Início Site Página 162

Um “eu” que fala mais alto

Walleria Suri diz que é preciso ajustar o corpo à mente para eliminar a inadequação existencial.

* Por Walleria Suri

Quando pensamos no ser homem e no ser mulher, estabelecemos a separação mais fundamental de classificação dos seres humanos. Por ser óbvia e se fazer constatada logo no nascimento – e até antes. “Parabéns, mamãe, esse é seu filho.” Ou: “Essa é sua filha”. E daí os pais ou responsáveis se encarregam de ensinar a vida apropriada à menina e a vida apropriada ao menino. E isso deveria seguir dessa forma sem complicações para ninguém. Mas tem um “eu” na história. Um “eu” com vontades, desejos, instintos e elaborações de si mesmo. Elaborações que lhe dão a capacidade de reconhecer o gênero que condiz de forma mais harmoniosa e represente com maior autenticidade seus instintos, vontades e desejos.  Dessa forma, ser homem ou mulher ultrapassa a anatomia física do nascimento. E ultrapassa também os condicionamentos sociais convencionais. É algo inerente ao autorreconhecimento do indivíduo.

Eu não sou mulher porque pinto as unhas, uso saltos e tenho vagina. Sou mulher porque todas as minhas elaborações existenciais me associam ao feminino. Por isso é algo que está além do corpo, e não determinado por ele. Minha identidade de gênero é definida por um sentimento de encontro com meus impulsos vitais. A influência do meio pode conduzir as possibilidades de vivência e manifestação da minha identidade de gênero, mas também não é o suficiente para determiná-la. A identificação do meu gênero se dará por meio do reconhecimento dos elementos que me constituem. Reconheço o que sinto como legítimo de minha concepção como ser. Reconheço o que penso como uma elaboração legítima daquilo que sinto. E preciso reconhecer meu corpo como meio de expressão legítima de todos os meus sentimentos pensados e elaborados, na forma de vontades, desejos e emoções.

Então, só poderei vivenciar uma identidade de gênero de forma saudável quando meu sentir, meu pensar e meu expressar (corpo) apontarem para a mesma direção. Não importa qual seja a direção. Basta que esses elementos estejam em harmonia para haver uma identidade de gênero saudável. Pois o grande sofrimento interior das pessoas transexuais é ter de conviver com a constante inadequação existencial, causada por uma imensa sensação de desconforto dentro de si.

Por isso a transformação física é tão necessária e importante para as mulheres transexuais e homens trans. Não há problemas com o sentir e o pensar. Esses funcionam satisfatoriamente. Por isso não dá para falar em transtorno, ou atribuir qualquer tipo de patologia, para essa forma de construção psíquica. Apenas há de se adequar o corpo com o gênero da autoidentificação. Pois o sentir e o pensar se estabelecem de uma forma impossível de serem compulsoriamente modificados. Mesmo que os papéis de gênero sejam construções culturais humanas, o que estabelece a identificação do indivíduo com um determinado gênero, ou com nenhum, é uma escuta interior que foge ao alcance cultural. Diz respeito aos mais profundos instintos humanos que se formam de maneira totalmente livre. Podendo ser por uma vida toda reprimidos, mas nunca condicionados.

Hilda Hilst, uma feminista nata nos anos 50

Hilda Hilst
Retrato inédito de Hilda Hilst, feito por Fernando Lemos, em 1954, que ficou 60 anos guardado e foi gentilmente cedido à reportagem de Brasileiros pelo fotógrafo português, amigo da escritora.

Em dezembro último, Mauro Munhoz, diretor geral da Flip, a Festa Literária de Paraty, antecipou, em comunicado à imprensa, que a escritora Hilda Hilst (1930 – 2004) será a grande homenageada da edição 2018 do evento literário. Em 2017, ano de estreia da atual curadora, Josélia Aguiar, a Flip teve recorde de escritoras e autores negros, fato aprovado pelo grande público em uma das mais celebradas edições recentes.

Ao anunciar a escolha de Hilst como sucessora de Lima Barreto no panteão de homenageados, Munhoz enalteceu o caráter provocativo e inspirador da autora: “Assim como outros poetas brasileiros (Hilda), leu Brummond, Bandeira e Cabral, mas leu também Fernando Pessoa, o francês Saint-John Perse e o alemão Rainer Maria Rilke. O resutlado e´uma literatura inovadora do ponto de vista da linguagem que exerce, por exemplo, forte influência na cena da dramaturgia brasileira de hoje”, afirmou.

Para aqueles que desejam aprofundar seus conhecimentos sobre a obra e a vida de Hilda Hilst, desnecessário, no entanto, aguardar até o final de julho (a Flip 2018 está programada para acontecer entre os dias 25 e 29): entre os dias 9 e 30 deste mês de janeiro, o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, sediado em São Paulo, realiza o curso Hilda Hilst: presente saiba mais).

Com encontros semanais às terças-feiras, o curso será ministrado pelo jornalista e escritor Flávio Aquistapace, que abordará a prosa tardia e o rico legado de Hilst , com foco em quatro de seus títulos Contos D’escárnio – Textos GrotescosO Caderno Rosa de Lori LambyCartas de um Sedutor e Rútilo Nada.

Em janeiro de 2014, Hilda Hilst foi capa da edição 78 da revista Brasileiros, em reportagem de Gonçalo Júnior, que trouxe fotos até então inéditas e gentilmente cedidas pelo português Fernando Lemos, amigo da autora. Leia, na íntegra, a seguir.

Nunca houve uma mulher como Hilda

Ela foi linda e teve todos os homens que desejou – exceto Marlon Brando. Escritora e poetisa paulista, rotulada de pornógrafa e consagrada pela crítica, volta agora, dez anos depois de sua morte, em documentário, lançamentos, relançamentos e minissérie. Por aqui, amigos íntimos contam quem foi, de fato, Hilda Hilst.

por Gonçalo Junior 

Inteligente, segura, determinada, independente, transgressora. Namoradeira, mas discreta. Jamais vulgar. Dona de uma hipnótica beleza, poucas mulheres tiveram, como ela, os homens que desejaram em seus braços. Hilda Hilst, a escritora brasileira que ficou também conhecida por seus livros eróticos, morreu há dez anos, em 4 de fevereiro de 2004, aos 74 anos.

Ela, que foi representante da alta sociedade, esforçou-se para ser respeitada como poetisa, recebeu prêmios importantes, como Anchieta (pela peça Verdugo, uma das oito que escreveu entre 1967-68), e  Jabuti (pelo volume de poemas Cantares de Perda e Predileção) – ao todo, foram sete. No entanto, seus livros nunca foram sucesso de público. Nem quando partiu pelo caminho do erotismo, que resultou em obras-primas (O Caderno Rosa de Lori Lamby A Obscena Senhora D., entre outras), provocaram polêmica, porém não movimentaram grandes tiragens. Dizia-se que suas sacanagens eram de tão alto nível literário que os consumidores do assunto não se interessaram muito.

Seja como for, Hilda tinha uma maneira peculiar de enxergar o mundo. “Sexo e beleza eram rigorosamente a mesma coisa para ela, a única pessoa de nossa geração que não teve sentimento de culpa em relação a esses temas”, afirma Jorge da Cunha Lima, 82 anos, administrador, jornalista e advogado, um dos amigos mais próximos da escritora durante toda a vida, que confessa ter sido apaixonado por ela. “No começo dos anos 1950, eu era um jovem estudante, e ela, já escritora, dona de uma liberdade que deixava todo mundo perplexo.”

Verdade.  Além de linda, Hilda foi uma mulher de espírito livre. Tinha fascínio pelo sexo oposto, mas não cedia a abordagens passivas. Nunca. Seguia um estilo próprio em que ela dominava a cena. Foi assim quando abordou aquele que se tornaria seu único marido. Nos anos 1960, Hilda ia para casa, pela Avenida Dr. Arnaldo, em São Paulo, quando viu um homem no último ponto em frente ao Cemitério do Araçá.  Pediu ao motorista que parasse diante do local e disparou: “Por que você vai para casa de ônibus, se pode fazer isso de Mercedes?”. O homem era o jovem escultor Dante Casarini, que sorriu e aceitou a carona. Primeiro, eles foram amantes. Depois, mulher e marido – nessa ordem. Certo dia, ela teria dito a Cunha Lima: “Estou felicíssima vendo aquele homem maravilhoso, com dorso nu, que volta com uma penca de lenha nas costas”.

Paixões e decepções

Apesar do forte sentimento de Cunha Lima, Hilda jamais deu a entender que percebia seu interesse. No entanto, ela contava suas aventuras amorosas ao amigo, como a que a levou a seduzir o ator americano Dean Martin e seu lamento por não ter conquistado Marlon Brando, ícone americano de beleza e masculinidade.

No livro Fico Besta Quando me Entendem (Editora Globo), que reúne 20 conversas mantidas com Hilda entre 1952 e 2003, ela voltou ao assunto com o jornalista Fernando José Karl: “Eu queria muito conhecer Marlon Brando, achava-o lindo. Então, tornei-me namoradinha do Dean Martin, só para ficar perto do Marlon. Mas não conseguia essa aproximação de jeito nenhum. Vi-me obrigada a aguentar Dean bêbado vários dias e, como ele não me apresentava Marlon, resolvi ir ao hotel onde ele estava, dei uma linda gorjeta ao porteiro e perguntei o número do quarto dele. Cheguei lá, bati na porta, esperei uns dez minutos. Marlon Brando apareceu com um extraordinário robe de seda, acompanhado do ator francês Christian Marquand, que, anos depois, revelou ser seu amante. Eu estava acompanhada de uma amiga, Marina de Vincenzi, e meio de pileque. Disse-lhe que queria fazer uma entrevista. Mas eu só olhava para os pés dele e não sabia o que dizer. Aí ele falou: ‘Só porque você é bonita, acha que pode acordar um homem a essa hora da noite?’. Ele achou graça, foi educadíssimo, mas eu não consegui entrar no quarto e dormir com ele. Fiquei decepcionadíssima. Naquela noite, novamente, ele tinha escolhido Marquand”.

Seu comportamento ativo, entretanto, não incomodou mais do que seu talento para a escrita. Só que Hilda nunca se deixou intimidar por qualquer espécie de crítica. “Ela era de uma ousadia inacreditável”, afirma Cunha Lima. O fotógrafo português Fernando Lemos, de quem também foi amiga, reafirma: “Hilda recebia críticas menos por seu lado liberal, independente, e mais como poetisa porque causou inveja aos montes – nos outros poetas, principalmente.”

Hilda Hilst
A escritora posa para as lentes de Fernando Lemos, em estúdio que ficava na rua Canuto do Val, em Santa Cecília em 1958

Lemos, hoje com 85 anos, produziu, em 1954, uma série de retratos da escritora, que ficaram inéditos por quase 60 anos. Ela apenas viu as fotos, que nunca foram publicadas, mas ficaram guardadas. Uma delas está publicada nesta reportagem, mas todas podem ser vistas na versão digital da revista da Biblioteca Mário de Andrade – a edição impressa, número 69, não por acaso com o título Obscena, sairá em fevereiro.

Quando fez as fotos, Lemos morava havia um ano no Brasil. Chegara de Lisboa com a reputação de talentoso retratista de importantes nomes portugueses – políticos e artistas, principalmente. “Quando desembarquei em São Paulo, procurei conhecer gente ligada às artes e passei a ir locais em que todos se encontravam regularmente. Foi assim que fui apresentado a Hilda.”

Os pontos de encontro eram no centro de São Paulo, como o Juão Sebastião Bar, berço da bossa nova e onde Chico Buarque fez suas primeiras apresentações, e a Livraria Jaraguá, de Alfredo Mesquita, o mesmo que dirigiu por anos a Escola de Arte Dramática de São Paulo e incentivou Hilda a invadir a praia da literatura teatral. Havia também o Clubinho dos Artistas – brincadeira com o programa de TV Clube dos Artistas, da Tupi –, que ficava no porão do prédio do Instituto dos Arquitetos do Brasil, na Vila Buarque, e reunia o pessoal das artes. “Ali, todo mundo dançava, brincava, namorava”, diz Lemos. Ele se lembra ainda do Bar do Museu de Arte Moderna, que ficava no prédio Assis Chateaubriand, na rua Sete de Abril, onde eram realizados festivais de cinema e exposições de pintura. “Todo mundo tinha sua garrafa de uísque guardada e podia pendurar a conta.” Cunha Lima não se esquece da Livraria e Editora SAL, sigla da Sociedade Amigos do Livro, que importava obras da Europa e, nos finais de tardes, realizava saraus regados a poemas em francês e doses de conhaque. Impossível não mencionar o bar Vienense. “Nesses locais, todo mundo se tocava de leve”, revela  Cunha Lima.

