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Cinco décadas de realismo em mostra internacional

A mostra 50 Anos de Realismo – Do fotorrealismo à realidade virtual – parece impor a ideia de que a natureza não é mais que uma projeção dos homens. Montada no Centro Cultural Banco do Brasil, arquitetura que criticamente pode operar com o conceito de panoptismo,
(vigilância total e contínua) a coletiva internacional se move com formas significantes de escultura, pinturas, fotografias, vídeos e realidade virtual.

Realismo 

O realismo pode ser considerado um refresco para o espectador que ainda não digeriu a complexidade e as “esquisitices” da arte contemporânea. As instalações realistas e hiper-realistas representam aparentemente uma sociedade alegre, divertida, envolvida em uma sinalização do tempo de ócio. As referências iconográficas da coletiva não são casuais. A curadora Tereza de Arruda, que vive em Berlim há mais de 30 anos, foi buscar obras com algum ímpeto político social, como a instalação Springtime, de Peter Land, e outras com o portrait de Simon Hennessey, sem deixar de lado o sofrimento e a ternura como em Mother and Child, de John De Andrea.

Foto: Leonor Amarante

O conjunto de 93 obras, de 30 artistas, sugere um percurso que começa com as pinturas das décadas de 1970 e 80 que retratam, com precisão fotográfica, o American Way of Life. Destacam-se o britânico John Salt e o americano Ralph Goings, cujas telas exibem estacionamento de trailers, caminhonetes e as tradicionais mesas de lanchonetes de cidadezinhas do interior americano com jarros, saleiros e ketchups. Todas encontram lugar no espaço e no tempo da história americana.

O escultor americano John De Andrea, um dos artistas mais importantes da mostra, com Christine, recompõe seu imaginário, em uma escultura hiper-realista de mulher nua
em bronze policromado, que funciona como marco no espaço interno da sala, rodeada de um certo número de obras distribuídas de acordo com relações angularmente determinadas. De Andrea é um dos artistas americanos que caíram no gosto de Harald Szeemann, que o expôs na quinta edição da Documenta de Kassel, na Alemanha, em
1972, quando o crítico suíço deu Norte à exposição, transformando-a no que ela representa hoje no mundo das artes: respeito e poder. Na mostra alemã ele chamou a atenção com Arden Andersen e Nora Murphy, escultura hiper-realista de um casal “transando”. Os personagens de De Andrea, cuja teatralidade se impõe, são uma extensão tridimensional de suas pinturas. Em Kassel, ele se apresentou com algumas estrelas do mercado como Georg Baselitz, Christian Boltanski. Marcel Broodthaers, Dan Graham, Christo e Jeanne – Claude, cujos trabalhos contrastavam com o seu realismo.

Na mostra paulistana há obras com realismo estático, mas com referência a uma ação performática, como a instalação do dinamarquês Peter Land, um braço soterrado pedindo socorro. A história dos espaços expositivos é a de como as diversas formas de instalações
modificaram nossa percepção do que vemos, dependendo do contexto de onde são montadas. Land brinca com o paradoxo do que é exposto e o que é escondido. Em outro
trabalho ele elimina um corpo, supostamente masculino, o coloca atrás de uma cortina escura e só deixa à mostra a ponta dos sapatos. Ele trabalha o conceito de lugar
transitivo que poderia estar em qualquer outro espaço. A singularidade não é própria desta mostra em que convivem tantos elementos díspares. O que a exposição parece buscar, em sua diversidade, é colapsar a materialidade dos suportes utilizados. As pinturas realistas usam imagens que já deixaram de ter interesse próprio e que funcionam como notícias de seus momentos. Funcionam também como testemunhos do poder que imagens cotidianas podem alcançar.

A série de fotos hiper-realistas é chave da historicidade da mostra como memória, mas o marco zero são as pinturas com precisão fotográfica das décadas de 1970 e 80. Cada
obra tem a capacidade de ser um objeto individual, carregado ora de limpeza formal, ora de leviandade, ora de formalidade ou simplesmente de kitsch. No realismo, o campo de fricção é amplo como mostra o argentino, residente em Londres, Ricardo Cinalli. O tema é amplo e se espraia entre naturezas-mortas, paisagens urbanas e rurais e uma série de retratos, muito próximos de fotografias ampliadas, caso das obras dos britânicos
Simon Hennessey e Paul Cadden. As novas mídias emergem nesse realismo de cinco
décadas. O artista alemão Felix Kraus, autor das pinturas The Beginning of the End of The World e Cutting Sunday, se aproxima da realidade virtual, ao envolver suas telas
numa projeção 3D, transformando-as em cenas fantasmagóricas. Essas distorções entre ficção e realidade são evidenciadas não só na The Swan Collective, de Kraus, como em outras. A linha tênue entre o real e o ficcional torna-se mais forte nas pinturas realistas do
alemão Sven Drühl cujas imagens foram extraídas a partir de frames de videogames.

Com esse conjunto, vindo de colecionadores de vários países, a curadora tenta descobrir até que ponto as pessoas vivem no que ela chama de realidade crua. “Quis trazer a
discussão para o nosso tempo e, por isso, decidi que a exposição começaria no fotorrealismo e chegaria à realidade virtual”. Para cumprir o enunciado Tereza de
Arruda pensou em um local onde pudesse, espacialmente, desenvolver sua tese, daí a escolha do prédio do CCBB.

Serviço

Exposição 50 Anos de Realismo: do Fotorrealismo à Realidade Virtual
De segunda a domingo das 09:00h às 21:00h. Fecha às terças-feiras.
Centro Cultural do Banco do Brasil – CCBB São Paulo – Rua Álvares Penteado, 112
Até 14 de janeiro de 2019

A vertiginosa amorosa festa

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Um conjunto de tapetes pendurados no teto se movimentam, girando em ritmos distintos, criando uma sensação de dinamismo, quando mostras em galerias costumam ter uma energia quase sepulcral, especialmente pelo pouco público que as frequenta.

