas. Associada ao som personalíssimo do sexteto, responsável por impecáveis harmonias vocais, a estratégia de marketing deu mais que certo: impulsionado pelo compacto que contém a faixa-título, o grupo vendeu milhões de cópias. Do transe inaugural de The World’s On Fire, passando pelos loopssinestésicos de Rainny Day, Mushroom, Pillow, até chegar ao desfecho jazzy de Unwind With The Clock, a viagem do Despertador Morango não contém bad trips.
13th Floor Elevators – Easter Everywhere(dezembro)
Prova inconteste de que a chapação estava prestes a tomar os EUA de norte a sul, o primeiro grupo a estampar na capa de um LP o termo “psicodélico” foi este combo texano, que, em 1966, lançou o cultuado The Psychedelic Sounds of The 13th. Floor Elevators. Liderada pelo brilhante poeta Roky Erickson, que enfrentaria problemas psiquiátricos a partir da década seguinte, a banda lançou no ano seguinte um consistente sucessor. Composto de dez canções assinadas por Erickson, o guitarrista Tommy Hall e o freak Stacy Sutherland (que tocava jarra elétrica!), Easter Everyhere reúne tesouros como She Lives (In a Time of Her Own)I Had to Tell YouPostures (Leave Your Body Behind) e uma releitura de It’s All Over Now, Baby Blue, de Bob Dylan.
The Who – The Who Sell Out (dezembro)
Depois de conquistar os Estados Unidos com uma turnê arrasa-quarteirão que contabilizou um sem-número de guitarras e kits de bateria destruídos em rituais selvagens, os britânicos do The Who se trancafiaram em estúdio para produzir seu terceiro álbum. Longe de obsessões da cultura mod, Pete Townshend, Keith Moon, John Entwistle e Roger Daltrey investiram neste ambicioso álbum conceitual. Nele, sugerem que, a exemplo dos produtos anunciados na capa do LP, eram só mais um item “descartável” da sociedade de consumo. Concebido como um programa da pirata Radio London, em meio a faixas cabeçudas como I Can See For Miles, Tattoo e Armenia City in the SkyThe Who Sell Out é recortado por hilárias vinhetas. Um primor.

Presa por vazar dados ao WikiLeaks, Chelsea Manning é solta nos EUA

Chelsea Manning
Chelsea Manning
  • Manuela

O Exército dos EUA confirmou que a militar Chelsea Manning foi solta da prisão de Fort Leavenworth, no Kansas, nesta quarta-feira, 17/5, após sete anos atrás das grades. Condenada originalmente a 35 anos de prisão por vazar dados ao WikiLeaks, Chelsea teve sua sentença comutada em janeiro de 2017 pelo ex-presidente Barack Obama em uma das suas últimas ações no cargo.

“Agradeço o apoio incrível que recebi de tantas pessoas ao redor do mundo nesses últimos anos”, afirmou Chelsea em um comunicado enviado para a rede ABC News.

Chelsea foi condenada por vazar informações diplomáticas e militares ao WikiLeaks em 2010, que incluem vídeos de ataques aéreos no Iraque e Afeganistão, junto com documentos classificados enviados ao U.S. State Department. Ela foi presa e começou a cumprir pena no mesmo ano.

Os dados oferecidos por Chelsea ajudaram a colocar o WikiLeaks no mapa como uma fonte secreta do governo, mas pediu rápida condenação de oficiais americanos.

Obama comutou a pena de Chelsea porque disse acreditar que ela assumiu responsabilidade e expressou remorso por seus crimes, de acordo com representantes da Casa Branca.

Espelho, espelho nosso

Há algum tempo os pacientes falam mais de séries do que de filmes. O ritual de ir ao cinema e depois discutir impressões no café foi gradualmente substituído pela cerimônia mais íntima e às vezes muito mais solitária de consagrar o fim de semana inteiro para zerar uma série. Traições e contendas surgem quando alguém adianta a ordem dos capítulos, vai direto para a última temporada ou faz spoiler, como o leitor terá logo abaixo sobre a série Black Mirror. Há anos minha casa tornou-se um ponto de encontro domingo à noite com amigos de meus filhos vibrando a morte e a vida de Jon Snow ou Ramsey, em Game of Thrones. Antes disso vieram as quintas-feiras com House e as noitadas de Law and Order.  No Brasil este fenômeno dá continuidade à arquetípica experiência familiar de assistir novelas juntos. Narrativas deste tipo são um poderoso alimento para a nossos laços sociais não apenas pelos exemplos que trazem, pelos conflitos que tratam, mas também pela lógica específica de reconhecimento que nos convidam a praticar.

Black Mirror (2011-2016) é a primeira série que toma para si, como tema e como forma, a própria degradação da experiência exigida por este novo formato digital. Lembremos que o espelho negro é uma técnica de bruxaria que envolve visualizar o futuro a partir da deformação artificial das imagens refletidas no presente. De fato a série trabalha sistematicamente com a exageração de tecnologias que se não estão disponíveis no momento, podemos intuir sua existência em um futuro próximo. Disso tiramos consequências éticas desagradáveis. Não se trata de uma ficção científica que nos faz olhar, de longe, os efeitos distópicos do que hoje valorizamos, mas de um reflexo do que já está em curso no momento. A série é uma espécie de mapa conceitual de novas formas de sofrimento, o que torna o experimento dotado de alto valor para clínicos e psicanalistas.