Além de Hilda, Lygia Fagundes Telles (amiga inseparável), Cunha Lima e Fernando Lemos eram assíduos frequentadores dessas rodas artistas como Paulo Vanzolini, Arnaldo Veloso Horta, Aldemir Martins, Massao Ohno, Rebolo Gonçalves. Uma época efervescente, sem dúvida.
Logo, Lemos e Hilda tornaram-se muito amigos. “Eu a convenci a fazer um ensaio no pequeno estúdio, que acabara de montar no bairro de Santa Cecília, região central de São Paulo. Quando se vê o resultado, a impressão é que não havia muita originalidade da minha parte. Mas fiz dessa forma, propositadamente, para compor um retrato com a imagem que eu tinha imaginado de uma mulher que não tinha sex appeal aparente, apesar da elegância, mas era dona de uma beleza protegida, porém interessante.” Ele se nega a dizer se teve ou não um romance com Hilda, mas não desmente nada. “Ela fez alguns sonetos para mim, eram versos mais humorísticos do que literários. Uma brincadeira nossa.” Com orgulho e saudade,  mostra dois dos muitos livros autografados pela amiga. “Para Fernando, todo amor de antes, da Hilda”, escreveu ela em um exemplar de Jubilo, Memória, Noviciado da Paixão, de 1954. Na mensagem de Fluxo-Floema, 1970, ela anotou: “Ao querido Fernando, a maior amizade e ternura dos velhos anos”.

É fato. Hilda teve contatos intensos, imediatos e breves que, ao final, levavam-na a um processo doloroso: arrancar da dor ou do tormento de uma relação encerrada versos que descreviam as suas emoções. Depois, os publicava em livros, sempre dedicados ao amor que se foi. Para o poeta e jornalista João Ricardo Barros, por exemplo, ela dedicou Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor, de 1959. Em seus versos e prosa, não fazia a menor concessão à palavra. “Ela transformava o sentimento ou o amor perdido em poesia arrancada do fundo da alma”, afirma Cunha Lima.

O extraordinário

Hilda nasceu em Jaú, interior paulista, em 21 de abril de 1930, filha de Apolônio de Almeida Prado Hilst, fazendeiro e poeta, e Bedecilda Vaz Cardoso, dona de casa. A união não deu certo e, ainda menina, foi com a mãe para Santos. Aos 7 anos, recebeu a notícia, pela mãe, de que o pai sofria de esquizofrenia e foi estudar como aluna interna do Colégio Santa Marcelina, em São Paulo. Esse ambiente escolar evocaria nas peças A Possessa e Rato no Muro e em um poema: “Os amantes no quarto/Os ratos no muro/A menina/Nos longos corredores do colégio”. Mais tarde, estudou na Escola Mackenzie e Direito na USP. Mas nunca exerceu a profissão.

Aos 20 anos, publicou seu primeiro livro, Presságio, e nunca mais parou de escrever. No entanto, a doença do pai sempre foi um forte fantasma em sua vida. Ela acreditava que, ao ter sido poupada do distúrbio psiquiátrico, poderia ter filhos doentes. Por isso, rejeitou a maternidade – teria feito mais de 15 abortos.

Hilda Hilst
Nos 28 anos em que viveu na Casa do Sol, em Campinas, Hilda (a única mulher em pé) recebia amigos que ali ficavam por longas temporadas, como Caio Fernando Abreu e a inseparável Lygia Fagundes Telle

Apesar de seu espírito livre, Hilda era uma mulher resguardada, que não gostava de compartilhar seus tormentos. “Ela vivia com certa angústia da contrapartida de seus relacionamentos, no sentido de tudo aquilo que quis fazer e não teve tempo ou não foi correspondida. Não do fracasso, mas sim da  completude da relação, do que faltou fazer”, diz Lemos. Parte do seu drama estava na tragédia que condenou seu pai, enlouquecido, a viver sem qualquer noção da realidade. Para Lemos, Hilda sofria com a situação dele, “que vivia quase como um cachorro louco, enjaulado em uma fazendinha perto de Campinas”.

Em 1966, depois da morte do pai, que a deixou em boa condição financeira, Hilda se mudou para um sítio a 11 km de Campinas. Batizou o lugar de Casa do Sol, construído perto de uma figueira centenária. Acompanhada do marido Dante Casarini, estava decidida a se concentrar em seus escritos. Mas longe do glamour da juventude, afastada dos amigos e da vida boêmia de São Paulo, Hilda começou sua travessia ao inferno. Mudava de humor constantemente, brigava com as visitas e os amigos. Passou também a ter o hábito de tentar falar com os mortos por frequência de rádio.

Quem conta essa história é a cineasta paulistana Gabriela Greeb, que pesquisa há mais de cinco anos a vida e a obra da escritora para o documentário Contato, Hilda Hilst Pede Contato, com previsão de lançamento para setembro deste ano. As filmagens foram iniciadas em dezembro último. Gabriela, que morou uma temporada na Casa do Sol, teve acesso a arquivos e documentos, além de ter conversado com amigos e parentes, como Edson Costa Duarte, que morou com Hilda durante muito tempo. Também teve acesso aos diários do artista plástico Jurandy Valença, amigo de Hilda, em que conta o dia a dia da casa durante o período em que viveu na Casa do Sol, que hoje abriga cartas e documentos, além de três mil livros, boa parte deles com anotações.

O foco do filme, explica Gabriela, é reproduzir a atmosfera da Casa do Sol. Será um documentário de criação, não típico, a partir de acervos importantes, como as mais de cem fitas gravadas com a voz de Hilda, ao tentar se comunicar com os mortos. São gravações feitas entre 1976-78, em que ela dizia: “Hilda Hilst querendo saber dos amigos em outra dimensão” ou “Hilda Hilst pede contato com o absurdo”. Fez essas experiências influenciada pelo sueco Friedrich Jurgenson, cientista, cineasta e crítico de arte, que afirmava que os mortos precisavam se manifestar por meio de frequência de rádio ou TV fora do ar, ou ainda pelo ronronar dos gatos. “A busca pelos mortos fazia parte do desejo de Hilda se comunicar de outros modos, além da escrita. Ela estudou física quântica para não chegar burra à outra dimensão”, diz Gabriela. “Hilda era extremamente lúcida e mantinha todo esforço para não enlouquecer.” Especula-se que a mãe da escritora também sofreria de esquizofrenia.

Vale lembrar que Hilda passou a ter sérios problemas financeiros. Até mesmo para alimentar seus cães – ela chegou a abrigar 150 deles. A situação só não foi pior porque a escritora conseguiu aposentadoria da Unicamp – a partir de 1986, ela fez parte do Programa Artista Residente da Unicamp, no qual conversava com os interessados sobre temas ligados à criatividade e imaginação, personalidades históricas e marcantes.

Outras histórias

Hilda morreu de isquemia, mas foi até o fim fazendo o que mais gostava: escrever com imaginação. E, como dizia, partiu em busca do silêncio absoluto. Antes, porém, deixou em testamento os direitos de sua obra para Daniel Fuentes, filho de José Moura Fuentes, grande amigo da escritora, que morreu cinco anos depois dela, em 2009.

É Daniel quem lança, neste mês, a loja virtual Obscena Lucidez (obscenalucidez.com.br), que vai vender livros, traduções e CDs. “A obra dela estará concentrada em um único lugar para os fãs de todo o País”, diz o herdeiro, que pretende criar outros produtos, como pôsteres e capas para celulares. A ideia de abrir o portal de negócios surgiu de uma experiência pela página que Daniel montou no Facebook sobre a escritora, que tem mais de 15 mil seguidores – curiosamente, metade com idades entre 15 e 24 anos. “Colocamos na rede 1,5 mil livros à venda e esgotamos o estoque em duas semanas, sem divulgação.”

 

Uma pioneira do erotismo

Gilka fotografada para a revista O Malho na ocasião da eleição feita para saber quem era a maior poetisa do Brasil, proposta pelo veículo em 1933. Foto: Revista O Malho/Biblioteca Nacional

A literatura erótica feminina ganhou destaque nas últimas décadas com a reedição das obras de Hilda Hilst pela editora Globo. O movimento de mulheres divulgando poesia e prosa carregadas de luxúria abriu margem a uma série de discussões sobre a liberdade sexual da mulher e o machismo na literatura. Embora muitas autoras sejam aclamadas por esse tipo de criação literária – como a própria Hilda, Olga Savary e Adélia Prado – é incomum encontrar quem conheça a precursora desse movimento que deu à mulher autonomia para derramar seus desejos nas linhas de um poema ou um romance.

Faz um século, em 2016, que Gilka da Costa de Mello Machado – ou somente Gilka Machado – lançou seu primeiro livro, com impressão terminada em 31 de dezembro 1915. O espanto causado pelo conteúdo que Cristais Partidos trazia nas 111 páginas era esperado. Seus versos já tinham ocupado páginas de jornais e revistas da época, sendo ela colaboradora de alguns veículos, como a revista Fon-Fon e a Revista da semana. O motivo do assombro era o erotismo que ela empregou a alguns de seus poemas, deixando a sociedade da época incomodada com tamanha ousadia. Uma mulher escrevendo versos de conteúdo sexual era inadmissível para o contexto sociopolítico da República de Hermes da Fonseca. Apenas a hipótese de Gilka imaginar o desejo carnal já era condenável pelo crivo do machismo. Foi a crítica de Afrânio Peixoto, em 1916, que inaugurou a “caça à Gilka”, chamando-a de “matrona imoral”. Além de precursora na literatura erótica feminina e de denúncia da opressão às mulheres no Brasil, Gilka foi sufragista ativa, sendo uma das fundadoras do Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 apenas para Mulheres. Gostava de escrever “Mulher” assim, com M em caixa alta, para afirmar a força do sexo feminino. No partido, exerceu o cargo de primeira secretária. Em seus poemas, procurou abordar também a situação das classes sociais menos abastadas, deixando explícito o descaso do governo em relação a isso.

Nascida em 12 de março de 1893, na cidade do Rio de Janeiro, foi depreciada pela sua literatura, mas também muito aclamada por quem buscava compreendê-la. Neta de Francisco Moniz Barreto, baiano considerado o pai do humor obsceno no Brasil, Gilka desafiou a crítica literária machista e racista da época. Em carta enviada a ela em 1915, Lima Barreto destoa dos colegas de profissão e declara: “Admirei muito de sua inspiração, a sua completa independência de moldes, dos velhos ‘cânons’, e a sua audácia verdadeiramente feminina”. Já para Mário de Andrade, a “bacante dos trópicos, como era chamada por Agripino Griecco, era apenas uma menina. A todo o tempo, dirigia-se a ela com chamamentos infantis, embora fossem nascidos no mesmo ano. Isso mostra que a forma de Mário tratar Gilka era para depreciá-la. A história cuida de lembrar que o pioneiro do modernismo não fazia isso apenas por machismo, mas por não aceitar a orientação formal de sua literatura. Os versos simbolistas gilkianos tinham um flerte com o parnasianismo. Anos depois, parece se arrepender ao publicar, no Estado de S. Paulo, que ela era uma ”poetisa ilustre, autora dos mais ardentes versos femininos na nossa língua”.

A pele pálida, carregada por camadas de pó de arroz, escondia sua origem negra, também motivo para a ofensiva de críticos contra ela. O crítico Humberto de Campos – um dos defensores de Gilka junto a Osório Duque Estrada e outros – relatou, em Diário Secreto uma conversa com o também crítico Afrânio Peixoto, na qual este contava sobre o encontro que teve com Gilka ao ir lhe entregar uma carta. Peixoto disse, com desdém, que não imaginava que a poeta era uma “mulatinha escura” e fez questão de enfatizar que o ambiente de sua morada “respirava pobreza”.