Em Aquele Vestígio Assim… Feérico, que esteve em cartaz até 27 de outubro na Casa Triângulo, o assumed vivid astro focus (avaf) fez sua própria festa, mesmo quando não havia público. Em uma fase obscura do país, de clima de guerra nas redes sociais, a experiência de movimento da cor foi como um oasis.

O projeto é um desdobramento da exposição abstracto viajero andino fetichizados, realizada, em 2017, no Museu Mario Testino (MATE), em Lima, no Peru, quando o avaf produziu uma série de quatro tapeçarias inspiradas na cultura Wari, que surgiu na região andina por volta de 680 dC, criadas em conjunto com  Elvia Paucar Orihuela, uma artesã de San Pedro de Cajas.

Em São Paulo, foram seis tapetes, realizados também com Orihuela, em padrões semelhantes às 17 pinturas expostas na mesma sala, número calculado para cobrir todas as paredes, criando um ambiente imersivo. Para chegar a esses padrões, Eli Sudbrack, que criou o avaf em 2001, deu uma espécie de zoom em antigos trabalhos, como se os observasse com uma lente de aumento em busca de seus componentes genéticos. Cria-se, assim, uma imersão na obra do coletivo, que se transforma em realidade e ficção, já que mesmo partindo de imagens existentes, chega a formatos totalmente distintos do original.
Esse procedimento um tanto caleidoscópico, contudo, repete-se com o programa avalanches volcanoes asteroids floods, que tem por base um arquivo de vídeos de Sudbrack, onde são exibidos 66 pequenos trechos selecionados de registros dos últimos 15 anos. Há um pouco de tudo lá, relacionado ao artista, é claro. De trechos de performances, como a realizada em 2008, no encerramento catártico da Bienal do Vazio (28ª. Bienal de São Paulo), a cenas privadas, do cºnvívio afetuoso com amigos. É como se fosse possível, por cerca de duas horas, entrar não só nas memórias do avaf, como no círculo íntimo que ajuda a construir sua obra.

Finalmente, a mostra é composta ainda por um quarto trabalho, na verdade uma instalação que reúne pinturas de assistentes, ex-alunos e amigos de Sudbrack (Camila Rocha, Gilson Rodrigues, Thiago Barbalho, Ricardo Alvez e Nadja Abt) em uma estrutura criada por ele.
Ali ganha força a noção de coletivo, já que não há identificação de autoria no conjunto. Desde seu início, em 2001, avaf tem sido um estranho no ninho no universo das artes plásticas, já que evitou identificar ou singularizar seus membros em uma cena onde ainda conta muito a ideia mítica de autor, para deleite dos colecionadores. Ocasionalmente avaf se transforma em uma dupla com o artista parisiense Christophe Hamaide-Pierson, que também desenvolve projetos avaf independentemente. E o avaf também se transforma em um coletivo, dependendo dos diferentes projetos em que estão envolvidos.

O próprio nome avaf é um acrônimo que muda conforme o local e o momento onde alguma obra é produzida, como o recente America Votes Against Fascism. Obviamente, trata-se de uma atitude política em acreditar na necessidade do esforço coletivo, que pressupõe elementos tão em falta nesses tempos, como respeito, liberdade, coragem e generosidade.
Uma obra composta por tantas mãos, como essa instalação na Triângulo, só é possível quando há um empenho genuíno por novas práticas, que partem de atitudes libertárias. Para o avaf esse compromisso é mantido em clima de festa, talvez por isso a cor seja tão importante em sua trajetória e esteja sempre vibrando de maneira tão intensa.

Novas atitudes _e o mistério em definir quem e o que é avaf merece ser visto como parte dessa estratégia _ precisam ser construídas com uma força criativa potente e é justamente isso que se observa nos tapetes, nas pinturas, nos vídeos e na instalação. Há uma interdependência entre todos esses trabalhos, é bom lembrar, que também merece ser visto como parte de uma estratégia política, ao buscar em pequenos detalhes de antigas obras novas imagens, em considerar histórias aparentemente sem relevância como essenciais, em reunir pessoas e obras de forma inesperada.

Além da mostra na Casa Triângulo, avaf ainda pode ser visto na reTRANSpectiva #2, outra ironia política ao evitar o termo usual retrospectiva para se aproximar de novas construções identitárias com o prefixo trans. Realizada na Viva Projects até 21 de dezembro (rua Cristiano Viana 201, São Paulo), a mostra reúne um conjunto de 27 trabalhos efêmeros, muitos deles produtos utilitários, realizados em diversas parcerias, entre elas com marcas como Amapô ou comme des garçons.

Festa costuma ser um espaço de liberdade, onde é preciso estar livre de condições pré-estabelecidas e em busca de uma alegria libertadora. A vertigem nas obras e atitudes do AVAF nada mais é que um desejo por novas utopias, da festa como um elemento dionisíaco unificador, onde nem sempre essas utopias são esperadas: seja na galeria, seja em uma marca comercial.