No fundo, a grande questão em Black Mirror são as experiências de falso reconhecimento. Elas estão na origem de nosso sentimento de inadequação, do ressentimento incurável gerado por uma cultura de promessas não cumpridas e de amores exagerados. O déficit crônico de reconhecimento, seja ele nomeado como depressão ou como baixa autoestima, aparece em um amplo espectro de sintomas que  vão da insatisfação insolúvel com o corpo próprio, com a carreira, com o país onde se vive, com a vida que se leva. Experiências massivas de falso reconhecimento são a causa social epidêmica para a indução de sofrimento neurótico na atualidade. Vidas sentidas como deficitárias, inautênticas e abaixo do que se espera são frequentemente vidas formadas à base de ideais de reconhecimento muito além do que se pode realizar, mas sobretudo vidas que não entenderam que é possível e desejável escolher os termos pelos quais se quer ser reconhecido. A lei do reconhecimento não tem conteúdo a priori, por isso a luta pelo reconhecimento não é apenas como uma batalha narcísica para ver quem tem mais e melhor imagem, mas um antagonismo estrutural para determinar qual lei simbólica governará nossas experiências de reconhecimento.

No episódio Nosedive a protagonista só pode ter o direito de comprar uma determinada casa se estiver em certo patamar social de pontuação. Para tanto ela deve ser aprovada por pessoas da classe superior à dela. Tudo isso ocorre em meio a um sistema de avaliação permanente das pessoas por qualquer gesto, ato ou encontro cotidiano, feito por meio do celular. O reconhecimento dos mais reconhecidos vale mais que o reconhecimento dos menos reconhecidos. Logo, vale a justiça bíblica de Mateus: “quem muito tem, mais lhe será dado, quem pouco tem, mesmo este pouco lhe será tirado”.  Todos os desastres acontecem no caminho para chegar ao casamento da amiga “popular”, onde ela espera ser devidamente pontuada. Isso mostra que a degradação do reconhecimento decorre da obsessão em progredir na sua corrida sem questionar seus termos ou sua conveniência. Ao aceitar esta lei geral de “uberização” das relações sociais, com métodos e médias de aprovação que subornam as pessoas, o episódio faz emergir, ironicamente, a lei obscena que tal métrica cria.

Em outro episódio, o primeiro ministro britânico deve manter relações sexuais com um porco, com transmissão ao vivo em todos os meios de comunicação, como forma de salvar uma princesa sequestrada. Ainda que ela tenha sido liberada antes da hora, ainda que o dedo enviado pelo sequestrador seja falso, ainda que tudo tenha sido uma farsa inventada por um artista performático, a verdade criada por esta estrutura de ficção impõe um registro de realidade autônomo, impulsionando a carreira do político. O heroísmo criado pelas circunstâncias volta-se contra a intenção inicial do artista de denunciar a servidão que temos diante de nossas imagens públicas. Ou seja, ao tentar simbolizar o funcionamento imaginário da política como espetáculo, o artista teve seu ato absorvido a este mesmo imaginário.

De quantas formas podemos fracassar, bloquear ou recusar reconhecer o outro e a nós mesmos? Freud [1] tem um pequeno artigo dedicado ao falso reconhecimento em que examina esta experiência de estranhamento na qual sentimos que já estivemos ali, ou que aquela situação já aconteceu, o déjà-vu(sentimento de já ter visto) e o déjà-raconté (sentimento de que já se falou aquilo). Uma forma mais branda deste fenômeno ocorre quando nos sentimos telepatas, pensando em uma pessoa que logo em seguida nos liga, ou quando somos tomados pela intuição de que sabemos que algo vai acontecer. Pitágoras argumentou que eram reminiscências de vidas passadas e a neurologia sugere tratar-se de uma espécie de descompasso na tramitação dos impulsos cerebrais entre os dois hemisférios. Para a psicanálise as duas hipóteses são verdadeiras, trata-se de uma vida passada, a vida infantil, e estamos mesmo diante de um descompasso entre a inscrição inconsciente e consciente, entre desejo e memória. Por isso recordamos algo sem saber exatamente o que estamos recordando, mais ou menos como no luto quando sabemos que perdemos alguém, mas não sabemos exatamente o que foi perdido junto com a pessoa. Esta é a questão perturbadora que nos leva, tantas vezes, a perguntarmos: quantos gramas de real existem em uma determinada articulação simbólico-imaginária?

É o caso do episódio San Jinupero, no qual pessoas em estado vegetativo vivem uma experiência de ilusão, no interior da qual certas escolhas podem ser feitas. Neste contexto, a protagonista tem que escolher entre o companheiro familiar, com o qual levou uma vida morna, e uma grande paixão de juventude por outra mulher. Ela escolhe, improvavelmente, a segunda. Ou seja, é uma denúncia de que vidas inteiras podem ser consumidas em estado de falsidade quando não se reconhece o próprio desejo. É também uma alusão ao fato de que certos atos possuem a propriedade de separar imaginário e simbólico, decidindo seu sentido e sua ordem.

Quando se trata do falso reconhecimento entre memória e desejo, Freud cita o caso do paciente que lembrava-se de ter ferido o dedo com uma navalha e que viveu muito tempo depois disso achando que tinha um dedo a menos. Falsas lembranças levam a falsos reconhecimentos. O falso reconhecimento envolve tanto a relação consigo e o próprio corpo (sentido então como impróprio) quanto a relação com o outro (sentido então como estranho). O correlato disso em Black Mirror é o episódio da mulher que perde seu marido e gradualmente o substitui por um robô com anatomia, memórias e disposições do falecido. O incômodo que sentimos com isso é que percebemos que ela está se enganando; mas o engano é tão eficaz que será que ele não vale a pena?  Neste caso parece ser o simbólico que reocupa e substitui este grama impossível de real: a morte e a finitude.