Gilka é a mulher à esquerda e seu marido, Rodolfo, é o homem à direita, na parte de trás. Também estão na foto as escritoras Albertina Bertha e Laura da Costa e Silva. Foto: Revista Careta/Biblioteca Nacional

A família também foi considerada culpada pela devassidão daquela moça que, aos 22 anos, se empenhou em se livrar das garras da sociedade. O registro da mãe como prostituta para poder trabalhar com atriz de rádio era motivo de chacota para depreciar suas origens, além de atribuírem culpa ao pai, um beberrão que batizou-a em homenagem a uma vodca alemã chamada Gilka. Assim, a poeta foi colocada à prova do método de Hippolyte Taine, baseado na ideia de determinismo, no qual a pessoa está fadada a se comportar de acordo com sua raça, seu momento histórico e o meio em que vive. Portanto, a culpa da imoralidade de Gilka vinha do fato de ser negra, da família “perturbada” e do momento histórico no qual o feminismo efervescia com as sufragistas.

Gilka não deixou barato as acusações preconceituosas. E também recusou a ajuda de grandes nomes. Recusou, por exemplo, o pedido de Olavo Bilac para escrever o prefácio de Cristais Partidos. Quando Bilac perguntou do por que, Gilka apenas respondeu que queria aparecer para o público sem defesa. “Havia no meu ser um a torrente que era impossível represar: os versos fluíam, as estrofes cascateavam… E continuei, ritmando minha verdade, então com mais veemência”, escreveu na abertura de Poesias Completas, de 1978. Condenou seus críticos diretamente e indiretamente, nas entrelinhas de sua escrita. Era ela, segundo seus censores, a responsável pela depravação moral das moças da sociedade carioca.

Em evento de 1934, brinca com o boneco apelidado de Tupo. Foto: Revista O Malho/Biblioteca Nacional

No poema Comigo Mesma, é possível reconhecer essa característica gilkiana, como no verso “Que importa a injúria hostil de quem te não compreenda?/Dança, porém, não como a Salomé da lenda,/a lírica assassina”, onde a injúria hostil eram as opiniões dos críticos sobre ela e a dança era o seu hábito de escrita. Nos versos de Conjecturando, dedicado a Duque Estrada, desabafa sobre desistir de lutar. “Convenci-me/agora, de que o gozo é um crime” é como ela inicia uma das estrofes do poema, onde fala sobre depor armas e se entregar à morte. Ali estava uma referência clara ao cansaço que a abateu com o passar do tempo, fazendo com que desistisse de continuar rebatendo a crítica e acabasse reclusa.

Foi a única mulher a colaborar, eventualmente, na revista erótica A Maçã. Extremamente machista, a criação de Humberto de Campos escandalizou por trazer conteúdo picante, que colocava a mulher de forma submissa e degradante. E, ao lado de Cecília Meireles, formou a dupla de únicas mulheres a escreverem para Festa, revista lançada em 1927 por Tasso da Silveira e Andrade Muricy.

 

Uma segunda libertação

No centro da foto, Albertina Bertha está acompanhada de outras fortes autoras brasileiras: a sua direita, Gilka Machado, primeira poeta erótica do País, que teve sua obra reeditada neste ano; no lado oposto, a poeta Laura da Fonseca e Silva, que desafiou a sociedade ao contestar o casamento e a maternidade como desígnios femininos. Foto: Revista Careta/ Acervo Biblioteca Nacional

Representativas no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade, na política ou na literatura, algumas autoras brasileiras de grande talento, do século XIX e XX, ficaram no limbo, esquecidas. A maioria delas nem sequer teve o devido reconhecimento em vida, destino ao qual muitos escritores medíocres – homens – escaparam com folga.  Hoje há diversos trabalhos de amorosa garimpagem para redescobrir essas romancistas, contistas e poetas. Importantes figuras femininas da literatura brasileira, elas têm ganhado reedições de suas obras nos últimos três anos.

É um trabalho de pesquisa que envolve paixão e determinação. Foi assim que o jornalista e escritor Ramon Nunes Mello resolveu colocar Adalgisa Nery (1905-1980) de volta em circulação depois de décadas deixada de lado. Mulher expressiva no jornalismo político do Estado Novo e da ditadura militar, a carioca escreveu em verso e em prosa. “A biografia de Adalgisa é tão forte que se sobrepõe à obra”, pontua o organizador.

Casada com o pintor Ismael Nery e, depois, com o jornalista Lourival Fontes, sua história é repleta de situações aflitivas. “A obra poética da Adalgisa é quase um canto de angústia, embora ela se apresentasse como uma mulher altiva”, destaca Ramon, referindo-se a Cantos da Angústia, título de um dos livros de poesia da escritora, lançado em 1948.

Desde 2015, foram reeditados pela José Olympio, mesma editora que publicou as obras de Adalgisa em vida, os romances A Imaginária, uma autoficção, e Neblina. Por considerar a produção poética de Adalgisa desigual, o organizador pretende reeditar sua poesia em uma antologia. Ligada ao modernismo brasileiro, foi muito amiga de Graciliano Ramos e Murilo Mendes, assim como dos pintores Frida Kahlo, Diego Rivera e Cândido Portinari. “A escrita dela mostra que não há um modernismo brasileiro, há modernismos”, diz Ramon, que considera os textos da também jornalista muito ligados ao pré-existencialismo do primeiro marido.

Quando se fala sobre a angústia de Adalgisa, aliás, deve-se pensar em Ismael Nery. Em A Imaginária, o alter ego da autora narra situações constantes de humilhação pelas quais o marido a fazia passar. A arma que o cultuado pintor surrealista usava era o abuso psicológico, sempre tentando colocá-la em situação de inferioridade. Proibia Adalgisa de participar dos eventos que fazia em sua própria casa para artistas e intelectuais, referindo-se a ela com desprezo, fazendo pouco-caso de sua existência. Não suficiente, Adalgisa também sofreu na maternidade. Teve oito filhos com Ismael, sendo que apenas o primeiro e o último sobreviveram.

Amiga de artistas renomados, Adalgisa Nery foi retratada por muitos dos grandes pintores do século XX. Entre eles, Diego Rivera, companheiro de Frida Kahlo. Na foto à esquerda, de 1945, Frida está no centro, entre Adalgisa e Lourival, segundo marido da brasileira. Nos dois extremos estão o pintor Rufino Tamayo e sua esposa, Olga. Foto: Arquivo Diego Rivera e Frida Kahlo

Só depois de enviuvar, em 1934, Adalgisa se tornou escritora. Lançou seu primeiro livro em 1937, e a partir daí teve uma produção constante até dois anos antes de se recolher, espontaneamente, em uma casa de repouso, onde morreu. O casamento com Lourival Fontes, jornalista responsável pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, foi outro motivo de controvérsias. Amigos de Adalgisa se espantavam ao ver uma mulher como ela, ligada a ideais de esquerda e que chegou a ser fichada como comunista, casada com um agente autoritário de Getúlio. Alguns, inclusive o dono da editora pela qual publicava, diziam que ela havia se casado com Lourival apenas pelo sadismo de fazer ciúmes para Murilo Mendes, que a cortejava insistentemente.

Ramon perseverou para conseguir que os livros fossem reeditados pela própria José Olympio. “Fico muito feliz em trazê-la de volta pela mesma editora 35 anos depois”, confessa. E completa: “A gente publica tanta coisa nova com qualidade não tão boa, sendo que temos muitos autores antigos bons e esquecidos”. Até o fim do ano, pretende publicar a mencionada antologia poética e um livro de contos de Adalgisa.

Hospício

Outra que ganhou nova projeção em meados de 2015 foi a jornalista mineira Maura Lopes Cançado (1929-1993), depois que uma caixa com seus dois livros foi lançada pela Autêntica, por iniciativa da jornalista Daniela Lima. Entre a loucura e a lucidez, Maura foi muito comparada a Clarice Lispector, especialmente por conta do viés radicalmente subjetivo de sua obra, que discute tanto a esquizofrenia quanto a questão de gênero.

Internada algumas vezes em hospitais psiquiátricos, escreveu o diário Hospício é Deus aos 29 anos, quando internada no hospital Gustavo Riedel, no Rio de Janeiro. O livro só foi editado e lançado seis anos depois, em 1965. Sua segunda e última obra publicada, a coletânea de contos O Sofredor do Ver, é de 1968. Esta já tinha ganhado uma reedição para associados da Confraria dos Bibliófolos, em 2012.

Vítima de abusos sexuais na infância, apresentava tendências suicidas. Ainda na adolescência, teve um filho com seu primeiro e único marido, com o qual se casou aos 14 anos. Um ano depois se separou. Em uma das vezes em que foi internada, assassinou outra paciente numa crise esquizofrênica.

Esses aspectos chocantes de sua bio­­grafia são mais lembrados que sua obra. “Talvez a pior das violências seja o esquecimento. E essa violência que  Maura sofreu, inclusive em vida, estará sendo corrigida aos poucos por todos que contribuírem para que os seus livros sejam lidos”, escreveu, em 2013, Daniela Lima em uma publicação na página de Facebook criada por ela para preservar a memória de Maura. Desde então, a pesquisadora já recolhia material para uma produção editorial sobre a escritora.

Em uma das vezes que foi recolhida em um hospício, Maura assassinou outra interna. Foto: Arquivo de família

Um pouco mais velha que as duas já citadas, Albertina Bertha (1880-1953) teve seu romance Exaltação co­locado à luz pela Biblioteca Nacional e a Gradiva Editorial no começo de 2016. O trabalho da pesquisadora Anna Faedrich evidencia a obra que foi um grande sucesso há um século. Isso porque o título foi considerado o maior romance feminista brasileiro, por debater questões de gênero como nenhum outro havia feito até então. Albertina também se destacava por debater política e direitos humanos.

Foi essa questão do apagamento da mulher na literatura que fez Anna se interessar por Albertina. Depois de estudar as características de estética, técnicas e subjetividade da escrita da autora, decidiu retomar o estudo sobre ela de forma mais sociológica. “Albertina Bertha e sua obra são um bom exemplo, entre muitos, das dificuldades de superar as pressões e opressões silenciosas que empurram os portadores de alguns atributos – o gênero, a cor, a origem ou as preferências – para se tornarem aquilo que queremos que sejam”, aponta Faedrich.  Ela também está envolvida na reedição do livro Nebulosas, da poeta Narcisa Amália (1856-1924), e de uma edição dos Cadernos da Biblioteca Nacional sobre crônicas de Júlia Lopes de Almeida (1862-1934). O primeiro tem previsão de lançamento para abril deste ano.

Por meio da coleção de cordéis Heroínas Ne­gras do Brasil, a escritora cearense Jarid Arraes foi mais longe e resgatou a história de Maria Firmina dos Reis (1825-1917), entre outras. Negra, Firmina é considerada a primeira ro­­mancista da literatura brasileira e também a primeira a abordar questões abolicionistas.

Além do machismo, Firmina teve de enfrentar o racismo. O sociólogo e pesquisador Rafael Balseiro Zin levantou em artigo publicado na terceira Revista do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc uma curiosidade: a imagem mais usada para representar a autora não é dela, e sim da escritora gaúcha Maria Benedita Bormann, que era loira de olhos azuis. Segundo Zin, isso reforça o preconceito da época, já que sugere o raciocínio: “se escrevia, era branca”.

Feminismo possível

Também abolicionista e merecedora de destaque, Júlia Lopes ganhou espaço ao ter seus livros reeditados pela Editora Mulheres ao longo das duas décadas que a casa editorial está em atividade. Gerida por um grupo de pesquisadoras e especialmente por Zahidé Muzart, referência na área acadêmica e falecida em outubro de 2015, a Mulheres foi criada justamente para resgatar figuras femininas importantes do ostracismo.