Pesquisa de arquivos cria narrativas políticas na arte contemporânea

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DOPS (Série movimentos religiosos)

As imagens que compõem o trabalho DOPS fazem parte do fundo do DOPS-ES arquivados na Série “Movimentos Religiosos” no qual encontram-se relatórios decorrentes de investigações sobre bispos católicos. A série de fotografias apresenta os principais personagens do evento organizado pela igreja católica chamado “Concílio de Jovens”, por padres ligados a Teologia da Libertação, que buscava dialogar com a comunidade questões não apenas de cunho religioso, mas dar voz para que representantes de organizações sociais apresentassem suas reinvindicações e problemas que enfrentavam. No verso de cada fotografia há uma descrição textual que indica o nome das pessoas fotografadas e se respondem ou responderam a processos e o que teriam afirmado no evento.
A manipulação no trabalho DOPS (Movimentos Religiosos) se estrutura como conceito operacional do processo de criação e de ativação da proposta. Esse procedimento retira a autoridade com a qual o documento foi produzido ao mesmo tempo que apresenta o olhar de controle do regime autoritário

 

ARTE!Brasileiros — Conta um pouco da tua história

Rafael Pagatini — Nasci em 1985 na cidade de Caxias do Sul-RS, na serra gaúcha, sou filho de um marceneiro e de uma professora de ensino de primeiro grau. Com 18 anos fui para Porto Alegre, capital do estado, com o objetivo de estudar artes na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Em Porto Alegre tive contato com o sistema de arte local e com pessoas que me auxiliaram a pensar arte e suas possibilidade criativas.
Me aprofundei desde o começo na xilogravura, talvez por ter proximidade com a madeira, por causa de meu pai. Nessa época aprendi a conviver
em grupo, morando com outros estudantes.

Em Porto Alegre passei a investigar possibilidades de usos de processos gráficos ampliando meu repertório, usando desde xilogravura até gravações e cortes a laser. Além disso tive contato com a pratica de pesquisa em poéticas visuais que me fez perceber como os procedimentos adotados ao longo do processo de criação promovem possibilidades discursivas para o trabalho. Nesse sentido o gesto de gravar, como processo de impressão de um corpo, de inscrição em um território, me levou a pensar nas questões da memória e a desenvolver uma linguagem a partir dos procedimentos da gravura e suas relações com a fotografia.

Desde cedo também comecei um percurso acadêmico. Ministrei a disciplina de gravura
na Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória-ES. E atualmente curso meu doutorado no PPG Artes da Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, com uma tese na linha de Poéticas Visuais, discutindo usos de arquivos e processos gráficos na arte contemporânea.

A!B – O que te levou a investir no teu trabalho e o que,
na tua opinião, foi fundante para tomar essa decisão?

Minha pesquisa passa pelos por processos gráficos, as relações com a fotografia e como
eles podem refletir uma discussão sobre perdas e apagamento. No entanto, quando me mudei para Vitória, tive interesse em trabalhar com questões que trazem a tona a paisagem social, a partir da memória da ditadura militar.

Esse desejo teve inicio na minha atividade como docente do curso de arte da Universidade Federal do Espírito Santo.

Aí tive acesso à relatos dos alunos, sobre violência, morte e estupros de parentes e amigos, por parte do estado. Ao mesmo tempo com isso também, mergulhei na história da cidade, do estado e do país. Essas histórias me fizeram repensar minha condição como professor de arte e como artista. Como reagir a isso, percebendo a violência como um elemento impregnado na cultura, sociedade e história brasileira. Resolvi então, estudar como foi a formação recente do estado do Espírito Santo, e como esse processo se relacionava com um projeto histórico que através do discurso do progresso promoveu ainda mais violência.

O estado do Espírito Santo possui um fluxo de capital muito grande por causa dos portos que movimentam boa parte da economia. Entre eles, o Porto de Tubarão, da mineradora Vale que exporta minério de ferro para todo mundo, é um dos mais importantes. Nesse contexto Vitória me parecia uma cidade interessante para pensar como o local se liga ao global através das commodities que passam pela cidade e como elas influenciam social, politica, estética e historicamente a memória do lugar.

O porto ao mesmo tempo que gera impostos para o município, joga minério de ferro sobre as casas, É normal acordar com um brilho escuro nas varandas. A violência simbólica, chega com o sopro do vento. Essa relação complexa entre economia, processos de exploração, tributos, poluição, me levaram a pesquisar como foi o processo de implantação do porto e a partir disso o período militar.

A economia capixaba foi baseada até a década de 50 na exportação de café, a partir da década de 60 ela se insere dentro de uma lógica de expansão de grandes projetos Industriais da economia brasileira voltada para mercado externo. Esse processo causou o acirramento das desigualdades regionais e acarretou com que os índices de violência crescessem exponencialmente. A modernização econômica, por exemplo, promoveu a construção da Samarco Mineração, inaugurada em 1977, pelo então presidente militar Ernesto Geisel. Empresa que provocou em 2015 o maior crime ambiental da história brasileira. O rompimento da barragem de Fundão, no estado de Minas Gerais, levou uma onda gigantesca de metais pesados ao rio Doce, principal rio do Espírito Santo. Acompanhei a chegada da lama tóxica na foz do rio, a destruição da vida marinha, o desespero de pescadores, ribeirinhos, a morte de um rio. As águas na cor laranja do rio Doce refletiam toda a história de autoritarismo, violência, conflitos e decadência desse grande projeto de progresso, impulsionado no estado pelo regime militar.

Como ligar as pesquisas e pensar a construção de narrativas possíveis. Como poderíamos pensar poeticamente a partir da arte como força de reação a estruturas autoritárias e a arte como espaço de invenção de práticas e utopias? Intento que minha produção apresente, como, o lugar do político nas práticas da memória pode se construir localmente e se vincular ao contexto atual brasileiro.

Rafael Pagatini, Bem-vindo, presidente!, 2015-2016

Para aprofundar a pesquisa me aproximei de um colega historiador da universidade, Pedro Ernesto Fagundes, que me ajudou com suas pesquisas a pensar a memória local, e iniciei a investigação com os arquivos do DOPS-ES no Arquivo Público do Espírito Santo. Me interessa pensar o arquivo como algo vivo, pulsante, que me leva a uma crise de representação que parte da arte e se aproxima da história e da sociologia.

Algumas perguntas norteiam minha prática a partir do uso de arquivos: Como foi a participação de empresários no governo militar? Qual o imaginário existente na sociedade sobre o período? Quanto essa história ainda é latente no contexto social, cultural e político brasileiro? Como trabalhar a partir de uma estética do período pode contribuir para o desenvolvimento de uma pesquisa em arte? Como recuperar as falhas, os desejos, as lacunas da memória sem impor discursos, mas abrindo o trabalho para a experiência da arte e sem fechar a pesquisa nos códigos restritos do campo artístico?