O falso reconhecimento pode decorrer também da dificuldade de separar nossa percepção de nossa alucinação. No episódio Men Against Fire, soldados são submetidos a um implante cerebral de tal forma que enxergam seres humanos estrangeiros e indesejáveis como baratas que devem ser exterminadas. Isso evita o sentimento de piedade que pode perturbar a eficácia da operação. Um determinado erro permite que o protagonista veja as coisas como elas realmente são. Também em Polar Bear uma assassina é condenada a reviver todos os dias, em uma espécie de Big Brother, as experiências terríveis que infligiu a sua vítima. Depois de um dia neste parque de horrores e perseguições ela é submetida a uma máquina de esquecimento para reviver e repetir seu martírio no dia seguinte, sendo punida, assim,infinitamente pelo seu crime (elatorturou e matou uma criança).  Nos dois casos, o sistema de ilusões comporta uma espécie de erro na máquina. Minha percepção é real, vejo seres humanos como baratas, vivo as perseguições como reais, mas elas são em verdade percepções alucinadas porque eu não consigo reconhecê-las como falhas de memória ou falhas de percepção.  Quando emerge a possibilidade de reconhecer o erro, quase sempre o sujeito escolhe o pior. Tendo percebido que as pessoas são vistas como baratas, o soldado é indagado se quer ser tratado como uma barata pelos outros ou se prefere ter suas memórias apagadas e começar de novo. O que há, portanto, de mais real é o erro e a falha, e o que há de mais trágico é este real emergir e não o reconhecermos, nada querendo saber ou lembrar dele.

O interessante da série é que ela quase sempre supera o primeiro nível no qual certa ilusão é denunciada submetendo o sujeito a uma segunda escolha. Ou seja, quando descobrimos a mentira de nossas ilusões, podemos escolher reforçar nossas ilusões. Continuar a agir como se não soubéssemos. Nem sempre o reconhecimento do falso reconhecimento leva a uma verdadeira transformação. Ele pode nos levar a uma espécie de dupla alienação, uma alienação dentro da alienação, como vemos no episódio do jovem garoto que passa a vida viajando, evitando atender o telefonema de sua mãe, e que acaba enlouquecendo ao se submeter como cobaia em um teste para a criação de um videogame de terror.

O falso reconhecimento também pode ser produzido por meio da exageração de afetos ou interesses, ao modo de um espelhismo de recordação. Por exemplo, em Hated in the Nation, um ex-funcionário vingativo desenvolve uma rede social onde podemos escolher pessoas que devem morrer (tanto criminosos contumazes quanto pessoas comuns que cometem erros morais). Uma vez condenado, abelhas mecânicas entram pelos ouvidos da vítima e devoram a área do cérebro responsável pela dor. Aqui a metáfora é literal, se tivéssemos os meios de nos desresponsabilizar agiríamos como uma colmeia assassina. Uma releitura atualizada da Experiência de Milgram, que na década de 1960 mostrou que sob ordens de um cientista a maior parte das pessoas faria mal a outra pessoa indefesa. Só que aqui o falso reconhecimento desloca-se da autoridade constituída da ciência para a autoridade do grupo anônimo de uma rede social. Isso capta um sentimento coletivo e ascendente de que todas as nossas instâncias de autoridade – científica, moral, religiosa ou política – são no fundo apenas expressões de um sistema de interesses obsceno. Black Mirror vai além disso ao mostrar que esta insatisfação com a impostura de nossas instituições simbólicas pode ser apenas um pretexto para dar curso aos nossos impulsos sádicos e violentos.

O mal-estar que Black Mirror cria é um espelho negro de nós mesmos. Mas ele não é apenas um indutor de angústia por que mostra nosso lado imoral, mesquinho e egoísta, mas porque denuncia e explica, de forma quase didática, como nossa forma de lidar com o reconhecimento, hoje e agora, está nos levando ao desencontro de nós mesmos e de nossos desejos. Ele mostra como nós estamos produzindo ativamente e exagerando nosso próprio vazio de experiência, tocando no ponto essencial da etiologia de sofrimento narcísico de nossa época, mais além do receituário tradicional sobre esta matéria.

 


[1] Freud, S. (1914) Acerca del fausse reconnaissance (déjà-raconté) en el curso del trabajo psiconanalítico. Sigmund Freud Obras Completas V-XIII. Buenos Aires: Amorrortu  págs. 207-212.

Diário de um pistoleiro zen

O ator Nelson Xavier interpreta Amador, 0 ex-matador de aluguel que protagoniza o filme de estreia de Erico Rassi. Foto- Divulgação : Rio Bravo Filmes
O ator Nelson Xavier interpreta Amador, 0 ex-matador de aluguel que protagoniza o filme de estreia de Erico Rassi. Foto- Divulgação : Rio Bravo Filmes

Em tratamento de um câncer de pulmão e, com a prática da meditação, reinventando sua relação mente/corpo, o ator Nelson Xavier rompe um hiato de três anos longe dos cinemas no papel de Amador, o matador de aluguel aposentado que protagoniza Comeback, longa-metragem de estreia do cineasta goiano Erico Rassi, que entra em circuito comercial no dia 25 deste mês.

Presente em grandes títulos da filmografia nacional, como Os Fuzis, de Ruy Guerra (1964), ABC do Amor, de Eduardo Coutinho (1967), Dois Perdidos Numa Noite Suja (1967), de Braz Chediak, Vai Trabalhar, Vagabundo, de Hugo Carvana (1973), e Eles Não Usam Black-Tie, de Leon Hirszman (1981), Xavier repete a boa atuação de A Despedida, de Marcelo Galvão, seu trabalho mais recente na tela grande, em que fez par romântico com Juliana Paes e, assim como a atriz, conquistou o prêmio de melhor atuação no Festival de Gramado de 2014.

