Gustavo Nóbrega, junto à Galeria Superfície, da qual é fundador, é responsável pela criação, pesquisa e edição do livro Poema-Processo, publicado pela Martins Fontes.
Nóbrega é artista plástico e vem de uma família de galeristas. Isso o levou, desde cedo, a ter um contato estreito com a arte. Seu olhar, porém, esteve sempre voltado para artistas que tivessem um trabalho de cunho mais poético ou outros que usam a palavra na imagem. Ele trabalha nessa vertente ora na pesquisa, ora nas exposições que resolve montar na galeria. Foi assim com Leonílson, com Mira Schendel, e agora, na mostra que acabou de apresentar e que comentamos na página 64 da edição 44, com Neide Sá.
Esse foco o levou a encampar uma importante pesquisa sobre os artistas que fizeram parte da história da poesia visual no Brasil.
“Um dia eu vi uma matéria numa revista internacional sobre o Poema-Processo. Eu achei fascinante. E pensei: ‘como é que o Brasil não conhece isso?’. Fui atrás e, a partir daí, uma coisa levou a outra. Wlademir Dias-Pino, Neide Sá (Saiba mais sobre a artista clicando aqui). Fui descobrindo o mundo dos artistas que participaram dos diferentes processos e estabeleci várias conversas com eles. Essa foi a maior fonte de pesquisa.”, diz Nóbrega.

ENTRE 1956 E 1967, DA POESIA CONCRETA AO POEMA/PROCESSO, TRABALHO DE WLADEMIR DIAS-PINO, SÓLIDO, 1962. SERIGRAFIA, CORTES E VINCOS SOBRE PAPEL
O livro mapeia a 1a Exposição Nacional de Arte Concreta, inaugurada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1956, que contou com a participação de vários pintores, escultores e poetas. Hoje, nomes consagrados como Augusto de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, Haroldo de Campos, Ronaldo Azevedo, Waldemar Cordeiro e Wlademir Dias-Pino.
Em 1959, Ferreira Gullar assinava o Manifesto Neo Concreto, junto a Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim e Theon Spanudis. Alguns deles tinham fundado o Grupo Frente no Rio, e outros o Grupo Ruptura em São Paulo.
Pouco tempo depois nasceu, em Natal, o Grupo Dés, cujo manifesto intitulado “Por uma Poesia Revolucionária, Formal e Temática” era assinado por Anchieta Fernandes, Dailor Varela, Fernando Pimenta, Jarbas Martins, João Charlier, Juliano Siqueira, Ribamar Gurgel e Moacy Cirne.
Baseado nas produções criativas desses grupos, os artistas viram a necessidade de diferenciar poesia de poema. “A poesia era tomada como um conceito abstrato, enquanto o poema era enxergado em seu aspecto táctil, material, passível de ser manipulado”, diz Nóbrega na apresentação do livro. O poema ganhou status de objeto. Produziram-se assim, poemas para serem rasgados, queimados, degustados.
O movimento Poema-Processo, em 1967, surgiu paralelo à Tropicália, numa época onde qualquer ruptura criativa colaborava com a ideia de ruptura com a comunicação institucional da ditadura. Fundado por Wlademir Dias-Pino, Neide Sá, Álvaro de Sá, entre outros, o grupo chegou a ter mais de 70 artistas e poetas brasileiros participantes e até um uruguaio, Clemente Padin, e um argentino, Edgardo Antonio Vigo.

O grupo trabalhava com a ideia de processo, utilizando a linguagem como veículo. A partir daí, se construíam várias versões que se somavam por sua vez a diferentes estilos, o que permitia uma despersonalização da obra.
O livro, que tem até um texto original do crítico Frederico Morais para o Jornal Diário de Minas, de 1957, quando este tinha apenas 21 anos, intitulado “A poesia nas Artes Visuais”, traz à luz uma das vanguardas históricas brasileiras da arte contemporânea.
(Poema-Processo: uma vanguarda semiológica, 320 páginas, WMF Martins Fontes, R$ 120)