A!B – Como você escolhe os suportes?

A partir do desejo de refletir sobre a construção de discursos, duvidar das imagens e aí ir atrás de suportes e materiais. As relações instáveis entre fotografia, arte e documento, e como uma imagem transita entre documento e ficção e como levar elas para o produto final.

Assim, penso a imagem fotográfica como rastro da realidade e a possibilidade de manipulação. Trabalho com a fotografia a partir de imagens que pesquiso em arquivos e como elas podem ser subvertidas, construídas, interpretadas. Penso a fotografia como uma materialidade a ser desdobrada, fraturada, modelada, reconstruída. Como trabalho muito com arquivos públicos, sempre imagino como essas imagens funcionam como pequenos espaços públicos de discussão e debate.

A partir do uso de documentos, que objetiva aguçar a percepção, o julgamento que completa a obra é realizado pelo espectador. Assim, me interesso em criar uma incerteza para conseguir explicitar reações e posturas de quem se aproxima do trabalho. Dessa forma vejo os documentos como uma imprecisão do que é o arquivo, o que é um arquivo público, partilhado que é tão sedutor quanto impreciso.

Como exemplo disso posso citar o trabalho Bem-vindo, presidente!. Ele surgiu a partir da constatação que praticamente todas grandes empresas de Vitória-ES haviam sido inauguradas no período conhecido historicamente na cidade como “Grandes Projetos”, ao longo do período militar. Isso me levou ao Arquivo Público do estado do Espírito Santo e a pesquisar o jornal A Gazeta das décadas de 60, 70 e 80. A partir da data da inauguração desses projetos, como o Porto de Tubarão, Aracruz Celulose, Samarco Mineração, CST, entre outros, percebi que todos os presidentes militares visitaram a cidade para a inaugurar esses empreendimentos. Esse evento político de inauguração tinha uma agressividade e me pareceu interessante para entender a relação com a cidade, assim busquei a partir dessas datas entender como o jornal noticiava esses eventos. Para minha surpresa encontrei vários anúncios de empresas desejando uma boa estada aos presidentes em terras capixabas. Cataloguei esses anúncios de várias décadas diferentes, alguns inclusive das mesmas empresas, e busquei um suporte que ao mesmo tempo trouxesse a densidade dos textos presente nos anúncios, mas provocasse uma relação inversa a partir do suporte do trabalho, tais como leveza, invisibilidade e criasse um gesto sutil a partir do movimento do vento de saudação. A impressão a jato de tinta no papel japonês promoveu essas relações pela forma como o trabalho é fixado no espaço expositivo. O desafio foi entender como os anúncios se movimentavam pela ação do vento da galeria e usar diferentes densidades de papéis para que desta maneira o trabalho ganhasse movimento ao mesmo em que permitisse a leitura dos anúncios e salientasse a fragilidade dos discursos.

O trabalho Bandeirantes, por exemplo, nasceu dos deslocamentos que realizo para ir a Campinas pela Rodovia dos Bandeirantes por conta do doutorado. A forma como as pessoas com que eu pegava carona tinham orgulho em suas falas da estrada me fizeram ter interesse na história da rodovia.

A!B – Me conta da metodologia de pesquisa e como você resolve transformar essa pesquisa nesse produto final

Entendo que o trabalho está finalizado quando consigo suscitar as questões que me levaram até a pesquisa, mas, ao mesmo tempo, posso ainda imaginar aberturas e transbordamentos possíveis em suas leituras.

Nesse sentido minha metodologia parte muito do interesse em me envolver com o assunto de forma a me tornar por momentos um historiador, engenheiro, antropólogo, arquivista, sem deixar de ser artista. Ou seja, a partir da arte abrir um campo de leitura e experimentação para a sociedade. Deste jeito leio muito sobre o que estou abordando, as perspectivas interpretativas sobre o assunto. No caso do regime militar recorro muito a historiadores para buscar sustentar minhas hipóteses, sempre percebendo como essas questões ganham um novo contorno a partir do contexto e dos acontecimentos contemporâneos.

Muitas vezes, os materiais e suportes indicam novos caminhos e perspectivas para o trabalho, por isso que o desenvolvimento das obras sempre passam por um período de maturação. Os processos gráficos que utilizo funcionam muito a partir de um conjunto de procedimentos, um processo no qual a criação de um projeto é muito importante para respeitar algumas etapas. Por exemplo, a escolha da imagem é fundamental para que seus códigos possam reverberar para fazer pensar, sentir o trabalho não apenas intelectualmente mas corporalmente. Da mesma forma o próprio espaço expositivo no qual o trabalho é apresentado promove novas possibilidades discursivas, ou ainda contradições que muitas vezes não tem que ser superadas, mas reveladas. Portanto, minha metodologia acontece a partir da curiosidade de pesquisar histórias, de pensar o que me deixa angustiado, de partilhar um sentimento, abrir arquivos, buscar o não dito.

Pagattini, participou desde 2011 de inúmeras exposições dentre elas:

Em 2018 Estado (s) de Emergência com curadoria de Priscila Arantes e Diego Matos. Na Oficina Cultural Oswald de Andrade em São Paulo. O poder da multiplicação, com curadoria Gregor Janser no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS.

RSXXI – o Rio Grande do Sul Experimental com curadoria do Paulo Herkenhoff no Santander Cultural, Porto Alegre. 

Abre Alas 14, na Gentil Carioca com curadoria de Clarissa Diniz, Cabelo, Ulisses Carrilho no Rio de Janeiro.

Em 2017 no 20 Festival Vídeo Brasil, com curadoria de Solange Farkas, Diego Matos, João Laia, Beatriz Lemos e Ana Pato no Sesc Pompéia em São Paulo.

