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Telas de Thiago Martins de Melo inauguram fusão Leme + Almeida e Dale

Thiago Martins de Melo, Necrobrasiliana, 2019. FOTO: Filipe Berndt

 

Após a galeria Leme e a galeria Almeida e Dale anunciarem uma fusão no final de janeiro passado, a agora Leme/AD abrirá exposição Necrobrasiliana, do artista maranhense Thiago Martins de Melo no dia 30 de março, a partir das 13h.

Thiago desenvolve telas imponentes com críticas à necropolítica, do extermínio dos povos indígenas ao genocídio da juventude negra. O artista não tem receio de ser político ou de se colocar na obra. Figuras como Marielle Franco, Marighella e até mesmo o bando de lampião podem ser identificadas em seus trabalhos.

Além do forte conteúdo político, que chama muito a atenção, a técnica nas pinturas do artista é notável, com um exímio rigor formal. Acompanhando as pinturas, o artista também leva à galeria uma escultura e uma instalação.

Augusto de Campos abre nova exposição e chama o momento atual do Brasil de “deplorável”

“Mercado”, obra de 2002 que está na mostra. FOTO: Divulgação
“Mercado”, obra de 2002 que está na mostra. FOTO: Divulgação

Sentindo-se deprimido por conta dos acontecimentos políticos brasileiros dos últimos anos – desde o impeachment de Dilma Roussef até a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro –, o poeta e artista visual Augusto de Campos, hoje aos 88 anos, se encontrava “pouco animado a expor qualquer coisa”, como ele mesmo conta. Após 70 anos de carreira, “estava sem muita disposição e paciência com ‘artices’ e ‘artismos’”.

Quando veio o convite da Luciana Brito Galeria para que realizasse uma mostra individual, titubeou, mas aceitou principalmente pela “oportunidade de manifestar o meu inconformismo”. Para isso decidiu reunir em uma mesma exposição trabalhos antigos e atuais que, em conjunto, sinalizam para os paralelos entre os piores períodos da ditadura militar e os dias de hoje.

“Além da horrorosa guinada à direita, nunca vi tanta mediocridade junta, tanta gente feia, tanto retrocesso, nem mesmo na ditadura militar. É um pesadelo, em que tudo foi entortado e rebaixado, e uma figura monstruosa como Trump aparece como ‘deus ex machina’, bajulado e bafejado por nossos governantes na pior paródia que se poderia imaginar da paródia histórica que foi a ditadura vintenária que nos assombrou”, dispara o escritor.

Criador, ao lado de Haroldo de Campos e Décio Pignatari nos anos 1950, do que ficou conhecido como poesia concreta e dono de uma vasta obra “verbovicovisual” – termo que se refere às dimensões semânticas, sonoras e visuais da palavra –, Augusto expõe agora, na mostra Poemas e Contrapoemas, desde obras célebres como LUXO, de 1965, até inéditas como CLÁUSULA PÉTREA. Aparentemente uma simples transcrição de um artigo da Constituição brasileira, a poesia de 2018 se revela, no contexto atual, como crítica contundente à “situação jurídico-política do país” e à prisão do ex-presidente Lula.

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, diz o poema de Augusto, que além de artista visual, poeta, escritor e tradutor é formado em direito e foi procurador do Estado durante 40 anos. Mas o próprio Augusto ressalta que a exposição não apresenta somente poemas de viés político. Obras com outras temáticas e seu trabalho com diferentes materiais e suportes – em papel (serigrafia e impressão), em tela e em vinil – estão presentes na Galeria Luciana Brito a partir deste dia 30 de março.

Depois de longa trajetória sendo reconhecido majoritariamente no campo das letras, Augusto começa a ganhar mais espaço também no campo das artes, destacadamente a partir da mostra retrospectiva REVER, realizada em 2016 no Sesc Pompeia. Em 2017 – ano em que recebeu o Grande Prêmio Janus Pannonius, espécie de Nobel da poesia – realizou sua primeira individual em uma galeria de arte, também na Luciana Brito.