O último livro de Júlia lançado pela Mulheres data de 2014, sendo sua obra um dos carros-chefes da casa. Sua criação é diversa e contém três dezenas de títulos, entre os quais figuram romances, peças teatrais, contos e até mesmo livros escolares. Curiosamente, Júlia foi uma das pessoas que idealizaram a Academia Brasileira de Letras, que só abriu as portas para as mulheres após sua morte.

Estudiosos como Leonara de Luca caracterizam a obra de Júlia como dotada de um “feminismo possível”. Ou seja, a atuação da autora no que dizia respeito à liberação da mulher era significativa, mas não chegava a ferir os padrões da época.  Sua atuação como escritora e jornalista se desenrolou por mais de 40 anos, abordando nos textos situações cotidianas nas quais a mulher era subjugada.

Aos poucos, o Brasil vai descobrindo e conhecendo tesouros nacionais deixados de lado durante o processo de construção do que hoje é o cânone literário – isto é, o conjunto de autores e obras que são indispensáveis. Para Nunes Mello, esse processo é carregado de senso de justiça, por dar a essas mulheres o espaço que merecem. Balseiro Zin reforça: vê essa configuração do cânone como fruto do contexto sociológico patriarcal e também escravocrata que sempre existiu no Brasil.

A organizadora da obra de Albertina, Anna Faedrich, concorda: “Resgatar escritoras que se perderam na memória da literatura, durante o processo de sedimentação do cânone literário atual, é um movimento importante, no campo da história literária e da luta política. Esse movimento, me parece, é parte de uma luta mais abrangente por reconhecimento de grupos, setores e histórias, parte da nova institucionalidade democrática brasileira, embora ela esteja sofrendo algum abalo recentemente”. Ela também acredita que “o trabalho de recuperação da literatura produzida por mulheres só pode ser coletivo e, na medida em que ganhe fôlego, permitirá repensar nossa história – e nossa história literária – e as pequenas e grandes exclusões do dia a dia”. Por isso, espera subsídios e contribuições para um projeto que pretende realizar: um site que tenha a história da literatura brasileira reescrita para incluir os esquecidos.

A resistência política de Tônia Carrero

Tônia Carrero, Emiliano Queiroz e Nelson Xavier, em cena da primeira montagem de 'Navalha na Carne' (1968), de Plínio Marcos. Foto: Reprodução

 

Aguerrida na luta contra a escalada de horror instaurada com o golpe civil-militar de 1964, a estupenda Tônia Carrero, que nos deixou na noite deste sábado (3) aos 95 anos, quando, em meio a uma cirurgia, foi vitimada por uma parada cardíaca, foi também decisiva na defesa da livre expressão do teatro brasileiro.

Na foto acima, na primeira montagem de Navalha na Carne, de Plinio Marcos, interpretando a prostituta Neusa Sueli, Tônia contracena com Nelson Xavier (o cafetão Vado) e Emiliano Queiroz (Veludo, considerado o primeiro personagem gay com profundidade dramática do teatro brasileiro, também empregado do bordel em que Neusa trabalha).

Revelado com a montagem de dois textos não menos arrebatadores, Barrela (1958) e Dois Perdidos Numa Noite Suja (1966), Plínio, com o ineditismo de sua dramaturgia violenta e marginal, despertava o fascínio de atores, diretores e dramaturgos. Egresso do circo e apadrinhado por Patrícia Galvão, a Pagu, que então residia em Santos (SP), cidade natal do palhaço, ator e dramaturgo, Plínio estava no radar dos críticos teatrais da mesma forma com que era monitorado pelos militares e pelos censores.

A revelação de que Navalha na Carne, dirigida por Fauzi Arap a pedido de Plínio, seria produzida por Tônia, que faria a protagonista, virou motivo de chacota e suspeição. Belíssima e sofisticada, segundo alguns tolos, a atriz teria desempenho inverossímil como uma prostituta segregada no universo sórdido de um bordel.

Poster original da primeira montagem de ‘Navalha na Carne’. FOTO: Reprodução

Depois da estreia paulistana censurada logo nos primeiros dias, proibição confrontada com uma temporada de montagens intimistas organizadas por Cacilda Becker e Walmor Chagas no apartamento do casal, Navalha Na Carne, que na capital paulista foi dirigida por Jairo Arco e Flecha, com Ruthnéa de Moraes (Neusa Sueli), Paulo Villaça (Vado) e Edgard Gurgel Aranha (Veludo), debutou no Rio de Janeiro, em setembro de 1967, no Teatro Maison de France. A insolente montagem, depois transferida para o teatro Gláucio Gil, onde ficou em cartaz até fevereiro de 1968, arrebatou o público e silenciou o ceticismo de quem duvidava da força dramática da atriz.

Com o êxito da temporada carioca, Navalha na Carne percorreria o País, assim planejava Tônia, mas, graças à ostensiva mordaça em torno da obra de Plínio, severamente amplificada depois de 13 de dezembro de 1968 com o advento do AI-5, o espetáculo teve sua itinerância abreviada pela mão de ferro da censura e só voltou a ser encenado em 1980, com direção de Odilon Wagner.

Plínio, como era de se esperar, foi preso naquele ano, nas dependências do 2° Exército, em São Paulo, o mesmo local onde, em 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi covardemente assassinado e exposto como suicida. Com o apoio de amigos como Tônia e Cassiano Gabus Mendes, então diretor da TV Tupi, que liderou uma campanha em defesa do dramaturgo, Plínio foi libertado, com a condição de acatar a ordem de interdição nacional de todas as suas peças.

Promessa não cumprida, voltou ao xilindró quando, em 26 de maio de 1969, no Teatro Coliseu, pretendia encenar Dois Perdidos Numa Noite Suja. Do presídio de Santos, foi depois transferido para o DOPS, o Departamento de Ordem Política e Social, em Sâo Paulo. Com o apoio de amigos, Maria Della Costa e Tônia na linha de frente, logo foi libertado e novamente orientado a não montar suas peças.

Imposição que o levou, por recomendação dos colegas de ofício, assombrados com os descaminhos do Brasil daqueles dias, a dar continuidade à faceta de ator na TV, onde, no papel de Vittorio, fez sucesso nacional na telenovela Beto Rockfeller.

No site oficial dedicado ao dramaturgo, há um relato de Plínio que dimensiona a coragem de Tônia Carrero. 

“A apresentação da peça, a portas fechadas, seria no Teatro Opinião. O Exército cercou o teatro. Proibiu a apresentação. Tônia Carrero comprou a briga. Levou a apresentação para uma casa vazia que ela tinha no morro de Santa Teresa. Pra despistar, fiquei dando entrevista aos jornalistas, enquanto o povo, que recebia senhas com o endereço da casa, ia saindo sem alarde. A casa ficou lotadinha e tinha público para outro espetáculo. Foi preciso muita coragem. Tônia precisou jogar na mesa todo o seu prestígio. Precisou encarar uma briga feia com seus parentes generais. Mas ela ganhou e estreou.”

Tônia deixa, além de suas históricas atuações em 54 peças, 19 filmes e 15 telenovelas, um legado de resistência que contrasta com o analfabetismo político e a alienação ideológica de muitos de seus pares de hoje, quando a democracia novamente esfalece. Missão cumprida. Que siga em paz!

MAIS 

Em 1969, com direção de Braz Chediak, Navalha na Carne foi vertida para o cinema. Do elenco original da peça, apenas Emiliano Queiroz. Nelson Xavier foi substituído por Jece Valadão. Tônia Carrero por Glauce Rocha. Veja abaixo o filme na íntegra.

Dez anos de união fraterna

A partir da esquerda, Galo, Julia, Rafael, Leila, Felipe, Remi, Guto, Tomás, Ciça, Cabelo, Pedro e Marcos; embaixo da mesa, a nova geração, Dora (filha de Rafael) e Amora (de Guto). FOTO: Pablo Saborido

Na história recente da música brasileira, grupos de formação extensa dificilmente mantiveram longevidade. Um noneto, o grupo Abolição, liderado pelo pianista Dom Salvador, durou apenas dois anos, mas legou uma obra-prima, o álbum Som, Sangue e Raça, de 1971. Nove anos mais tarde, a Banda Sabor de Veneno, composta por 14 músicos e liderada por Arrigo Barnabé, foi o dínamo que deu vida ao anárquico Clara Crocodilo. A discografia do grupo, no entanto, cessou por aí. Na contramão, desafiando a complexidade de coexistência entre 13 artistas, o grupo paulistano Trupe Chá de Boldo celebra dez anos de som, estrada, três álbuns autorais, Bárbaro (2010), Nave Manha (2012) e Presente (2015), e parcerias baseadas em afinidades – entre elas, Tribunal do Feicibuque, do tropicalista Tom Zé.

No pacote de celebrações do primeiro decênio da Trupe estão previstos uma série de shows e um álbum de releituras de compositores admirados pela banda, além do recém-lançado Presente Pra Viagem (ouça), trabalho que traz versões em dub, mixadas pelo produtor nova-iorquino Victor Rice, do álbum Presente, o mais recente da banda, dedicado a Rayraí, trompetista, gaitista e clarinetista, morto em 2015, em decorrência de um câncer.

Para reverberar a fraternidade que há entre os membros da Trupe, propusemos à banda uma entrevista em formato inusitado: 13 perguntas sorteadas entre eles. A seguir o resultado dessa “loteria”.

CULTURA!Brasileiros – Como é possível estabelecer decisões democráticas em um grupo tão diverso? Aliás, é correto dizer que a Trupe é uma banda plural, ou a aproximação de vocês se deu mais por afinidades?
Gustavo Cabelo (guitarra) – Não acho que afinidade seja a palavra mais precisa. O que realmente nos une é a amizade. É uma relação de amor muito grande, um amor que transborda. Discordâncias e diferenças sempre existirão, mas tudo é resolvido da maneira mais horizontal. Talvez isso seja possível pela ausência de um chefe, ou pela falta de vontade de se pretender um líder. A amizade aniquila hierarquias. A vontade de fazer nos faz avançar quando surgem pequenas ou grandes questões.

Viver de música no Brasil é algo viável para uma banda com 13 integrantes?Leila Pereira (voz) – Viver de música no Brasil é difícil. Seja para um artista solo, seja para uma banda pequena ou para uma banda grande como a nossa. Principalmente nos tempos em que vivemos, em que o corte de recursos para o financiamento dos mais diversos projetos artísticos está cada vez mais frequente. Talvez por isso cada integrante da Trupe atue paralelamente em outras atividades, sejam elas no campo das artes, sejam fora dele. O interessante é que, ao mesmo tempo que a dificuldade limita de certa maneira nosso campo de atuação como banda (afinal, estamos há um bom tempo tentando realizar uma turnê em outras regiões brasileiras, como o Nordeste, por exemplo), ela é a base fundadora da Trupe, pois contribui com a diversidade, que é essencial à nossa produção musical.

A realidade sociopolítica do País influencia a produção musical e o comportamento da banda?
Julia Valiengo (voz) – A Trupe sempre procura se posicionar em relação às grandes questões sociopolíticas, não apenas através da música, mas também se expressando com fotos, vídeos e textos.  Não à toa gravamos em nosso último disco as canções Jovem Tirano, Príncipe Besta (Negro Leo) e Meu Tesão é Outro (Gustavo Galo, Ciça Góes, Felipe Botelho e Marcelo Segreto). Ambas falam de questões bem atuais e traduzem alguns de nossos incômodos. A canção Na Garrafa (Julia Valiengo, Gustavo Galo e Paulo Cesar de Carvalho), do Nave Manha, por exemplo, é uma música de amor, mas deixa clara nossa disposição em não aceitar aquilo que nos aborrece. Acima de tudo, ser uma banda independente e ter a liberdade de decidir cada passo que queremos dar é também uma posição política.

Que predicados foram determinantes para definir os artistas e o repertório do novo projeto de releituras?
Pedro Gongom (bateria) – Como quase tudo que a gente fez até hoje, essa decisão passa muito pelo espaço afetivo da banda. Éramos um trio no começo e fomos crescendo até virarmos os 13 atuais. Do mesmo jeito, na nossa trajetória, sempre tentamos puxar para dentro alguns artistas queridos que passavam por perto. Para esse projeto paramos para lembrar de todo mundo que já tinha feito coisas com a gente, participado em disco, show. Todos os artistas que a Trupe já deu uma namoradinha. Depois disso discutimos calorosamente por mais 40 horas.