Aos 75 anos, com quase 60 de carreira profissional, a cancha do veterano redime problemas, como pequenas inconsistências do roteiro, e redimensiona qualidades de Comeback, como a tensão gradual das sequências, que dialoga com a monótona rotina de Amador. Experiência à parte, em entrevista à CULTURA!Brasileiros, Xavier enfatizou a importância de um elemento que, segundo ele, reinventou sua dinâmica de atuação. “Atribuo o sucesso que tive com o Amador ao fato de meditar regularmente há sete anos. A meditação aumentou minha sensibilidade e me permitiu lidar com a interpretação de uma maneira nova. Um dos significados de protagonizar esse filme foi confirmar que a meditação me enriqueceu. Não só como pessoa, mas também na capacidade de lidar com a matéria da interpretação. Em A Despedida e em Comeback, senti uma liberdade que nunca tinha experimentado em minha carreira”, diz.

Ambientado em Goiás, na periferia de Anápolis, cidade natal de Rassi, Comeback narra o dia a dia ordinário do ex-justiceiro, que abandona o antigo ofício, mas continua a atuar no submundo do crime, exercendo a tripla função de intermediário de locação, entregador e reparador de máquinas caça-níqueis em bares decadentes, como o da cena inicial do filme. Nesse primeiro plano-sequência, rodado em um desses botecos xexelentos, Amador é procurado pelo neto de Davi, um velho amigo seu, parceiro dos tempos de pistolagem. Propenso ao crime, o rapaz, que não tem o nome revelado na trama, voluntariamente acompanha o dia a dia do matador para aprender o ofício que outrora deu a ele fama e respeito no meio da bandidagem.

Desconfortável com a insignificância de sua nova ocupação e também com a falta de traquejo para lidar com seus clientes, encerrado o expediente, Amador passa horas a folhear um álbum com cerca de 50 páginas em que, por meio de colagens de recortes de jornais da imprensa policial dos anos 1980 e 1990 – “superstar do Notícias Populares”, parafraseando os Racionais MCs –, mantém viva a memória dos crimes que cometeu. Repleto de manchetes assombrosas, como “chacina deixa seis mortos”, “banho de sangue na madrugada” e “casal morto a tiros”, para aqueles que desconhecem o ímpeto violento de Amador, o álbum serve como atestado de que ele, de fato, foi um sujeito barra pesada.

“Gostei do personagem porque ele traz uma visão independente da realidade brasileira, nunca abordada em nosso cinema, apesar da diversidade de nossa produção. Lembro de Ozualdo Candeias ter feito um filme sobre o assunto (Manelão, o Caçador de Orelhas, de 1982), mas com uma abordagem completamente diferente. Gostei muito de fazer o filme também porque tive plena liberdade para fazer o que eu sentia e escolhia”, diz Xavier.

 

 

Exibido em primeira mão no Festival do Rio de 2016, Comeback (o título faz referência a um possível retorno de Amador ao antigo ofício) rendeu a Xavier o prêmio de Melhor Ator na mostra carioca e foi considerado por alguns críticos signatário da estética western. Rassi, no entanto, parece mais norteado pela cartilha “faroeste do Terceiro Mundo” de O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla. No bangue-bangue à brasileira do diretor goiano, a inspiração para o roteiro, também de sua autoria, veio de um personagem real, mitificado pelo escritor e jornalista João Antônio.

“O filme surgiu a partir de entrevistas que fiz com o jogador de sinuca chamado Carne Frita, que serviu de inspiração para o personagem do Amador. Os dois se assemelham, na medida em que se apegam a feitos do passado como uma maneira de se sentirem relevantes, e talvez escaparem do ostracismo. Acho que o filme possui alguns elementos de faroeste, o mais forte deles a ambientação em um local onde lei e ordem não estão plenamente constituídas. Há também alguns aspectos visuais da periferia, como as ruas empoeiradas e pouco movimentadas, que podem remeter a um cenário de faroeste, mas de forma mais incidental”, defende o diretor.

Parcialmente financiado por meio de crowdfunding, Comeback também contou com uma rede de colaboradores. “A escolha de Anápolis se deu tanto por aspectos estéticos quanto por viabilidade de produção. Primeiro, a gente queria um cenário de periferia que trouxesse algum ineditismo, fugindo de uma requentada periferia paulistana ou favela carioca. E a possibilidade de filmar em Anápolis, com todo o apoio que nos foi oferecido – de parentes, amigos e moradores locais, certamente por lá ser nossa cidade natal –, acabou unindo as duas coisas”, conclui Rassi.

Entrevista realizada no dia 3 de maio, uma semana antes da morte de Nelson Xavier 

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Veja o trailer oficial de Comeback, de Erico Rassi.

 

Justiça Escolar

Foto: EBC

A greve de 28 de abril, contra as reformas ora em curso no Brasil, envolveu boa parte da população em diversos estados do Brasil, com participação popular semelhante à que verificamos nas manifestações que culminaram no afastamento de Dilma Rousseff. Se isso foi necessário para o afastamento de uma, porque não seria para o afastamento de outro? Escândalos de corrupção envolvendo ministros de Temer, impopularidade no mesmo patamar, idêntica insatisfação social com os rumos do País e como gerente geral os resultados econômicos são de mesmo quilate. Ademais se poderia dizer que uma foi eleita, o outro não. Contra isso uma mente mais imparcial diria: “é, mas ela foi uma condição crônica e dolorosa, ao passo que ele ainda é um golpe agudo e pungente”. No frigir dos ovos, empate.