Por e-mail, Augusto de Campos respondeu ao que seria uma curta entrevista enviada pela ARTE!Brasileiros – apenas quatro perguntas –, mas que se tornou um longo e contundente texto de um pensador que nunca temeu tomar lado na história. Leia abaixo a íntegra.

ARTE!Brasileiros – A exposição Poemas e Contrapoemas reúne obras de diferentes períodos, criadas desde os anos 1960 até hoje. Como se deu a escolha dos trabalhos e como você enxerga estas obras quando colocadas em conjunto?

Augusto de Campos – Tudo começou com um convite que recebi da Galeria Luciana Britto. Eu, na verdade, estava pouco animado a expor qualquer coisa, deprimido como me encontro com a situação jurídico-política do país, sem muita disposição e paciência com “artices” e “artismos”. Mas resolvi acolher a ideia quando aceitaram que eu expusesse, além de trabalhos novos, alguns dos meus “contrapoemas”, obras de contestação tanto à noção convencional de poesia quanto ao momento político que atravessamos. No meu estado de espírito, era difícil para mim, um poeta de vida longa, com 70 anos de atuação artística, “sobrevivente” de várias gerações, pensar em voltar a exibir-me tão cedo.  Mas a proposta que me fizeram foi de uma mostra reduzida, com poucos trabalhos em grande formato e em novos materiais, não todos inéditos. E a oportunidade de manifestar o meu inconformismo, rara para mim, que pouco espaço tenho nas mídias usuais, prevaleceu quando me ocorreu associar alguns novos experimentos contestatários a um poema que nasceu de um momento análogo, LUXO, que publiquei em 1965 e que agora volto a exibir de uma forma diferente. Há um arco, portanto, nessa curva temporal, de mais de meio século, embutida na mostra.

Você vê paralelos entre o Brasil de hoje e o de quando começou a produzir os “contrapoemas”?

Sim, vejo paralelos. Compus LUXO, em 1965, em plena vigência do golpe militar imposto no ano anterior, e o poema me foi sugerido por um incidente que ocorreu em dezembro de 1964, na exposição dos Popcretos que fiz com Waldemar Cordeiro, na Galeria Atrium em São Paulo. Quando fomos retirar as obras, terminada a mostra, todas elas tinham sido danificadas com ofensas inscritas em esferográfica. Numa das minhas obras, que tinham claro viés antiditadura, haviam escrito a palavra “lixo”. O anúncio de apartamentos de alto luxo, publicado no ano seguinte, com fototipos kitsch-decorativos, associou-se em minha mente à palavra com que tentaram vandalizar aquele meu trabalho e me levou à concepção do poema, que buscava satirizar a classe média e alta, que, em sua maioria, apoiava o golpe de então. LUXO foi publicado como poema-objeto e como encarte em revistas, livros e vídeos, aqui e no exterior.  Na ocasião, tinha-me ocorrido fazer uma versão diferente, em formato redondo, como uma requintada tampa de lixo, que acabou descartada por falta de fundos e de tecnologia. Tentamos, agora, uma aproximação dessa ideia com a melhor técnica disponível. O poema LUXO é a ponta do arco que começa nos anos 60, sob a égide do lema de Maiakóvski — “sem forma revolucionária não há arte revolucionária” — e continua nos “contrapoemas”, concreto-conceituais, compostos mais recentemente. Destaco entre eles CLAUSULA PÉTREA, que nada mais é do que um ready made. Trata-se da transcrição do inciso LVII do artigo 5º da nossa Constituição, preceito que só pode ser alterado, ampliado ou atenuado por uma nova Constituinte, e que proíbe que um cidadão seja considerado culpado antes de condenado em última instância, e não apenas em segundo julgamento, e preso como ocorreu com o ex-presidente Lula, em evidente desrespeito à Lei Maior. Como essa matéria será, ao que se anuncia, em breve rediscutida pelo Supremo Tribunal Federal, o poema vem a calhar, e insisto em compartilhá-lo, na esperança de que o egrégio tribunal, Supremo entre os Poderes, desta feita não se atemorize diante das pressões de haters, extremistas de direita e militares radicais e faça prevalecer a norma fundamental da Carta Magna, que consagra a presunção de inocência e assegura os nossos direitos individuais. A prevalecer a atual decisão, que divide a Alta Corte, e contraria também o princípio curial “in dubio pro reo”, teremos prisões prematuras, escassas de provas, e que induzem as instâncias superiores a manter os julgados, ainda que injustos ou carentes de suporte probatório, diante do dano irreparável a que se submete quem tiver sido privado de sua liberdade e  desmoralizado em um processo judicial a meio do caminho. Pois como indenizar um prisioneiro afinal inocentado? Não. Que os juízes trabalhem. Para os casos de periculosidade evidente, há o remédio da prisão cautelar. Prisões políticas não se justificam.