Em 2012 ganhou seu primeiro Prêmio EDP nas Artes no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo – SP.

50 anos do MASP na Avenida Paulista

*Por Fábio Magalhães

O MASP hoje

Neste mês de novembro o edifício do MASP, projetado por Lina Bo Bardi, completou 50 anos. Hoje é um ícone da cidade de São Paulo, superando outros símbolos, como: o edifício do antigo Banespa, o Monumento às Bandeiras de Victor  Brecheret e do edifício do Museu do Ipiranga. Mas Lina não tem nada a ver com isso, com ícones ou outros atributos simbólicos da metrópole paulista. Lina criou um edifício racional, com um enorme espaço flutuante – setenta metros de luz! – apoiado por quatro pilares sobre o terreno onde anteriormente havia o Trianon.

A cor vermelha veio depois. Veio para proteger a viga e os pilares de infiltrações. Houve polêmica na época da pintura, entretanto, hoje não podemos imaginá-lo sem essa cor. No MASP não só o edifício flutua, as pinturas dispostas em cavaletes de vidro parecem levitarem. Certamente o edifício é, em si mesmo, uma obra de arte relevante dentre as obras de seu magnífico acervo.

Estrutura do prédio em construção o no ano de 1968 na Avenida Paulista

Quando John Cage visitou São Paulo e, ao ver o MASP, gritou – “É a arquitetura da liberdade!”  Lina Bo Bardi concordou com a definição de Cage: “… quando projetei o Masp: o museu era um ‘nada’, uma procura da liberdade, a eliminação de obstáculos, a capacidade de ser livre perante as coisas.”

Não é à toa que o vão livre do MASP abriga as grandes manifestações populares da cidade. Lugar de encontro, de arte e de cultura, mas também de protesto e de sonho libertário.

Bienal de Berlim terá liderança de “mulheres radicais”

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Pela segunda vez, Lisette Lagnado conquista a curadoria de uma bienal após apresentar um projeto e ser avaliada por uma comissão independente. Agora, ela será a curadoria da 11a. Bienal de Berlim, em 2020, junto com a chilena María Berríos, a argentina Renata Cervetto e o espanhol Agustín Pérez Rubio.

Em 2005, Lagnado foi escolhida para organizar a 27ª. Bienal de São Paulo, realizada em 2006 com o título Como viver junto, a partir de seminários do filósofo Roland Barthes, nos anos 1970, tendo por inspiração as obras de Hélio Oiticica.

É a segunda vez que a América Latina lidera a mostra alemã já que, em 2014, ela foi organizada pelo curador colombiano Juan Gaitán. O time escolhido agora é um grupo que nunca trabalhou junto, mas gravita tem torno da América Latina com práticas transgressoras. Rubio dirigiu o Malba (Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires) nos últimos quatro anos, onde teve uma programação que reforçou a presença de artistas mulheres,como Claudia Andujar, além de um radical programa educativo na instituição. Ele organizou em São Paulo a mostra Memórias inapagáveis, a partir do acervo da Associação Cultural Videobrasil, no Sesc Pompéia, em 2014. Antes, Rubio dirigiu o Musac (Museu de Arte Contemporânea de Castilla e Leon), onde dedicou boa parte de seu trabalho a artistas latino-americanos. A curadora argentina Cervetto trabalhou com Rubio no Malba nos programas públicos.

Já Lagnado é reconhecida como das curadoras mais experimentais no Brasil. A bienal Como viver junto inspirava-se na obra de Oiticica, mas não apresentou obras do artista, apenas de contemporâneos que produziam trabalhos com princípios semelhantes. Em 2010, ela organizou Desvios de la Deriva, Experiencias, Travesías, y Morfologias, junto com Berrios, no museu Reina Sofia, em Madri, mostra que tinha como um dos eixos centrais a obra de Flavio de Carvalho (1899 – 1973) e suas ações provocadoras.

Ela dirigiu ainda a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, entre 2014 e 2017, dedicando-se à educação em artes, o que já tinha iniciado em São Paulo, no programa de mestrado da Faculdade Santa Marcelina.

Já Berrios, além de curadora também participou da 31ª. Bienal de São Paulo, Como …. coisas que não existem, em 2014, no projeto artístico A revolução deve ser uma escola de pensamento irrestrito, organizada junto com o dinamarquês Jakob Jakobsen, baseada na mostra Del Tercer mundo, que aconteceu em 1968, em Cuba, centro de uma série de eventos que buscavam debater o papel da arte e da linguagem no contexto de luta contra o imperialismo.

O grupo passa a viver em Berlim já no início de 2019 e irá suceder uma Bienal com uma repercussão altamente positiva, We don´t need another hero, liderada pela sul-africana Gabi Nboco com outros quatro curadores, entre eles o brasileiro Thiago de Paula Souza.

Enquanto a Fundação Bienal de São Paulo segue com indicações imperiais, tanto o curador da Bienal como do representante brasileiro em Veneza são escolhidos pelo presidente da instituição, Berlim é um exemplo de processo democrático.

A comissão deste ano foi formada pelos curadores Doryun Chong (M+, Hong Kong), Adrienne Edwards (Whitney Museum, Nova York), Reem Fadda, Solange O. Farkas (Associação Cultural Videobrasil, São Paulo), Krist Gruijthuijsen (KW, Berlim), Miguel A. López (TEOR/éTica, San José) e o artista Omer Fast (Berlim). O grupo reuniu-se três vezes: uma para conhecer as regras e começar a indicação de nomes, outra para selecionar os projetos a serem avaliadas de forma presencial, e a última para entrevistas e seleção final.

A Bienal de Berlim foi criada em 1997 pelo KunstWerke (KW) e tem como principal patrocinador a Fundação de Cultural Federal da Alemanha, com cerca de 3 milhões de euros (R$ 13 milhões), o orçamento da 33ª Bienal de São Paulo é o dobro, R$ 26 milhões, a maior parte vinda por meio de leis de incentivo, ou seja, verba pública.