Aqui levanta-se um sentimento perigoso para ambos os lados: injustiça. Por que pessoas em situação semelhante, examinadas sob mesmos critérios são tratadas de forma distinta? Uma é julgada e afastada, outro faz suas propostas avançarem no congresso. Ambos dependem dos mesmos parlamentares. Mas parece que pau que bate em Pedro não bate em João, ou, como diria Maria Rita Kehl, dois pesos duas medidas.

Não deveríamos estar todos juntos, apoiando em movimento dialético o reinício radical, em uma dupla negação determinada, de Fora Dilma-Temer? Eleições gerais, constituinte ou o que valha. Em vez disso vemos o sentimento de injustiça se capilarizar em tensão social e ressentimento cada vez mais microscópico.

É isso que acontece quando as razões são suspensas e o lado que ganha imputa ao que perdeu mera irracionalidade e desrazão. Repete-se aqui um déficit histórico mais profundo, que consiste na incapacidade renitente de reconhecer alguma razão aos perdedores. Nesta situação perder não é uma oportunidade para melhorar, renovar-se ou fazer a crítica, mas apenas humilhação. Ao perdedor o silêncio. Do outro lado, ganhar é nada mais do que confirmar que o poder é propriedade de alguém e não um efeito do revezamento necessário para que a justiça aconteça como experiência coletiva, mutuamente partilhada. Ao vencedor as batatas.

Este processo evoluiu com a entrada em cena de um personagem até então relativamente opaco: as escolas particulares. Os professores de 227 escolas paulistas, encarregados de cuidar dos futuros mandantes do país, peça fundamental deste pomo da discórdia chamado classe média, em uma atitude sem precedentes, aderiram a greve. Isso foi percebido como violação de contrato, como se nossas crianças estivessem ameaçadas pelo demônio da política.

A “criança” é uma figura fundamental da fantasia de Brasil. Em nome dela tudo se justifica. Sua pureza e inocência representam o futuro que nunca chega. A promessa em forma de berço esplêndido, conforme esta passagem inesquecível de Memórias Póstumas de Braz Cubas:

“Fustigava-o [o escravo Prudêncio], dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia – algumas vezes gemendo – mas obedecia sem dizer palavra, ou quando muito um ´ái nhônhô´ – ao que eu retorquia – ´Cala a boca, besta!´ – Esconder os chapéus das visitas, deitar rabos de papel a pessoas graves, puxar o rabicho das cabeleiras, dar beliscões nos braços das matronas, e outras muitas façanhas deste jaez, eram mostras de um gênio indócil, mas devo crer que eram também  expressões de um espírito robusto, porque meu pai tinha-me em grande admiração; e se às vezes me repreendia, à vista da gente, fazia-o por simples formalidade: em particular dava-me beijos.”[1]

Se os condomínios brasileiros da década de 1970 foram um empreendimento de “profissionalização” dos empregados domésticos, que deixavam de fazer parte da família, e passavam a usar uniforme e entrar pela porta de serviço, agora temos uma nova onda de “profissionalização domesticadora” que toca as escolas, cujo primeiro sintoma foi a Escola sem Partido e o segundo capítulo foi a barbárie com a qual a greve do professorado foi tratada. Escolas escalando estagiários para cobrir a função dos professores grevistas, pais indignados pela politização da educação, diretores de escolas gabando-se do controle que exerciam sobre seu professorado, gente descobrindo abismada que seus filhos estavam em uma “escola de esquerda”. Escolas trabalhando como depósitos de crianças apenas para “inglês ver”. Estabelecimentos interpelados pelos próprios alunos, ainda que não todos, sobre porque permitiam que seus funcionários interrompessem o trabalho pedagógico (como se a oposição fosse a qualquer projeto de reforma previdenciária e não a este projeto específico). Pais vociferando que estavam pagando pelo serviço e exigindo que os diretores sacassem a chibata … contra o escravo Prudêncio.

É parte elementar da formação política entender que o tratamento de qualquer conflito começa por reconhecer que o ponto de vista do outro possui dignidade e relevância, ainda que não concordemos com ele. A atitude daquele que quando contrariado quer levar a bola para casa é a atitude anti-política por excelência. A presunção de que a diversidade de opiniões é apenas um problema de má compreensão ou falta de caráter perpetua o complexo de Brás Cubas. Para ele os professores são extensões dos pais, que eles contratam para repetir seus próprios preconceitos. Nenhuma separação entre a vida privada das famílias e a experiência pública da escola. Serão os mesmos pais que depois reclamarão do apossamento corrupto do Estado pelos interesses privados. Os mesmos que regam as festas juvenis a álcool e orgulham-se de seu amor feito de exceções à lei. O menino é pai do homem.

Mas tanto os pais consumidores quanto os diretores acuados também têm suas razões e representam um ponto de vista interessante, preocupados que estão em entender como é possível que a educação se misture com a política, e o conhecimento com a ideologia. Querem, com bons motivos, proteger seus filhos da doutrinação, das más influências e do descaminho, que, como bem sabem, começam em casa. Querem um Brasil que volte ao trabalho, purifique-se do excesso de política, e pare de discutir as regras do jogo. Não estão contentes com Temer, como já não estavam com Dilma. Contudo, quando dois brigam é muito difícil admitir que se um estava errado o outro, ainda assim, pode não estar certo.