Se tivesse de mencionar um momento memorável para a banda, qual seria?Guto Nogueira (percussão) – Jamais esqueceremos da sensação alucinante de ver a noite da cidade (São Paulo) invadir o palco do Auditório Ibirapuera. Aquele portão gigantesco se abrindo lentamente, revelando aos poucos aquela imagem absurda do jardim do parque e mais ao fundo a silhueta da cidade… Foi incrível!

Se tivesse de mencionar um episódio a ser esquecido pelo grupo, qual seria?Marcos Mumu (sax tenor) – Uma vez fomos ao estúdio da Rede Globo gravar uma música para o Programa do Jô. Montaram um palco, encheram o espaço da plateia com uma molecada bem nova, que não conhecia o nosso som, e mandaram eles ficarem gritando como se fossem fãs. “Se não gritar alto não ganha o sanduíche no final”, dizia uma voz que vinha das caixas de som. Não bastasse o constrangimento, no meio da gravação o diretor decidiu que queria outra música, não mais a que havíamos combinado com eles e ensaiado. Na semana seguinte fomos avisados que “por conta de um problema técnico” a gravação não iria ao ar.  Padrão Globo de qualidade.

Acredita que seja possível rotular a sonoridade da banda em um gênero musical consolidado? Caso sim, que gênero seria esse? Caso não, por que não é possível?
Cuca Ferreira (sax barítono) – Acredito que atualmente gênero na música brasileira nem é mais uma questão musical. São muitos artistas, com histórias musicais e pessoais que por mais que tenham muito em comum acabam por trazer uma variedade de influências e propostas sem fim. Mas havendo a necessidade, a explicação do som está bem definida na letra da música Splix, do Nave Manha:
SambaRumbaCumbiaGuarañaPopPunkPolkaIndieRockAmyMpbMiMaiorTomzé!

Nesses dez anos é possível afirmar que vocês e outros artistas criaram uma cena musical representativa da geração à qual pertencem? Nesse contexto, qual o lugar da Trupe?
Felipe Botelho (baixo) – Nossa geração teve de construir uma nova maneira de produzir música e se relacionar com o público. A própria criação musical foi transformada por este novo cenário, e acho que refletimos isso. Dentro da cena de São Paulo alguns artistas estão rompendo barreiras da música independente, flertando com um público mais amplo e com as mídias mais tradicionais, colocando músicas em novela, por exemplo. A Trupe ainda se mantém como uma banda independente, o que é ótimo. Apesar de Na Garrafa ter tocado na TV e ter chegado em vários lugares do País, ainda temos um lugar mais underground. Não só pelas dificuldades de ter uma banda com tanta gente, mas também pelo fato de, apesar de sermos uma banda pop, termos um lado mais experimental, menos comercial, no nosso som.

Como é possível unificar as proposições individuais do grupo na hora de definir os arranjos?
Remi Chatain (sax alto) – Os arranjos são feitos em grande parte de forma coletiva durante os ensaios da banda. Não existe uma regra, uma metodologia fixa. Às vezes alguém traz uma ideia de groove, uma linha de baixo ou guitarra ou uma parte instrumental para experimentar com os sopros e nem sempre as coisas se conjugam. Daí é preciso descartar ideias e apostar em outras. Quase sempre as escolhas nos levam a ideias completamente diferentes.

A banda colaborou com Tom Zé, inclusive, em parcerias autorais. Que artistas de outras gerações despertam em vocês o mesmo desejo de diálogo?Ciça Góes (voz) – Essa coisa de geração é deliciosa. Na proximidade entre elas a diferença fica muito na cara e ao mesmo não, quando você e a outra pessoa estão bebendo da mesma garrafa, lendo a mesma manchete do jornal e olhando um para o outro em seguida. Uma coisa para se celebrar. Nesse sentido podemos falar que gostaríamos de tocar com Arnaldo Antunes, ou com Pepeu Gomes, por exemplo, mas também com gente desconhecida e de quem ainda não conhecemos o som.

Que impactos a perda do amigo Ray exerceu sobre as relações interpessoais e o processo criativo da banda?
Rafael Werblowsky (percussão) – Acho que mais fácil é falar da presença dele. O Ray era meio ranzinza, ao mesmo tempo que tinha um baita humor. Tocava gaita, trompete e clarinete e tinha grande conhecimento de teoria musical. Acho que, nos anos em que esteve com a gente, ele enriqueceu o som da banda.  Sempre dava ideias boas para os arranjos (o de Se Eu for Parar, de Nave Manha, por exemplo, foi quase todo pensado por ele), sem contar a parte do convívio, da amizade. Sobre a morte, é mais difícil falar. O Presente, nosso último disco, é dedicado ao Ray.

Nos próximos dez anos, é razoável vislumbrar que vocês estarão juntos? Tomás Bastos (guitarra) – Bom, razoável acho que é, mas eu prefiro não projetar tanto. Não estou dizendo que não vamos estar juntos, mas que talvez não importe tanto pensar nesse futuro distante. O maior desafio é a construção cotidiana, manter uma renovação diária com tesão. Como canta a Iara Rennó em um de seus discos novos “a cada aurora sou uma nova a toda hora um pouco mais”. Agora, pensando que somos 13, essa renovação do grupo e de cada um dos indivíduos ganha outras proporções. Vem como uma força gigante dentro do nosso coletivo e de alguma forma é um disparador, move nosso som, faz com que nunca saibamos exatamente o que somos, ou como estamos. Penso numa banda um pouco como um namoro, só que entre muita gente, e acho que a projeção de maneira geral pode dar em coisa errada. Pessoalmente, posso dizer que quero fazer som dentro desse coletivo até o fim da minha vida, mas sei que se isso acontecer vai ser de um jeito que nem eu nem ninguém da Trupe pode imaginar.

Em termos de influência criativa, existem artistas que são unânimes para vocês? Quem são eles?
Gustavo Galo (voz) – Unanimidade é algo muito distante da Trupe. Estamos sempre em movimento, animados pelas tensões, pelas dissonâncias. Até mesmo em relação às chamadas influências. Elas variam muito entre os integrantes da banda. Em alguns momentos nos aproximamos mais de determinados artistas. E muitas vezes nasce uma amizade que afeta bastante o nosso trabalho. Então, para um artista influenciar a Trupe, somado ao trabalho que ele desenvolve, tem que conviver, tem que dar tesão de estar junto.

MAIS
– Veja abaixo o clipe de Na Garrafa, do álbum Nave Manha

No embalo político de Maciel Salú

"Essa canção, para mim, é quase um grito que, durante muito tempo, ficou engasgado. Um misto de revolta e, ao mesmo tempo, serenidade e sabedoria", declara Salú. Foto: Fred Jordão

Já com quatro álbuns solo lançados, Maciel Salú se destacou por suas canções de cunho romântico. Porém, o sertanejo forrozeado do pernambucano também sempre teve um apelo social muito forte. A figura do trabalhador não é difícil de ser encontrada na discografia do cantor. Canções como O vendedor ambulante (2016) e Trabalhador rural (2008) mostram a conexão de Salú com esse universo.

Agora, lançando o quinto CD, Maciel escolheu as voltas e reviravoltas das questões político-sociais do País para abordar em seu primeiro single, Liberdade, que você escuta com exclusividade no PáginaB!. O músico, membro Orquestra Contemporânea de Olinda, já fez parcerias com uma série de artistas, como Chico César, Jorge Du Peixe e Siba.

Neste novo single, Salú faz mais do que reproduzir sua canção, pois convida o público a refletir sobre várias questões que se colocam como empecilho para que o Brasil saia da crise que vive hoje. O uso de bateria e guitarra apontam para influências do rock, que transparecem uma inquietação do músico que clama por revolução.

Além disso, o pernambucano enfatiza a aversão à ideia de volta da ditadura e defende o fortalecimento da democracia como chave para resolver questões. O preconceito, as brigas religiosas, o autoritarismo e justiça tendenciosa também são temas abordados por ele.

A sequência frenética desses assuntos no desenvolvimento da música manifesta a turbulenta situação ao qual o povo está submetido. Tudo isso, para ele, torna a sociedade mais desigual: “Infelizmente, tudo isso ainda está presente em nossa sociedade. Percebam, como exemplos, os ataques aos terreiros de Candomblé e Umbanda, além da proibição das sambadas de Maracatu Rural”, comenta. As vivências de Maciel contribuíram para que se manifestasse dessa forma: “São coisas que vivi e lutei contra nesses últimos anos, sem contar muitas outras situações que precisei passar pelo único e exclusivo fato de ser negro, vindo de uma família simples, nascido, enquanto músico, no berço da cultura popular e não na academia, nem no conservatório.”

Apesar de recorrer a um estilo mais próximo do pop-rock, não deixou de lado sua rabeca, que aparece vigorosa nos interlúdios da canção. É com o grito de Liberdade que Maciel Salú contribui para potencializar a conversa pelos rumos do País. Para isso, inspirou-se em Nelson Mandela: “Essa canção, para mim, é quase um grito que, durante muito tempo, ficou engasgado. Um misto de revolta e, ao mesmo tempo, serenidade e sabedoria”, declara o músico.

Liberdade, música que estará no CD homônimo que Maciel lança este ano, pode ser conferida com exclusividade abaixo:

 

O brilhantismo descontente de Jards Macalé

Caso seríssimo o primeiro álbum solo de Jards Macalé. Marcado por parcerias com letristas insuspeitos – os poetas José Carlos Capinam, Torquato Neto, Duda Machado e Waly Salomão, e os compositores Luiz Melodia e Gilberto Gil – o biscoito fino, lançado pela Philips, em 1972, contou ainda com a participação de dois dos mais expressivos músicos da geração que modernizou a música popular do País na virada dos anos 1960 para a década de 1970: o baterista Tutty Moreno (marido da cantora Joyce, então casada com Nelson Ângelo) e o incendiário Lanny Gordin, que deixou o posto de guitar-hero da Tropicália para assumir violão e contrabaixo elétrico no LP.

Mas, antes de falarmos de Jards Macalé, como singelamente foi intitulado o début epônimo do compositor, façamos um breve retrospecto dos caminhos que levaram o artista carioca até este primeiro registro solo impregnado de brilhantismo e do ímpeto de “desafinar o coro dos contentes”.

Nascido na zona Norte, no bairro da Tijuca, em 3 de março de 1943, ele foi batizado Jards Anet da Silva. Aos 8 anos de idade, partiu com os pais e o irmão caçula, Roberto, para Ipanema. Na zona Sul logo ganhou o apelido, em alusão ao nome do pior jogador do clube do Botafogo, chacota que adotaria, depois, como sobrenome artístico.

Se nos campinhos de várzea o desempenho do menino Jards era pífio, digno de um Macalé, a vocação para craque da música popular aflorou desde cedo, por influência de dois amadores apaixonados por música: o pai, acordeonista, e a mãe, excelente pianista e cantora. Junto deles e do irmão, Macalé participava em casa de frequentes reuniões musicais embaladas ao som de foxes e valsas. Além dos gêneros de tradição estrangeira, o intruso samba, vindo do vizinho Morro do Formiga, também ia aos poucos fazendo a cabeça do garoto.

Na adolescência, a amizade com Chiquinho Araújo, filho do maestro Severino Araújo da Orquestra Tabajara, foi determinante para transformá-lo no aspirante a artista que se consolidaria nos anos 1970 – não sem muita turbulência, como veremos.

Ao lado de Chiquinho, Macalé teve acesso a espaços restritos da extinta Rádio Mayrink Veiga. Pôde, por exemplo, conferir de perto concertos regidos por Severino, muitos deles impregnados de maracatus, choros e frevos. Pôde também ter acesso a valiosos registros fonográficos de big-bands de jazz, como as de Billy Butterfield, Ted Heath e Stan Kenton.