Uma sociologia popular e vasta

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“Popular sim, ingênuo jamais”. A frase do artista baiano Nilson Pimenta colocada na orelha esquerda do catálogo da 14ª Bienal Naïfs do Brasil denota muito bem o panorama da exposição, que foi apresentada no Sesc Piracicaba até o último dia 25 de novembro. Sob o tema “Daquilo que escapa”, a curadoria teve a intenção de refletir sobre o que poderia fugir aos seus olhos durantes as visitas aos ateliês dos artistas, que foram chamados por eles de “casas-ateliês”. Afinal, é dentro do próprio lar que os artistas Naïfs do Brasil produzem suas obras.

Esta edição da Bienal Naïfs também mostra que há muitas questões que podem escapar de quem observa a obra de um artista popular olhando-o a partir da concepção do primitivismo, que reduz esses artistas a um rótulo que pode significar um julgamento pelo contexto sócio-cultural em que vivem. Talvez o ponto mais latente disso na mostra seja o fato de que muitas obras abordam discussões sociais e políticas, muitas vezes identitárias, que podem muitas vezes se fecham apenas à ambientes acadêmicos e seriam reproduzidas apenas por artistas que tenham acesso a isso. Os naïfs se mostram muito à frente nesse ponto, assinalando nitidamente o seu posicionamento sobre algumas dessas questões.

Quem visitou a exposição já se deparou logo na entrada com as obras sem título de Arlindo de Oliveira que fazem menção à ocupação das favelas cariocas pelo BOPE. Ao lado delas, a peça intitulada Não corra que eu vim buscar sua alma, também de Arlindo e também fazendo alusão ao grupo da polícia, expressa com veemência a opinião do artista e sua contribuição para a discussão sobre o genocídio do povo pobre causado por essa ocupação nos morros, devido aos abusos cometidos pelos militares, também das UPPs e também das forças armadas, que participam da intervenção militar na Cidade Maravilhosa.

Há uma série de obras, de diferentes artistas, que remetem a temas levantados pelo feminismo. A mais impactante foi feita por Alex dos Santos, artista de Jaboticabal/SP e é intitulada A violência contra a mulher, de 2018. Nela, o artista aborda uma série de brutalidades cometidas contra mulheres, desde as fogueiras da Inquisição até a Lei Maria da Penha, traçando uma linha do tempo. A artista Ana Zamaro se faz presente com a obra Absolutas, também deste ano, na qual pinta vários rostos de mulheres, cada uma com suas características que fogem a um padrão. O título dela diz muito sobre como Zamaro vê a questão da estética feminina no âmbito das discussões dos feminismos.

Duas obras de Gildo Xavier trazem a temática LGBT à tona, tratando dela por meio de uma visão sobre configurações familiares. Em Retratos de Família (2017), ele pinta uma série de núcleos parentais de diferentes composições, inclusive LGBTs, passando também por indígenas, negros e de religiões diversas, contrariando um padrão do que é rotulado como “família tradicional brasileira”. A obra Conquista (2017) também entra nesse aspecto ao mostrar um casal de mulheres que realiza o sonho de ter um filho.

Esses são só alguns exemplos de como as discussões da contemporaneidade se fazem presentes no repertório dos artistas Naïfs que passaram por esta edição da Bienal realizada pelo Sesc, que teve curadoria de Ricardo Resende, Juliana O. Campaneli e Armando Queiroz, além da curadoria educativa de Alexandre Araujo Bispo, e que não foi nada ingênua.

A 12ª Bienal do Mercosul vai explorar encontros possíveis

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Andrea Giunta

Desde o momento em que o curador de arte atingiu o protagonismo de um diretor de cinema, saber quem comandará uma mostra internacional tornou-se primordial. Ao escolher Andrea Giunta para a curadoria geral da 12ª Bienal do Mercosul, que ocorrerá de 9 de abril a 5 de julho de 2020, a exposição volta às suas origens. Fortemente ligada à produção latino-americana, a crítica e pesquisadora argentina vai explorar as relações entre arte, feminismo e emancipação. Eu pergunto como ela fará isso. “A bienal já deu início, na semana passada, com um seminário onde colocamos em pauta os temas que nos interessa explorar. Um dos sentidos em que eu entendo o termo emancipação, além da emancipação no sentido político, é o ligado ao conhecimento”. Para Giunta, o conhecimento contribui para a transformação de estruturas do pensamento. “Trabalharemos a partir do feminismo, do conceito de um sujeito ampliado que contempla não apenas a mulher, mas inclui os corpos e os afetos demarcados e tudo aquilo que o discurso monolítico marginaliza”. Como parte do projeto da Bienal está sendo organizado um Seminário para debater estes temas. Trabalhar em uma bienal é algo complexo e esta é a primeira experiência de Giunta em uma exposição desta natureza, nesse sentido, ela pretende utilizar sua experiência e suas metodologias de pesquisa. Pesquisar intensamente, explorar o potencial de uma cidade como Porto Alegre, com recursos que não estiveram presentes em nenhuma outra bienal.