O que nos falta é um pouco mais de humildade para dar o terceiro passo. O passo que suspende nossa certeza sobre a justiça, tornando-a um horizonte comum de busca não apenas instrumento de opressão sobre outro ou de exercício de poder. O passo que nos leva ao terreno pantanoso no qual o direito não se identifica mais com a justiça. Para tanto devíamos lembrar do apólogo proposto pelo pensador liberal Amarthya Sen[2]:

Três crianças estão brigando para saber com quem deve ficar uma flauta. Parece óbvio que a flauta deve ir para a primeira criança, pois ela é a única que sabe tocar flauta. O argumento parece imbatível para quem se encerra em seu próprio ponto de vista, afinal do que serviria um flauta para quem não sabe como usá-la? Seria um desperdício e ademais ouvindo o som do instrumento, as duas outras crianças poderiam compartilhar este bem simbólico que é a música. O instrumento pertence a quem sabe usá-lo, e justamente por isso pode fazer a música algo que pertence a todos. Nada mais harmônico.

Se não ouvíssemos a segunda criança provavelmente concluiríamos assim.  Contudo, a justiça muda de figura quando ficamos sabendo que a segunda criança é muito pobre e não tem nenhum brinquedo. O valor que este objeto teria para ela seria muito superior ao dado pela primeira, que, agora, olhando melhor, tem muitas outras coisas com as quais brincar. Assim dando a flauta para a mais pobre isso poderia produzir um efeito transformador que é fazer esta segunda criança, que não sabe tocar flauta, aprender a tocar o instrumento.  Ficamos assim constrangidos com nossa própria estreiteza de pensamento, que nos levou a empregar um conceito de justiça tão pobre que se limita ao exame da situação presente, sem levar em conta que nossas decisões hoje podem transformar o futuro. Dar a chance para que a segunda criança seja capaz de aprender a tocar o instrumento, depois disso ela poderá ensinar tantas outras pessoas a arte da flauta. Assim o saber musical torna-se socialmente compartilhado.

As duas posições poderiam brigar indefinidamente. Ambas são justas, imparciais e não arbitrárias. Ambas seguem seus próprios termos e em acordo com suas próprias posições. Não bastasse isso a terceira menina levanta um detalhe esquecido até então. Foi ela quem fez a flauta, com suas próprias mãos, durante meses a fio, e, ao final, teve o fruto de seu trabalho tomado pelas outras. Ou seja, sedentos pela tensão entre o presente e o futuro esquecemos que os processos possuem também um passado e uma história, e esta também é fonte de justiça. Olhando desta perspectiva parece óbvio e indiscutível que quem fez a flauta é o dono dela. O resto é roubo.

O terceiro passo nos tira da lógica dualista na qual o acerto de um é o erro do outro. Mas ele nos leva a um problema maior que é perguntar: qual justiça para qual direito?

Poderíamos dizer que os igualitaristas econômicos tendem a ficar com a segunda menina, o fato de que ela é pobre determina a justiça a ser feita. Os libertários e pragmáticos ficariam com a terceira menina. Já os hedonistas e pragmáticos vão aderir à justiça de quem pode melhor usufruir dela. As coisas se complicam quando pensamos que a direita libertária e a esquerda marxista poderiam formar uma aliança em torno da tese de que a justiça emana da propriedade e do trabalho, ou seja, da terceira flautista.

É neste ponto que costumamos apelar para a suspensão das razões e recorrer a uma espécie de autoridade superior. Ocorre que no Supremo Tribunal Federal das Flautas Litigantes encontramos dois ministros que sabem tocar flauta, outros dois que são pobres e os dois últimos são egressos das fábricas de construção de flautas. Ou seja, não adianta fetichizar os tribunais e minorizar nossa razão e a dos outros, pois a situação não se resolverá por si só.

Ora, as escolas, sejam elas liberais, marxistas, pragmáticas ou hedonistas são o lugar no qual o debate das flautas deve ocorrer. Esperamos que elas formem nossas crianças na disciplina da diversidade que as habilitará ao tratamento do conflito. Caso contrário estaremos lhes prometendo um mundo com fornecimento vitalício de flautas, como fazia o pai de Brás Cubas.

[1] Assis, Machado (1881) Memórias Póstumas de Braz Cubas. São Paulo: Ateliê, pág. 87-88.

[2] Sen, Amarthya (2009) A Ideia de Justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

Boca Maldita, o reduto da livre manifestação em Curitiba

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Multidão ocupou a Boca Maldita em 12 de janeiro de 1984 (Foto: Reprodução)

Ninguém sabe ao certo quantos se levantaram contra a ditadura naquele dia. Os relatos variam de 30 mil a 80 mil manifestantes. O fato é que, na quinta-feira 12 de janeiro de 1984, uma multidão ocupou um espaço conhecido como Boca Maldita, em Curitiba, para pedir eleições diretas para presidente. Foi o primeiro grande comício pelas Diretas Já.

A ditadura estrebuchava. Os principais líderes da oposição se revezaram no palanque, a começar pelo deputado Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, um partido que à época fazia oposição aos militares. Foi também o comício de estreia do locutor Osmar Santos, cuja voz logo seria identificada como símbolo da campanha.

A Boca Maldita, epicentro do comício, corresponde ao entorno da rua XV de Novembro com a Praça Osório, no centro da cidade. O lugar é conhecido como espaço de livre opinião desde 13 de dezembro de 1956, quando frequentadores dos cafés e restaurantes da região fundaram a confraria dos Cavaleiros da Boca Maldita de Curitiba.

O lema da confraria é “nada vejo, nada ouço, nada falo”. Na prática, tudo veem, tudo ouven, tudo falam.  Desde 1956, nenhuma manifestação política em Curitiba passou ao largo da Boca Maldita. Não poderia ser diferente no momento em que a cidade se prepara para o embate entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o juiz Sergio Moro.

O espaço do levante histórico contra a ditadura foi destinado pelas forças de segurança aos apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A sombra do juiz Sergio Moro e do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, também se faz presente no local. Em 2015, ambos foram sagrados cavaleiros da confraria em jantar que acontece todos os dias 13 de dezembro desde 1956. Detalhe: até hoje mulher não entra na festa. A sorte é que a Boca Maldita das ruas é um espaço público.