Foi ao lado do chapa Chiquinho, baterista, e do amigo Jota, estudante de Engenharia e flautista, que Macalé, assumindo a faceta de violonista, formou seu primeiro grupo, chamado Três no Balanço. De vida efêmera, o trio deu lugar ao Conjunto Fantasia de Garoto. Pouco depois, na primeira metade dos anos 1960, ele decidiu mergulhar nas partituras: teve aulas de piano e orquestração com o maestro César Guerra-Peixe; de análise musical com Ester Scliar; de violoncelo com Peter Dauelsberg; e de violão com Turíbio Santos e Jodacil Damasceno.

Capa do LP epônimo de 1972. Foto: Divulgação / Philips

A imersão fez de Macalé sujeito conhecido entre seus pares musicais de zona Sul. Em 1963, no Rio de Janeiro, ele conheceu Caetano Veloso, a quem chamava “Caio”. Sabendo da ebulição soteropolitana – na nascente cena musical daqueles dias despontavam artistas como Gil, Gal, Bethânia e Tom Zé – lamentou não ter podido seguir com Caetano no retorno deste à Bahia. Dois anos mais tarde, quando o “Grupo Baiano”, como bem definiu Augusto de Campos, se deslocou para o eixo RJ/SP, Macalé passou a assinar a direção musical dos primeiros shows cariocas de Bethânia.

Em 1966, municiado do conhecimento téorico recém-adquirido, começou a trabalhar para o produtor Guilherme Araújo, assinando a direção musical e tocando em shows na boate Cangaceiro. Um desses espetáculos, Pois É, foi escrito por Caetano e Suzana de Moraes e reuniu canções interpretadas por Vinicius de Moraes (pai de Suzana), Bethânia e Francis Hime, sob direção do ator Nelson Xavier. A despeito de tantos atrativos, Pois É não emplacou e Macalé embarcou, então, em um período transitório e instável, marcado pela audição compulsiva do jazz produzido entre as décadas de 1940 e 60 e uma imersão na discografia bossanovista, por influência da amiga Silvinha Telles.

Uma nova parceria artística, com José Carlos Capinam, renderia frutos mais generosos para o compositor. Ao lado do poeta baiano Macalé fundou a produtora Tropicarte e escreveu uma série de canções antológicas, como Pulsar e Quasars, incluída no álbum de 1969 de Gal Costa, o segundo trabalho solo da cantora, informalmente conhecido como Cultura e Civilização. Registrado no final do ano anterior, o explosivo álbum de Gal teve arranjos escritos pelo maestro tropicalista Rogério Duprat, que contou com o trabalho de Macalé, como assistente.

Pouco depois, acompanhado do grupo Os Brazões, de Miguel de Deus, Macalé protagonizou episódio embrionário para sua eterna pecha de “louco” e “maldito”: subiu no palco do IV Festival Internacional da Canção de 1969 para defender nova parceria com Capinam, a apocalíptica Gotham City. Longe de despertar a empatia do público – jovem, porém, conservador e patrulheiro de certo anti-imperialismo – Macalé foi alvo de uma histórica vaia e manifestação de repulsa.

Detalhe da contracapa do álbum epônimo de 1972 com os músicos reunidos no registro, o baterista Tutty Moreno e o guitarrista Lanny Gordin, Foto: Divulgação / Philips

“No sentindo do trabalho, era fantástico, agora, no sentido comercial, era muito violento. Não dava resultado. Rogério Duprat fez um arranjo que, no final, a orquestra tinha que ficar louca, completamente esquizofrênica. O maestro Tavares – que ia reger – ficou puto. Ele estava levando a sério, mas quando viu que a gente estava cantando aos berros, se recusou a reger. E quem acabou regendo foi o Erlon Chaves”, relembrou Macalé, em entrevista ao repórter Wilson Moheardui, da revista O Bondinho, em fevereiro de 1972.

Mesmo vaiado e hostilizado, inabalável, Jards seguiu rumo com um novo grupo, chamado Soma, que incluiu em sua formação um dos poucos divergentes da caretice da plateia do festival de 1969, o percussionista Naná Vasconcelos. Segundo Macalé, logo após a apresentação ele foi abordado por Naná com a seguinte frase: “Meu irmão, eu amo você. Posso entrar nessa?”. Ao que o compositor de Gotham City teria dito: “Você já está, rapaz!”.

A experiência Jards/Naná/Soma rendeu o belo compacto Só Morto/Burning Night, que também contém as composições Soluços, O Crime e Sem Essa. De tão rejeitado nas lojas – “Macalé, aquele louco? Não Quero, não!”, diziam os revendedores – o compositor preferiu ordenar a gravadora RGE que retirasse a obra de circulação. Censura mercadológica que colocou o artista em um longo sabático.

“O negócio era levar a um radicalismo total e passar para o outro lado, tanto em relação a minha música, como em relação ao que estava acontecendo. Dava o estouro logo. Mas aí, depois de Gotham City, eu ganhei uma antipatia incrível. Diziam que eu era louco. Passei dois anos sem nenhuma possibilidade. Nenhuma gravadora queria mais aceitar minha figura”, recordou Macalé na entrevista à O Bondinho.

Foi nesse contexto letárgico que, acompanhado da mulher Giselda, o compositor foi passar o carnaval de 1971 em Salvador, na companhia de Bethânia. Dias antes, ela recebera do irmão Caetano, então exilado em Londres, um recado urgente. O baiano queria que Macalé partisse imediatamente para a capital inglesa para assumir a direção musical de seu novo álbum. Lisonjeado com o convite, no entanto, sem recursos financeiros para aceitá-lo, Macalé mandou agradecer e voltou ao Rio. Uma semana depois do Carnaval veio a boa nova: Caetano arcaria com as despesas dele e de Giselda pois, segundo garantiu a Bethânia, só faria o álbum se fosse com Macalé no comando.

“A gente não tinha nem material para trabalhar. Era tudo improvisado: Caetano com o violão dele e eu com o meu para sustentar harmonicamente o dele. Houve uma grande transa. E não só no sentido musical, que ficou mais apurado. Em termos individuais, o meu enriquecimento foi muito grande. Assistia a tudo e ouvia muito o papo de Gil e Caetano. Aguentava toda a barra da relação de grupo, segurando as pontas pra manter o grupo unido.”

Foi assim, nesse ambiente descontraído, de criação gradativa, que nasceu aquele que é considerado por muitos a obra-prima da discografia de Caetano, o álbum Transa, concluído no Brasil logo após o baiano retornar do exílio, no início de 1972. Transa também tornou-se célebre por dois motivos. Um deles, pouco nobre: o rompimento da amizade entre Macalé e Caetano, porque o baiano propositalmente não teria creditado a direção musical do amigo no encarte do álbum (Caetano até hoje diz que foi um erro de impressão da Philips). Fato positivo: o álbum serviu de aquecimento para a trinca de ases Jards, Lanny e Tutty.

Ouça abaixo a caótica apresentação de Gotham City no FIC de 1969

A aproximação, o convívio regular e os intensos diálogos musicais permitiriam a Macalé entrar em estúdio, finalizar o trabalho e colocar no mercado seu primoroso álbum-solo, uma das estreias mais marcantes da geração de artistas de música popular que surgiu na segunda metade do século 20 no Brasil.

Com arranjos escritos por Macalé, Lanny e Tutty, o álbum reúne repertório cinco estrelas. Compostas a quatro mãos, com Capinam: Farinha do Desprezo, 78 rotações, Meu amor, Me Agarra e Geme e Treme e Chora e Mata e a emocionante Movimento dos Barcos. Escritas com Waly, Revendo Amigos e Mal Secreto. Única, porém memorável, parceria com Torquato: Let’s Play That. O álbum ainda reserva pérolas de Gil e Luiz Melodia: Farrapo Humano e A Morte. Fechando o repertório, Duda Machado assina “apenas” uma, a arrebatadora Hotel das Estrelas, revelada meses antes na interpretação pungente de Gal durante o show Fa-Tal – Gal A Todo Vapor, tema de nossa última coluna.

Apesar de o álbum ter propiciado uma maior compreensão sobre a obra de Macalé, ele continuou seguindo à margem, sem abrir concessões. Entre seus trabalhos mais significativos estão álbuns plenos da mesma energia e inventividade, como Aprender a Nadar (o segundo, de 1974), Contrastes (1977) e Let’s Play That (de 1983, este último foi feito em parceria com o amigo Naná Vasconcelos).

Em 1973, Macalé idealizou também um concerto em celebração aos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O encontro resultou no álbum duplo O Banquete dos Mendigos e reuniu artistas como Paulinho da Vila, Milton Nascimento, Gal Costa, Edu Lobo, Chico Buarque, Raul Seixas, entre outros. Também obrigatória é a parceria entre Jards e o mestre Kid Morangueira, ou melhor, Moreira da Silva.

Boas audições e até a próxima Quintessência!

Originalmente publicado no site da revista Brasileiros em 10.4.2014

Ouça, na íntegra, o álbum Jards Macalé

MAIS

Leia a reportagem Diários de Macalé, uma imersão, ao longo de uma semana, no processo de produção do espetáculo Sinfonia de Jards, apresentado, em 2011, no Teatro Oficina, em São Paulo

Diários de Macalé

Nos dias 26 e 27 deste mês, o Teatro Oficina, em São Paulo, será palco de um espetáculo que promete entrar para a extensa galeria dos célebres eventos que acolheu. Revisitando pérolas de seu repertório, como Gotham City, Hotel das Estrelas, Mal Secreto e Vapor Barato, o compositor carioca Jards Macalé promoverá uma experiência sensorial ao lado de Lanny Gordin, rei da guitarra tropicalista e parceiro decisivo para a sonoridade vibrante de seu antológico álbum de estreia, epônimo, de 1972.

Além do reencontro histórico de Jards e Lanny, Sinfonia de Jards – Meditação para a Cosmobaba, deve provocar estímulos com a inusitada interatividade que propõe. Dirigidas por Chico França e Gregório Gananian, peças audiovisuais editadas a partir da captação de cinco câmeras serão projetadas, simultaneamente, em cinco telões, que prometem dialogar com a performance de Macao e Lanny.

As filmagens foram realizadas em janeiro e a reportagem de Brasileiros esteve infiltrada na casa do compositor, no Rio de Janeiro, e nos sets de gravação, ao longo de cinco dias. As impressões dessa rica experiência de proximidade com o homem por trás do autor de real grandeza, obscurecido pela eterna aura de maldito, são narradas a seguir

O morcego patriota do Jardim Botânico                                                                Segunda-feira de calor implacável no Rio de Janeiro, 10h da manhã. Depois de cruzar a ponte Rio-Niterói e enfrentar tráfego intenso no Aterro do Flamengo, seguimos esbaforidos em dois carros até as ruas do Jardim Botânico, rumo à casa de Jards Macalé.

Sob o braço direito do Cristo Redentor, em um pequeno apartamento térreo de uma estreita rua de paralelepípedos em formato de U, Jards nos aguarda, no portãoansioso.

Fixados na parede da entrada de seu apartamento, observo dois signos cultuados pelo músico carioca: uma enorme pipa de nylone m formato de morcego e um relógio de madeira com a bandeira do Brasil talhada à mão e, no espaço reservado ao “ordem e progresso”, a sentença “desordem e regresso”. Um presente do amigo cineasta Nelson Pereira dos Santos e uma remissão à real devoção de Jards pela bandeira brasileira.

Jards Macalé e Vinicius de Moraes em registro de 1962. Imagem afetivamente emoldurada e afixada em uma das paredes do apartamento de Macalé. Foto: Arquivo pessoal

Sem temer a desordem e o regresso, desde que provocou furor público pela primeira vez, em 1969, quando subiu ao palco do IV Festival Internacional da Canção, acompanhado de Os Brazões, para defender Gotham City, parceria com o amigo, poeta, Capinam, Macalé tem perseguido a contramão de caminhos trilhados por alguns de seus ilustres pares dos anos 1960, como Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Jamais conheceu o mesmo êxito comercial dessa “santíssima trindade” tropicalista, mas, desde sempre, defendeu uma condição altiva de estar à margem. Como bem disse em seu álbum homônimo de 1998: “Maldito é a mãe, o que faço é música!”.