Giunta faz um comentário clássico de alguns curadores internacionais que passaram pelas nossas três Bienais, a de São Paulo, Curitiba e a de Porto Alegre. “ Não quero que a bienal aterrisse como um Óvni na cidade, mas que se integre no cenário criativo e institucional onde está locada. Já demos alguns passos nesse sentido”. A curadora fala do envolvimento de coleções institucionais “deslumbrantes”, que nunca estiveram em uma bienal ou nas universidades. Por experiência, ela vai levar em conta a importância da relação entre a curadoria, as exposições, a pesquisa e também entre as escolas. A curadora acredita que pode levar à bienal experiências que somam, como a recente curadoria, de Mulheres Radicais “que teve a dimensão de uma bienal em relação ao número que artistas envolvidos”. Além disso, Giunta diz contar com a equipe experiente da Bienal do Mercosul, que formou muitos jovens.  Diante da situação política atual, pergunto como a crítica argentina pretende abordar os temas e as obras impregnadas de carga ideológica. “Não posso dizer que não me preocupa o cenário em que este projeto se desenvolverá. Mas também creio que é uma oportunidade para manter ativa a cultura e o pensamento. Seguramente teremos que buscar comunidades de interlocução que compreendam o sentido do que apontamos. É um momento para trabalhar sobre a cultura do diálogo, não a da confrontação”. Giunta diz que o tema invoca, sem dúvida, um sentido pedagógico. E, para ela o desafio será encontrar formas de diálogo que transformem o estado de beligerância em que estamos submersos. “Não somente no Brasil, como em muitos outros países, a arte também é um espaço de reflexão da comunidade. Espero alcançar esse clima poético, que é também político”.

Depois que os armazéns do porto não foram mais cedidos à Bienal, a exposição foi reduzida em quase 60%, em relação aos espaços expositivos, e tornou-se mais enxuta e hoje se resume, praticamente ao Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Memorial do Rio Grande do Sul e  Santander Cultural.

AI-5: ainda não terminou de acabar

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Há cinquenta anos era publicado o Ato Institucional no 5. O decreto, que suspendeu as garantias constitucionais no país, simboliza o momento de consolidação do regime militar e deixa profundas marcas na sociedade brasileira. O estado de exceção atinge não apenas as vítimas diretas do regime, que vivenciaram a tortura, a morte e o exílio, mas a sociedade como um todo. A ruptura da legalidade democrática leva à perda do direito de expressão, à autocensura, à instabilidade institucional, dentre outras consequências, cujos tentáculos se estendem até nossos dias. Para investigar os efeitos deste trauma no campo artístico, o Instituto Tomie Ohtake deu espaço à mostra “AI-5: Ainda não terminou de acabar”.

Tratou-se de uma exposição ao mesmo tempo arquivística e artística, histórica e contemporânea. A espinha dorsal do evento foram documentos, depoimentos, registros e obras reunidas ao longo de um ano de intensa pesquisa. Foram consultados cerca de 40 artistas, não apenas visuais mas de outros campos da cultura como a música e o cinema, na tentativa de criar um panorama mais amplo dos efeitos e respostas dados no período
pela sociedade. “É uma espécie de ensaio sobre relação de força entre campo criativo e forças autoritárias da época”, sintetiza Paulo Miyada, idealizador e curador da mostra. Abrangendo um período amplo, que vai desde 1964, ano em que se deu o golpe, até 1980, quando se inicia o processo de abertura, a mostra se divide em diferentes núcleos temporais.

Os quatro anos que antecedem o endurecimento provocado pelo AI-5 são vistos por Miyada sob a égide do conceito de “opinião”, que permeia uma série de iniciativas (exposições, show, teatro…) e sintetiza o caminho viável. Num período em que a ação político-partidária não era mais possível, restava a expressão das ideias e a noção de contracultura, de fortalecimento diante dos interditos, como forma de resistência. “Com o decreto a opinião foi criminalizada”, afirma Miyada, para quem essa geração ativa em meados dos anos 1960 representa o ponto de ápice e quebra de um projeto estético  ltamente engajado. Dentre as obras deste período estão a obra “Che Guevara Vivo ou Morto”, de Claudio Tozzi, que foi destruída por militantes de extrema direita no Salão de Brasília de 1967 (e posteriormente reconstruída pelo artista).

A partir do fortalecimento da censura, em 1968, algumas estratégias de escamoteamento foram sendo adotadas. Artistas como Cildo Meireles, Artur Barrio e Antonio Manuel passaram a incorporar estratégias de guerrilha, como a infiltração em outros sistemas, a clandestinidade, e uso da  ideia de morte como símbolo do momento político. Um dos destaques do núcleo foram os desenhos feitos na prisão por Carlos Zílio, que o artista concordou em mostrar apenas em 1996 e raramente foram exibidos.

Paulo Bruscky, Título de Eleitor Cancelado, 1976

Outras formas de dar continuidade à produção artística em ambiente tão hostil foram a adoção de uma certa marginalidade experimental, desafiando os códigos moralistas em vigor; o uso de um autonível de codificação como forma de autoproteção ou a utilização de circuitos alternativos como cineclubes e a arte postal. Artistas como Paulo Bruscky, Anna Bella Geiger, Anna Maria Maiolino (que comparece com um projeto, nunca realizado, de obra sobre os desaparecidos), Wlademir Dias Pino, Claudio Tozzi e Antonio Dias são alguns dos nomes contemplados. Falecido recentemente, Dias esteve presente com duas obras bastantes emblemáticas do período final da Nova Figuração: um caderno inédito que inicia ao chegar em Paris em 1968, no qual escreve, em referência à antológica série de pinturas negras: “Arte negativa, para um país negativo: pinturas inteiramente negras com apenas uma palavra em branco”, num claro processo de enlutamento, e a obra “Cabeças”, formada por urnas vedadas e pintadas de preto, dispostas como se fossem cabeças decepadas.

Encerrando a exposição, Miyada relembrou dois movimentos importantes de reafirmação da arte e da cultura brasileiras e latino-americanas, representadas por duas figuras centrais nesse processo de reflexão e sistematização da arte brasileira: o projeto elaborado por Mario Pedrosa para a reconstrução do MAM-RJ após sua destruição em um incêndio em 1978 e o Encontro de Críticos de Arte da América Latina, organizado por Aracy Amaral na Bienal, em 1981. E, para mostrar que trata-se de um problema mais amplo, com reflexos
evidentes nos dias atuais, incorporou um pequeno porém potente núcleo de arte contemporânea, no qual artistas como Paulo Nazareth, Matheus Rocha Pitta e Bruno Dunley, entre outros, lidam com essa cicatriz ainda aberta.