Como enxerga o atual momento político e a ascensão da extrema direita?

Quanto à situação política atual, acho-a simplesmente deplorável. Além da horrorosa guinada à direita, nunca vi tanta mediocridade junta, tanta gente feia, tanto retrocesso, nem mesmo na ditadura militar. É um pesadelo, em que tudo foi entortado e rebaixado, e uma figura monstruosa como Trump aparece como ‘‘deus ex machina”, bajulado e bafejado por nossos governantes na pior paródia que se poderia imaginar da paródia histórica que foi a ditadura vintenária que nos assombrou.

O conteúdo dos trabalhos nunca está dissociado das formas, dos materiais, das cores, dos modos de expor. Gostaria que você falasse um pouco sobre como se deu essa parte da pesquisa e produção da nova exposição.

A mostra não é constituída apenas de poemas de viés político. Há ainda poemas de outra natureza, menos disfóricos, alguns conhecidos, mas apresentados de forma e suportes diferenciados, e que tentam compactar-se num recorte que eu diria ideogrâmico, buscando constituir um conjunto formalmente coerente. Troquei muitas ideias com os organizadores, que compartilharam dúvidas e soluções comigo. Dada a relação entre as dimensões dos trabalhos e o espaço disponível da galeria, não podíamos contar com grande número de obras. Por outro lado, havia limitações gráficas para a expansão das dimensões originais, já que a maior parte das obras foi produzida para formatos menores, nem todos suscetíveis de vetorização suficiente para que pudessem ser ampliados sem perda de qualidade, produzidos que foram por mim, quase todos, com programação digital. Cada caso foi analisado e resultou de uma pesquisa própria de escolha de material compatível, com vistas à tônica geral da mostra, na qual as obras são idealmente abraçadas pelo poema CIDADECITYCITÉ, de 1963, numa versão especialmente concebida para o espaço da galeria.

 

Poemas e Contrapoemas

Luciana Brito Galeria – av. Nove de Julho, 5162

De 30/3 a 1/6

Entrada gratuita

Solange Farkas e Gabriel Bogossian falam sobre bienal Sesc_Videobrasil

Em primeiro ano reconhecendo-se como uma “bienal”, não mais “festival”, o Sesc_Videobrasil terá 55 artistas, já divulgados em fevereiro passado. A partir do tema Comunidades Imaginadas, a bienal deste ano, que acontece entre entre 09 de outubro de 2019 e 02 de fevereiro de 2020, será sediada no Sesc 24 de maio.

Usando uma estratégia comum a bienais, o projeto adota a iniciativa de partir de um conceito, um tema. Essa talvez seja a grande mudança que o peso do novo título carrega. O open call ainda é considerado para a escolha dos artistas que participarão, mas agora há a sugestão de um ponto de partida para o pensamento e construção da obra.

A direção artística da bienal ainda fica a cargo de Solange Farkas, fundadora da Associação Cultural Videobrasil, que tem como parceiros no corpo curatorial Gabriel Bogossian, Luísa Duarte e Miguel López. Confira lista completa de selecionados clicando aqui.