Ao som de Wave na voz sublime de João Gilberto, antes de partirmos para a primeira gravação do primeiro dia, Macalé dá uma rápida passada por sua agenda para checar os compromissos dos próximos dias. Fala com entusiasmo do aniversário do amigo Luiz Melodia, que acontecerá na quinta-feira, e recorda que, no dia seguinte, não poderá gravar cedo. Terá de ir à sessão semanal de psicanálise e também devolver o terno de seu analista, gentilmente emprestado para que ele pudesse comparecer com o garbo necessário à posse da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, em Brasília, em cerimônia realizada dias antes. Desde 1994, Jards e Ana protagonizam uma amizade colorida que (o cantor sugere) faz linha tênue com interesses afetivos.

Desconfiado, Macalé muda de assunto. Enquanto afina o violão, recorda a hilária tentativa de João Gilberto de roubá-lo, em 1972. De volta ao País – na célebre passagem em que exigiu ser recebido por Caetano Veloso e disputou com ele uma partida de pingue-pongue em pleno saguão do Galeão –, João chegou querendo saber qual era o melhor violão do Rio. Mais de um músico recomendou ao guru baiano que pedisse emprestado o de Jards.

Fã devoto de João, e também conhecedor da fama de seu ídolo de colecionar violões alheios, Macalé hesitou muito, mas decidiu emprestar o instrumento manufaturado pelo renomado luthier uruguaio Juan C. Santurion. Por segurança, exigiu de Octávio Terceiro, inseparável agente de João, a devolução imediata do instrumento, assim que o último acorde fosse tocado no Canecão.

 

Um longo e afetuoso abraço e o pedido sussurrado de “… Vamos com calma, Caetano”, insinuam uma reaproximação gradativa. Qualquer um que tenha escutado ‘Transa’ – a obra-prima do baiano, que teve direção musical de Jards não creditada, motivo este alegado como o estopim da briga – sabe o quanto essa ruptura de laços afetivos foi também uma baixa lamentável para nossa música

 

Quatro dias depois, nada do violão. Macalé conta que, indignado, foi até o hotel onde João se hospedava e só arredou o pé de lá quase cinco horas depois. Depois de subir e descer os elevadores por quatro vezes, Octávio Terceiro, relembra Macao, partiu em nova tentativa, levando consigo alguns doces de banana que Jards havia acabado de comprar na rua. Ao chegar no quarto, Terceiro ofereceu um deles a João que, na primeira mordida, quis saber qual era a procedência da guloseima que fez com que ele se lembrasse dos doces que comia na infância em Juazeiro – esquivo, questionou: “Mas por que o Jards não sobe, Octávio? Traga ele até aqui e, por favor, descubra de onde vem esses doces!”.

Violão resgatado, uma amizade musical nasceria daí. No segundo encontro, uma visita à casa de dona Lygia, mãe de Macalé, que vive em Penedo, no interior do Rio, o convite para um café vespertino foi levado ao pé da letra por João e suas excentricidades. Ao ouvir a campainha Jards seguiu até a porta e deu de cara com o baiano trazendo violão, pó de café e coador à tiracolo!

Jards Macalé e os Brazões apresentam ‘Gotham City’, no Festival Internacional da Canção de 1969. Foto: Arquivo pessoal

A programação da primeira manhã de filmagens se inicia com a produção dos vídeos que acompanharão a execução de Let’s Play That, faixa do primeiro álbum de Jards, com a pena elegante do poeta Torquato Neto.

Em busca de inspiração, Macalé procura o CD homônimo em que regravou o tema com Naná Vasconcelos, em 1983, e coloca a faixa para tocar no repeat, em volume de festa. Ao trancar o apartamento e sair para a rua, observo que ele não desligou o aparelho e que a música continuará ecoando repetidamente pela vizinhança. Ele dá de ombros e conclui: “Deixa tocar, qual o problema?! Sou um rapaz solteiro, não devo satisfação a ninguém!”.

Seguimos para uma viela com extensa escadaria, a uns 500m da casa de Jards que, em alusão a Tarzan, emite um berro gutural que ecoa pela mata úmida e exuberante do Morro do Corcovado. Não tarda para sermos perseguidos por mosquitos e borrachudos sedentos por sangue. Jards recomenda a compra de repelente. Enquanto a equipe prepara o set, pego um dos carros e sigo com ele até a farmácia mais próxima. Ao sair de lá, Jards sugere tomarmos café em uma padaria da Rua Humaitá.

Aguardamos a garçonete tirar o pedido e o jornal do dia, disposto sobre a mesa, desperta a atenção de Macao. Folheando as páginas de cultura, ele dá de cara com uma matéria que anuncia o aniversário de 70 anos do amigo Jorge Mautner. A festa acontecerá, horas mais tarde, no Circo Voador, com direito a show de Mautner ao lado do parceiro Nelson Jacobina, da Orquestra Imperial, e da ilustre participação de Gil, Caetano, Melodia e do próprio Jards, muito embora, para a fúria dele, o jornal sequer mencione seu nome ao longo do texto de meia página.

Macalé dobra o tabloide, o arremessa na cesta de lixo mais próxima e decido partir logo para uma questão polêmica. Comento que o reencontro dele, Gil e Caetano é aguardado há décadas – Macalé esteve distante de Gil e rompido com Caetano, desde a primeira metade dos anos 1970. Ele comenta, entre sorrisos céticos, as tentativas indiretas de reaproximação de Caetano, que frequentemente o elogia e diz, aos amigos em comum, sentir sua falta. Ele também diz gostar de Caetano, mas se mostra melindroso e revela que a gota d’água de suas desavenças veio quando, em uma discussão financeira, após um show em 1974, foi chamado de canalha pelo baiano. Algo imperdoável, para ele.

De volta ao set, muito repelente para conter os insetos e em menos de meia hora, trajando apenas shorts, descalço e empunhando o violão, Jards resolve a filmagem de Let’s Play That, por conta própria, satisfeito com sua performance, no segundo take.

Misturando as vestes de Batman e Super-Homem, com uma canga que estampa a bandeira do Brasil travestida de canga, Macalé grava com a equipe o clipe de ‘Gotham City’ no pier da Lagoa Rodrigo de Freitas. Foto: Luiza Sigulem

Retornamos ao apartamento e começam os preparativos para o segundo registro do dia. O tema é Gotham City e será gravado em duas etapas: um passeio ao Jardim Botânico, caracterizado de Batman, e uma caminhada, fantasiado de Coringa, em pleno sábado, pelas ruas estreitas e apinhadas de gente do Saara, o maior comércio popular do Rio.

Trajando cueca samba-canção, camiseta do Super-Homem, uma canga com a bandeira do Brasil fazendo as vezes de capa e dois itens originais do figurino do homem-morcego – a máscara e um largo cinturão sobreposto na barriga proeminente –, Macalé sai às ruas e canta os versos de Capinam, repetindo aos berros o refrão “Cuidado, há um morcego na porta principal! Cuidado, há um abismo na porta principal“.

Por onde anda, é perseguido por risos e olhares pasmados de vizinhos e comerciantes que o reconhecem e o cumprimentam.

Tomamos o caminho de volta e uma cena impagável é registrada, Jards estaciona no farol de pedestres ao lado de um policial militar que o fita, indiscretamente, da cabeça aos pés. Com seriedade inabalável, ele olha para o homem, acena com a cabeça, espera ele avançar pela faixa e comenta, sorrateiro: “Defendemos a ordem por aqui!”.

Encerramos o dia exaustivo indo direto ao Circo Voador para celebrar os 70 anos de Mautner. Por sorte – e com os equipamentos ainda nos carros –, a equipe é autorizada a entrar nos camarins e acaba filmando o reencontro de Macalé e Caetano, em registro de Chico, Gregório e seu irmão, César.

Um longo e afetuoso abraço e o pedido sussurrado de “… Vamos com calma, Caetano”, insinuam uma reaproximação gradativa. Qualquer um que tenha escutado Transa – a obra-prima do baiano, que teve direção musical de Jards não creditada, motivo este, há décadas, alegado como o estopim da briga – sabe o quanto essa ruptura de laços afetivos foi também uma baixa lamentável para nossa música.

Confissões de um peitólogo
Empresária de Jards, a produtora cultural Maria Braga, tia da atriz Alice Braga e irmã de Sonia Braga (cultuada como uma pin-up tropical por esse escriba em sua adolescência), nos hospeda em Niterói, justamente na casa da atriz, onde ela se instala em suas passagens pelo Brasil. Objeto de desejo de toda a equipe, a enorme cama de Sonia é dividida em rodízio e é nela que desperto de um sono profundo e revigorante.

Depois da maratona do dia anterior, a terça-feira reserva uma agenda bem menos extenuante. De volta à caverna do morcego, enquanto o figurino da tarde é preparado, Macalé põe-se a substituir uma bandeirola retangular fixada na parede que divide seu quarto da sala por uma ilustração com dois anjos.

Quando tira a bandeirola da parede, uma famosa foto em preto e branco de Maria Bethânia – muito jovem, torso nu e seios à mostra – faz-se revelar, para a surpresa de todos. A imagem é rapidamente coberta pela ilustração dos anjos. Macalé justifica a presença da foto na parede, porque, como bom “peitólogo” que é, tem de ter sempre à mão aquela imagem.

Esclarecendo melhor sua obsessão, ao ver uma chamada de Order & Law na TV – um de seus seriados prediletos, defende – ele comenta, entusiasmado, que uma das atrizes é filha de Jane Mansfield e atesta que, como a mãe, ela também tem um belo par de seios. No entanto, ressalva que Jane está em outro patamar, no mesmo cânone onde estão Anita Ekberg e a irmã do amigo Caetano, a quem se acostumou chamar de “Caio”.

Seguimos até o centro do Rio, na estação de embarque das balsas que levam a Niterói, instalada na Praça XV. De terno branco e camisa azul, caracterizado de malandro (ou de Moreira da Silva, seu saudoso parceiro e mestre), Macalé canta e dança Mambo da Cantareira, a composição de 1960, de autoria de Barbosa Silva e Eloide Warthon, que empresta a frase “aprender a nadar” ao título de seu seu segundo álbum, de 1974, LP em que Jards a regravou.

O mambo de Barbosa e Eloide ironiza o péssimo serviço de travessia prestado pelo Grupo Carreteiro, fato que culminou no episódio conhecido como a “Revolta das Barcas” e na estatização do serviço, com a fundação da Companhia Cantareira. Uma forte chuva de verão antecipa o encerramento da gravação e corremos para o Jardim Botânico.

Reunidos em um café de uma das travessas da Rua Humaitá, ouvimos Jards contar, orgulhoso, que foi ele quem redigiu a nota de falecimento fixada na porta do bar ao lado, tocado há décadas pelo grande amigo Américo, morto há menos de 15 dias.

“Aquela ilustração dos anjos, eu tirei daqui (a imagem que cobriu a foto de Bethânia com o torso nu). Vivia dizendo para o Américo que iria levá-la para casa e ele brincava: ‘Só se for por cima do meu cadáver!”. Pronto, levei!”

Café tragado, Jards passa no bar vizinho, o Rebouças, para cumprimentar o garçom e amigo Chico. Questionado por Gregório, que esteve na noite anterior no bar e conversou com o rapaz, se o nome do garçom não era Jorge, Jards dispara mais essa: “Sim, sei disso, mas desde a primeira vez que o chamei de Chico ele respondeu. Pronto, virou Chico!”.

O Rio sem tom e o Brasil mediano
No verão de 1987, uma epidemia de dengue e conjuntivite assolou o Rio de Janeiro. Macalé satirizou a questão no compacto de 12 polegadas que trouxe a impagável faixa Rio Sem Tom (uma paródia de Vamos a La Playa, do Menudo) e uma leitura de Blue Suede Shoes (o clássico de Carl Perkins eternizado por Elvis Presley).

Se o registro de Blue Suede Shoes, arranjado por Lincoln Olivetti, é impregnado de sambalanço, um Jards caracterizado de bluesman e cantando arrastado é quem dá o tom na versão filmada nesta tarde de quarta-feira. Uma das cinco câmeras estava incumbida de registrar um close de seus pés marcando os compassos. Diante da falta de coordenação para cadenciá-los, Jards sentencia: “Não consigo controlar meus pés. O direito é o João Gilberto e o esquerdo é o João Donato”.