Sangue, sexo e poder

No decorrer dos três séculos que separam os dois adolescentes franzinos, os Románov produziram 20 czares. Foto- Divulgação
No decorrer dos três séculos que separam os dois adolescentes franzinos, os Románov produziram 20 czares. Foto- Divulgação

A saga da dinastia Románov está intimamente associada à turbulência e ao excesso. Começou em 1613, com um rapaz franzino de 17 anos elevado a contragosto a soberano da antiga Moscóvia e terminou 305 anos depois, com a morte brutal de outro herdeiro adolescente. Aos 13 anos, fragilizado pela hemofilia, Alexei Románov foi fuzilado junto com os pais e as quatro irmãs no porão da mansão Ipátiev, em Iekaterinburgo, nos Urais. Os disparos demoraram a atingir o corpo das garotas, conhecidas pelo acrônimo OTMA, de Olga, Tatiana, Maria e Anastássia. Naquela madrugada, 17 de julho de 1918, as balas ricochetearam nas joias que as grã-duquesas tinham costurado no interior das roupas. Prisioneiras dos bolcheviques, elas ainda tinham esperança de fugir com a família de uma Rússia dilacerada pela guerra civil.

No decorrer dos três séculos que separam os dois adolescentes franzinos, os Románov produziram 20 czares, entre eles dois com fama de gênios políticos: Pedro I e Catarina II, os Grandes. Construíram também um império, que cresceu uma média de 140 quilômetros quadrados por dia e correspondia a um sexto da superfície do planeta em 1917, quando o czar Nicolau II, pai de Alexei, caiu, na sequência da revolução que levou ao poder o Partido Bolchevique, de Vladimir Lênin. São por esses três séculos que o historiador britânico Simon Sebag Montefiore empreende um excepcional estudo do poder, da brutalidade e do sexo em Os Románov 1613-1918. Autor de best-sellers como Jerusalém, Montefiore é especialista em história russa e escreveu dois livros sobre o líder soviético Josef Stálin, além de uma biografia do primeiro-ministro Grigory Potemkin, amante de Catarina, a Grande.

Em linguagem fluida e cativante, Montefiore apresenta o mundo dos Románov alternando detalhes da vida íntima de seus integrantes com assuntos de governo. O próprio autor esclarece o motivo: “É impossível entender Pedro, o Grande, sem analisar seus anões nus e papas falsos ostentando brinquedos sexuais tanto quanto suas reformas de governo e sua política externa. Ainda que excêntrico, o sistema funcionava, e os mais talentosos ascendiam a altas posições”. Dessa forma, amantes imperiais acabaram se revelando ministros de primeira linha, como foi o caso do poderoso Potemkin, durante o governo de Catarina, a Grande. Era também um mundo permeado pela traição. Seis czares foram assassinados, “dois por asfixia, um com uma adaga, um com dinamite, dois à bala”.

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Os Románov 1613-1918, Simon Sebag Montefiore. Tradução de Claudio Carina, Denise Bottmann, Donaldson M. Garschagen, Renata Guerra e Rogério W. Galindo. Companhia das Letras, 906 páginas

Diante da profusão de personagens na obra de 900 páginas, Montefiore tentou facilitar a vida do leitor adotando grafias distintas para nomes similares e usando apelidos. Diante de cada capítulo, ele também apresenta uma relação dos personagens que virão a seguir. O fio condutor da narrativa é a autocracia e seus efeitos – tanto no destino de um povo quanto na distorção de personalidades. Publicada no centenário da Revolução Russa, Os Románov apresenta uma sucessão de bizarrices, como desfile de noivas para a escolha de consortes, anões saltando pelados de bolos, gigantes vestidos como bebês, pais torturando filhos até a morte, crianças assadas e comidas enquanto suas mães são estupradas. Tudo isso em um contexto de conspirações e golpes, de brigas intestinas pelo poder.

Nesse universo, Pedro, o Grande, é lembrado pela engenhosidade geopolítica, mas também pela “resistência férrea” para festas que exauriam os súditos e por protagonizar episódios grotescos. Um deles ocorreu em março de 1719. Ao final de uma investigação que trouxe à tona a promiscuidade da corte, Pedro I condenou à morte uma antiga amante, Mary Hamilton, descendente da realeza escocesa e dama de honra de sua mulher. Mary subiu ao cadafalso crente que receberia um perdão de última hora, mas o czar sinalizou para o carrasco descer a espada. Na sequência, “Pedro levantou aquela linda cabeça e começou a falar sobre anatomia para a multidão, mostrando a vértebra cortada, a traqueia aberta e as artérias gotejantes, antes de beijar os lábios ensanguentados de Mary e largar a cabeça. Em seguida, persignou-se e foi embora”. Depois de embalsamada, a cabeça de Mary foi levada para o Gabinete de Curiosidades, o espaço no qual o czar guardava sua coleção de objetos exóticos.

A pesquisa que permitiu a Montefiore entrar em tantas minúcias foi facilitada, em grande medida, pelo colapso da União Soviética e subsequente abertura de arquivos, que lhe deram acesso, inclusive, a diários íntimos dos Románov. Com isso, até mesmo suas notas de rodapé podem revelar detalhes preciosos. Um deles: depois da carnificina que culminou na morte dos últimos Románov, Órtino, o buldogue de Tatiana, desceu correndo as escadas e foi morto pela baioneta de um dos soldados. Destino similar teve Jemmy, outro cão da família. Em contrapartida, Joy, o cãozinho king charles spaniel de Alexei, conseguiu fugir durante a fuzilaria. Quando voltou, foi adotado por um guarda e mais tarde por um integrante das forças de intervenção dos Aliados. Levado para a Inglaterra, Joy viveu o resto da vida em Berkshire, perto do Castelo de Windsor.