Carlos Zilio, Lute (Marmita), 1967

Nem a ideia da produção deste período como algo monolítico nem a possível crítica de que
o engajamento político é feito em detrimento de uma qualidade formal das obras sustenta-se diante de uma pesquisa detalhada como esta. A diversidade e a fertilidade se impõem e compõem uma trama bastante diversificada e rica. É como “um quebra-cabeças histórico”, diz Miyada que no ano passado já havia organizado “Osso”, uma exposição-apelo pelo direito de defesa de Rafael Braga. Inicialmente, sua ideia era tentar realizar uma ação em rede, envolvendo outras instituições, como forma de resposta ao discurso conservador e às ameaças crescentes a liberdade artística, como os movimentos capitaneados por uma certa “nostalgia do autoritarismo” exigindo o fechamento e à censura de exposições e peças de teatro, por exemplo. No lugar dessas parcerias institucionais, se fortaleceram os laços com a comunidade de pesquisadores – fundamentais no levantamento de dados – e artistas.

José Olympio será o Presidente da Fundação Bienal de São Paulo

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A Bienal de São Paulo está sob novo comando. Seu novo presidente, eleito na noite de terça-feira, 11,  pelo Conselho da instituição, será José Olympio da Veiga Pereira. Diretor do Credit Suisse do Brasil, dono de uma das coleções de arte mais renomadas do país e atuante nos conselhos de diversas instituições de arte no Brasil e no exterior, Pereira deverá tomar posse no próximo dia 2 de janeiro, assumindo o lugar de João Carlos Figueiredo Ferraz, que havia se afastado no mês de setembro por questões de saúde.

A indicação de José Olympio acompanha uma renovação completa da Diretoria da Bienal e da nomeação para a vice-presidência de Marcelo Araújo, que tem ampla experiência na gestão museológica, amplo trânsito no circuito artístico nacional e era, até o último mês de agosto, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Além de Araújo, a nova Diretoria Executiva conta com nomes como Andrea Pinheiro, Ana Paula Martinez, José Francisco Pinheiro Guimarães e Fernando Schuler.

Na reunião de terça-feira também foi referendado o nome de Julio Landmann para a presidência do Conselho de Administração da Bienal. Com presença ativa na instituição, Landmann foi responsável – como presidente da instituição – de uma das mais elogiadas edições do evento, a 24ª Bienal,realizada em 1998 sob curadoria de Paulo Herkenhoff e explorando o tema da antropofagia, o que amplia a expectativa em relação a uma possível abertura da Bienal a projetos curatoriais mais ousados ou com maior liberdade de experimentação. A nova equipe promete dar continuidade ao processo de profissionalização e saneamento de gastos iniciado há dez anos na instituição e apresenta como metas prioritárias estimular uma maior integração com acidade de São Paulo, por um lado, e com a cena internacional, por outro. A conexão com instituições estrangeiras têm sido o foco do trabalho de José Olympio como membro da direção atual. Foi ele quem propôs, em 2016, a
criação de um Conselho Consultivo Internacional para a Fundação, que ficou sob seu comando.

O mandado da nova direção e do novo Conselho será de dois anos, com
possibilidade de uma reeleição. Dentre as missões que terão adiante estão a
organização da itinerância nacional e internacional da 33ª Bienal de São Paulo,
a definição de como será a representação oficial do Brasil na 58ª Bienal de
Veneza – que tradicionalmente ficaria a cargo do atual curador geral, Gabriel
Pérez-Barreiro – e a preparação da 34ª Bienal de São Paulo, a ser realizada
daqui há dois anos.

A 33ª edição da mostra, que foi encerrada no último domingo, teve como
foco principal a descentralização do poder curatorial. Ao invés de um único
projeto centralizador, a exposição foi subdividida em diferentes núcleos,
concebidos por sete artistas curadores convidados por Perez-Barreiro. O
curador geral organizou ainda exposições complementares, contemplando a
obra de 12 artistas selecionados por ele. O resultado foi uma mostra bastante
heterogênea, mais vazia, menos voltada para questões politico-ideológicas do
que as edições anteriores e propositalmente voltada para uma relação mais
direta e tranquila entre o público e as obras expostas.

Projeto leva arte urbana para escolas públicas de São Paulo

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Como transformar a escola em uma extensão da cidade, tornando-a um espaço pulsante e dinâmico, atraente aos olhos dos alunos que hoje ocupam as carteiras escolares, ainda tão semelhantes às ocupadas por seus avós e bisavós ao longo do século passado? Este foi um dos questionamentos que levaram à criação do Choque Educultural (Escola Criativa), projeto do Instituto Choque Cultural que tem como principal objetivo transformar os ambientes de ensino formal da cidade e, quem sabe do País, em locais inspiradores e agradáveis, onde estudantes e professores se conectem uns aos outros e se sintam permanentemente instigados a criar e inovar.

O projeto, que surgiu em 2011, convidou uma série de artistas – grande parte deles ligados à cena urbana da capital – para ministraram workshops a educadores, intervindo diretamente em escolas públicas da cidade em grandes mutirões, com a participação dos agentes locais. A ação aconteceu chamada Choque Educultural aconteceu no dia 8/12, na Etec das Artes, no Parque da Juventude.

De modo abrangente, o programa visa a melhoria do ambiente escolar pela integração educação-cultura e concebe a escola como microcosmos da cidade, agora encarada como campo de experimentação educativa. O projeto Escola Criativa é realizado através da Lei de Incentivo à Cultura do Governo Federal com patrocínio da Pirelli e da Machado Meyer Advogados. Ele foi concebido sob as diretrizes da tecnologia social desenvolvida pelo Instituto Choque Cultural, A Escola é Cidade e a Cidade é Escola, premiada pela Fundação Banco do Brasil de Tecnologias Sociais em 2015.