Encerrada a filmagem de Blue Suede Shoes, pausa para um café e a leitura de uma nota publicada no site da Brasileiros, onde comento a apresentação de Jards na festa de 70 anos de Mautner. Jards lê o texto, diz, sucintamente, que gostou, e me convida para um cigarro do lado de fora, enquanto a equipe prepara a sala para filmar Choro Esdrúxulo.

“Era só o que me faltava: depois de ser taxado de maldito a vida toda, passar a ser lembrado como o cunhado do Chico buarque ou o namorado da ministra!”

Sentado em um dos bancos dispostos no pequeno corredor, ele traga compulsivamente o cigarro e mantém o silêncio por alguns segundos. Quando decide falar, elogia o trabalho da equipe de filmagem, “esses meninos estão fazendo a coisa certa, estão fazendo o que é necessário ser feito”, e se diz cansado com a imprensa “burra e maledicente”.

Justifica, afirmando que quando houve o anúncio da nomeação de Ana de Hollanda para a pasta da Cultura, passou a ser sondado por repórteres ansiosos por uma confirmação de que eram casados, namorados ou coisa que o valha. “Era só o que me faltava: depois de ser taxado de maldito a vida toda, passar a ser lembrado como o cunhado do Chico ou o namorado da ministra!”

Reservado, ele novamente foge do assunto “Macao e Ana” e migramos o papo para as expectativas sobre o governo Dilma. Ponderado, Macalé prevê uma continuidade do projeto do ex-presidente Lula e dispara: “Até defendo que o Lula fez coisas importantes, mas se seu grande feito foi elevar tanta gente à classe média isso me assusta. Feliz de quem teve ascensão, mas tudo o que é médio é vizinho do que é mediano e medíocre. Esse não pode ser o único projeto do País!”.

As filmagens são retomadas e Macalé protagoniza uma situação absurda. A ideia concebida por Chico e Gregório para Choro Esdrúxulo é uma paródia do programa Roda Viva, da TV Cultura. Ao centro da arena, Macalé é sabatinado por outros quatro entrevistadores, todos o, próprio Macalé.

Nudez estelar / Um coringa na multidão
Exaurido pela maratona de filmagens e também preocupado em guardar energias para o aniversário do amigo Luiz Melodia, encontramos Macalé somente dois dias depois. Se a quarta foi de repouso, a sexta-feira promete uma grade extenuante. Três filmagens, em quatro diferentes locações: o bar do recém-falecido Américo e o vizinho bar Rebouças, onde será registrado Soluços; a Praia do Diabo, onde são feitas as imagens para Vapor Barato; e o apartamento de Jards, onde uma comovente versão de Hotel das Estrelas foi registrada.

Quando Gregório propõe a Jards ficar sem camisa e esclarece que as câmeras estarão orbitando em seu corpo, Macao não hesita: “Porra, sendo assim, vou ficar nu de uma vez por todas!”.

Despido, surge da cozinha trazendo na mão uma gargantilha de São Jorge e pede ajuda para colar a imagem, que ganhou da mãe. Amuleto de Ogum no pescoço, quando começa a cantar, de olhos fechados, os versos do amigo Duda  – o letrista de Jards na composição que ficou célebre na voz de Gal Costa em Fa-Tal  – surgem sublimes e provocam arrepios: “Dessa janela, sozinho / Olhar a cidade me acalma / Estrela vulgar a vagar / Rio e também posso chorar…“.

Encerrado o take, um silêncio impactante invade a sala. Depois do registro de duas inspiradas performances de Vapor Barato, na Pedra do Arpoador, e de Soluços, no bar Rebouças, a equipe conclui que o dia estava ganho.

Jards Macalé e o poeta Waly Salomão, ou melhor, Waly Sailormoon. Foto: Arquivo pessoal

Manhã de sábado. O sol surge impiedoso. Jards nos recebe, bem-humorado, ansioso por transformar-se em Coringa, o vilão inimigo do homem-morcego, mas adverte que o fará quando estivermos no Saara, pois não quer pagar tamanho ridículo nas ruas do bairro.

Observo uma foto dele ao lado de Vinicius de Moraes e pergunto se o violão que ele empunha é o mesmo cobiçado por João Gilberto. Macalé diz que não, recorda que a foto foi feita em 1962 na casa do poeta, e faz questão de narrar a história da compra de seu primeiro violão aos 15 anos, negociado a troco de banana com um bêbado.

Abandonamos os carros em um estacionamento próximo ao Saara. A metamorfose acontece ali mesmo. Macalé tem o cabelo ralo tingido por uma pastosa tinta verde. A boca, em desenho enorme e irregular, impregnada de batom vermelho. Suando em bicas, Macao parte conosco, à pé, até as ruas apinhadas e estreitas do Saara. Embrenhamos na multidão, que se locomove frenética entre as ruelas multicoloridas e barulhentas.

Música de acento popular  – funk carioca, sertanejo e forró  – ecoa por todos as portas de comércio. Vendedores anunciam ofertas. Seguranças observam tudo, solitários em seus assentos de quase 3 m de altura.

Infiltrado nesse caos tropical, Jards berra os versos de Gotham City, desafiando a multidão. Com a profusão de câmeras que o cercam, a maioria dos pedestres do Saara parece mais estupefata por não saber quem é aquele sujeito cercado por câmeras do que chocada por sua tresloucada figura.

Por todas as ruas ouvem-se frases “quem é esse louco?!”, “que maluquice é essa?!”. As lentes da equipe invadem uma loja de artigos religiosos, onde Jards adquire uma imagem de São Jorge e não poupa os lojistas do alerta de Gotham City:Cuidado, há um abismo na porta principal!“.

O passeio é encerrado com a visita a um comércio especializado em pipas que reconhece Macalé como um cliente assíduo. De lá, Jards sai com um novo modelo do Batman em mãos e um sorriso congelado no rosto, expressão ainda mais grotesca pelo suor que escorre e, aos poucos, desfaz sua maquiagem. Imperfeição que em nada reduz a demonstração de sua grande satisfação com as boas experiências daquela atípica semana.

Em novembro, o morcego patriota do Jardim Botânico sobrevoará os céus de São Paulo e um capítulo elementar dessa nova aventura se encerra aqui.

MAIS

Leia O Brilhantismo Descontente de Jards Macalé, resenha do primeiro álbum do artista, publicada na coluna Quintessência

Agenda: Confira os destaques da semana 2 a 9 de março

León Ferrari, A los derechos humanos

Esculturas para ouvir, coletiva no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura e Ecoloogia), abertura em 3/3.

Em “Esculturas para Ouvir”, o curador Cauê Alves, busca, a partir do olhar de coleções de arte contemporânea particulares, descobrir como essas peças são vistas hoje dentro do campo das artes visuais. E a ausência de obras pertencentes a museus nesta mostra é proposital, pois a questão que se tenta investigar é: seriam as esculturas sonoras já amplamente aceitas como obras de arte por colecionadores, pelo mercado e pelo público? León Ferrari, Amelia Toledo e Paulo Bruscky são alguns dos artistas que fazem parte da exposição.

hilma klintHilma af Klint, The Ten Largest, No. 7, Adulthood, Group IV, 1907.

Hilma af Klint: Mundos Possíveis, individual na Pinacoteca de São Paulo, abertura em 3 /3

A exposição inclui 130 obras. Destaque para a série intitulada “As dez maiores”, realizada em 1907 e considerada hoje uma das primeiras e maiores obras de arte abstrata no mundo ocidental, já que antecede as composições não figurativas de artistas contemporâneos a af Klint como Kandinsky, Mondrian e Malevich. Além deste conjunto, a exposição em São Paulo contará com algumas séries de obras que nunca foram apresentadas ao público. A mostra da Pinacoteca tem curadoria de Jochen Volz, diretor geral da instituição, em parceria com Daniel Birnbaum, diretor do Moderna Museet, e é uma colaboração com a Hilma af Klint Foundation.

microutopicas

Mesa de exposição da editora uruguaia Microutopicas, na edição da JUNTA de 2017.

JUNTA – Feira de Livro de Artista Latino Americana, feira de livros no Sesc Pinheiros, nos dias 3 e 4/3.

Reunindo postais, livros, zines e pôsteres que são de difícil acesso por questões geopolíticas e econômicas, a feira de arte impressa trará uma grande variedade de formatos e autores. Para o evento, foram convidadas sete editoras nacionais, pioneiras na organização de espaços para a venda de arte impressa. Também haverá representantes de Cuba e da Argentina. Com curadoria de Paula Borghi, a feira ainda contará com mesas de camelô, que poderão ser ocupadas por publicadores autônomos. A feira faz parte da programação do FestA!, Festival de Aprender, que acontece nas unidades do Sesc durante o fim de semana.

livro cildo ubu

Detalhe do livro Cildo: estudos, espaços, tempo, editora UBU.

Cildo: estudos, espaços, tempolançamento de livro na Galeria Luisa Strina, no dia 6/3.

Organizado por Diego Matos e Guilherme Wisnik, o livro Cildo: estudos, espaços, tempo traz acervo iconográfico inédito. Além das fotografias das obras em exposição, traz desenhos e esboços feitos nos processos de criação das obras de Cildo Meireles, um dos artistas mais importantes em atividade no País. Estão inclusas desde obras mais famosas a obras mais desconhecidas. Também apresenta doze textos de críticos nacionais e internacionais sobre Cildo, de 1969 a 2017.

Amanda Mei-Encontro marcadoAmanda Mei, Encontro Marcado, 2017.

Daniel Arsham: ZAZEN e Amanda Mei: Refôrma, individuais na Galeria Baró, aberturas em 3/3.

Nos trabalhos que compõem a mostra ZAZEN, Daniel Arsham propõe ao espectador a experiência de um tempo que não é concreto – apesar da materialidade dos objetos de suas esculturas e instalações. Já em Refôrma, o conjunto de trabalhos trata da dinâmica dos movimentos de transformação e destruição, a ideia de progresso e sobrevivência.

Takesada Matsutani, Cercle, 2006.

Takesada Matsutani, atividades na Japan House, entre os dias 6 e 11/3

O artista contemporâneo Takesada Matsutani é um dos grandes nomes da arte japonesa do pós-guerra. Pela primeira vez no Brasil, a exposição contará com duas obras e duas performances. No dia 3 de março, a galeria Bergamin & Gomide também abre uma exposição sobre o artista. Takesada Matsutani: Selected Works 1972 – 2017 traz cerca de 20 trabalhos com grafite, cola de vinil, colagem e acrílico, entre outros materiais, tendo como suporte o papel, a tela e a madeira.

diadiaDiogo de Moraes, Dia-Dia, 2008

Maria Andrade e Diogo de Moraes, individuais na Galeria Virgílio, aberturas em 7/3.

Diário do busão: visitas escolares a instituições artísticas concebe a mediação como prática documentária de viés artístico. Sua elaboração envolve a infiltração em ônibus que conduzem estudantes da rede pública do ensino a instituições de arte da cidade de São Paulo, por ocasião das visitas agendadas promovidas por seus departamentos educativos. Já a individual de Maria Andradenas palavras de Rodrigo Bivar, tem pinturas que “se baseiam em fotografias, ou são reconstruções efetuadas pela memória. Embora sejam pinturas de paisagens, o uso da cor empregado pela artista não tem a intenção – salvo uma peça – de serem naturalistas”.

spilageII

Francisco Valdés, Spillage II, 2015

Francisco Valdés: Fantasma escandinavo, individual na Adelina Galeria, até 31/3.

A mostra apresenta quadros criados especialmente para esta exposição em São Paulo. Para Mario Gioia, que assina o texto crítico, “Valdés percorre experimentações que podemos avaliar como pintura expandida, na qual outros meios – desenho, tridimensional, fotografia, cinema e performance, entre outros – se amalgamam e, travestidos de novos significados, discutem e renovam atributos típicos do suporte originalmente investigado.”