Força da natureza

Senti um frio na barriga por estar fazendo algo que nunca tinha feito, e não por estar criando algo diferente do que é feito por aí”, conta Luiza. Foto- Bruno Moya Fenart:Divulgação
Senti um frio na barriga por estar fazendo algo que nunca tinha feito, e não por estar criando algo diferente do que é feito por aí”, conta Luiza. Foto- Bruno Moya Fenart:Divulgação

Dois anos depois de lançar seu álbum de estreia homônimo, a cantora e compositora paulistana Luiza Lian traz à luz um novo projeto. Desta vez, suas canções vêm em formato inusitado: ao mesmo tempo que fecham o conceito de álbum, são embaladas como trilha sonora de um média-metragem, de 24 minutos, dirigido por Camila Maluhy e Octávio Tavares. Intitulado Oyá Tempo, o trabalho é, no conceito do trio, um “álbum visual”.

Em conversa com a reportagem de CULTURA!Brasileiros, Luiza explica que o cruzamento de linguagens de Oyá Tempo não foi algo premeditado. Segundo ela, a ideia surgiu em meio a um outro projeto, uma performance baseada em poemas de sua autoria, mas as proposições, no entanto, confluíram organicamente para que tudo tomasse um novo formato à medida que Luiza foi mostrando suas ideias para amigos e parceiros de trabalho. Naturalmente ela acatou algumas sugestões e chegou ao consenso de que deveria apostar nesse formato incomum. Além de reunir poemas que compõem a performance, o álbum, que contém oito faixas, é formado de composições inspiradas em pontos de umbanda – daí o título, uma referência à divindade da mitologia Yorubá, também conhecida como Iansã, que controla ventos, raios e tempestades – e traz influências nítidas de funk carioca e trip-hop.

Nos registros de estúdio as composições de Luiza foram revestidas de uma teia instrumental criada por Charlie Tixier (Charlie e os Marretas /Holger) e Gui Jesus Toledo, também responsável pela mixagem e masterização do trabalho. “Me colocar nessa nova posição foi uma maneira de me orientar”, diz Luiza.

A celebração a Oyá está presente de forma subjetiva em sequências do filme, e também em elementos sonoros das canções, repletas de efeitos lisérgicos e distorções, que remetem às intempéries climáticas. A atmosfera do média-metragem, em alguns momentos, é pesada e lúgubre, e sua narrativa se dá de forma fragmentada. “Queria mostrar a ideia do tempo como destino. Um tempo que não é linear”, explica Luiza.

Camila Maluhy, que toca a quatro mãos com Octávio Tavares a produtora audiovisual Filmes da Diaba, já havia demonstrado interesse em produzir um videoclipe da compositora. Oyá Tempo estava previsto para ser lançado no final de 2016, mas, como o trabalho ganhou esses novos contornos, só agora o álbum visual chegou ao mercado. A produção também marca a primeira parceria entre o selo fonográfico de Luiza, o RISCO, e o Filmes da Diaba.

A despeito das experimentações que culminaram na obra, Luiza pondera e diz que não teve a pretensão de trazer à tona algo inovador. “Senti um frio na barriga por estar fazendo algo que nunca tinha feito, e não por estar criando algo diferente do que é feito por aí”, defende.

O elenco do filme conta com a participação da cantora Nina Oliveira, que Luiza conheceu durante a gravação de um videoclipe da amiga Camila Garófalo, e do rapper MC Diggão. A identificação com Nina, segundo ela, foi imediata: “Nos conectamos e decidi apresentá-la para Camila e Octávio, porque achei que ela se encaixava muito bem no que procurávamos”. Já o MC foi descoberto casualmente pelos diretores quando eles perambulavam por Ubatuba e pediram a ele informações para construir o roteiro, que teve a praia do litoral norte de São Paulo como uma das locações.

Oyá Tempo também culminou na produção de um novo site para a cantora (luizalian.com.br), com projeto gráfico desenvolvido por Rafael Trabasso, conhecido como Dedos, com quem Luiza fez graduação em Artes Visuais. Inusitada como o álbum visual, a página virtual tem conteúdo de rolagem exclusivamente vertical e iconografia que remete à estética do longa-metragem.

No palco, com a proposta pouco usual deste trabalho, Luiza receava que o público recebesse os estímulos com certo estranhamento, mas ela conta que as reações têm sido muito positivas: “Algumas pessoas saem chocadas, emocionadas, se perguntando ‘o que foi aquilo?!’”, comenta feliz.

Oyá Tempo foi lançado virtualmente no final de março e pode ser assistido, ouvido e baixado no site da cantora ou apenas visto diretamente em seu canal do YouTube. O projeto foi apresentado recentemente na Matilha Cultural e na programação de uma ocupação na Casa do Mancha, espaços alternativos sediados em São Paulo. A apresentação na ocupação também contou com a performance que foi o ponto de partida para o trabalho.

Inquieta, Luiza já prepara o sucessor de Oyá Tempo. Recentemente se trancafiou com seus músicos no estúdio Canoa, no bairro do Sumaré, na zona oeste da capital, para gravar o novo disco, previsto para ser lançado pelo selo RISCO em setembro próximo. Até lá continuará a fazer apresentações regulares, que poderão alternar o repertório de seu álbum de estreia e o de Oyá Tempo. No dia 29 deste mês, no Audio Club, em São Paulo, Luiza fará o show de abertura do cantor e compositor escocês Paolo Nutini.