A mudança no nome não modifica bruscamente o projeto. Afinal, ele já tinha todas as características de uma Bienal: acontece de dois em dois anos, volta-se para a arte contemporânea e tem um recorte para uma área do planeta (o Sul). Solange acredita que é esse recorte geopolítico que enfatiza o papel particular do Sesc_VideoBrasil como uma Bienal, pois dá voz a uma produção de um lugar do mundo que ainda tem dificuldade de acesso e visibilidade.

Confira entrevista com Solange e com Gabriel Bogossian acima.

 

 

A Casa do Parque inaugura com mostra que reflete contexto político brasileiro

Fachada da Casa do Parque. Foto: Divulgação

Quem passa em frente ao número 1.300 da avenida Fonseca Rodrigues, na zona oeste de São Paulo, dificilmente percebe que ali está localizada uma instituição cultural que, a partir deste sábado (23 de março), deve se tornar um importante polo artístico da cidade. Excetuado um discreto logotipo no muro, com o escrito “A Casa do Parque”, aquela parece ser apenas mais uma residência nobre no bairro paulistano de Alto de Pinheiros.

Na verdade, o casarão em frente ao Parque Villa-Lobos abrigará exposições, cursos, oficinas e variadas atividades culturais, começando pela mostra Tensão Relações Cordiais, com curadoria de Tadeu Chiarelli, e por um ciclo de debates sobre colecionismo de arte contemporânea. Idealizada e fundada por Regina Pinho de Almeida – colecionadora dona de um enorme acervo e figura atuante em museus como MASP, Pinacoteca e MAM – a Casa representa uma expansão das atividades do Instituto de Cultura Contemporâneo (ICCo), criado por ela em 2009 e responsável pela realização de mostras, residências e publicações.

Não se trata, no entanto, de um projeto “personalista”, como ressaltam Chiarelli e Paulo Werneck, coordenador da programação cultural da Casa. Editor da revista literária 451 e curador de três edições da Flip, Werneck assume a tarefa de montar uma programação em variadas áreas artísticas. Ao seu lado, o educador e artista plástico Claudio Cretti fica responsável pela programação de cursos, que transitam de modo multidisciplinar e pouco convencional pelos campos das artes, botânica, dança, design, arquitetura e cozinha.

O diálogo entre casa e parque, entre público e privado, entre o que é intimo ou partilhado dará a tônica de várias atividades da Casa, que surge na cidade em um momento delicado para o setor cultural – seja por conta da onda conservadora ou da falta de investimento público. “É uma resposta realmente contundente a esse momento”, diz Werneck. Para Chiarelli, “é uma atitude muito séria da Regina, nesse contexto do país, fazer uma aposta dessas. Claro que já existe um público para a Casa, mas também há um público grande a ser conquistado e formado”.

Jardim da Casa do Parque. FOTO: Divulgação

Segundo o curador, um importante diferencial da Casa em relação a outras instituições culturais ou espaços de arte independentes da cidade é a existência de um significativo acervo de arte – a própria coleção de Regina. Isso não transforma o espaço em um museu, mas permite não só a montagem de exposições de arte contemporânea como a utilização das obras em cursos e oficinas.

Corredor cultural

Apesar de não estar em uma área central ou comercial da cidade, mas em um bairro residencial de elite, a localização da Casa do Parque não parece, para Werneck, um empecilho para suas atividades. Primeiro pela proximidade com o Parque Villa-Lobos, espaço público com grande circulação de pessoas, mas também por estar em uma espécie de “corredor urbano” cada vez mais nutrido de espaços culturais.

“A gente quer ter um impacto na região, que apesar de ser um bairro nobre está perto do Ceasa, do Jaguaré, onde há comunidades mais pobres. E é curioso, mas se olharmos do Instituto Acaia até o Museu da Casa Brasileira, você tem mais de dez instituições culturais relevantes. Eu vejo um corredor cultural se formando”, afirma. De fato, entre estes dois extremos, do instituto na Vila Leopoldina até o museu no início do Itaim Bibi, em uma linha reta de cerca de 7 quilômetros – servida por transporte público e ciclovia –, estão espaços como a Biblioteca do Parque Villa-Lobos, o Instituto Tomie Ohtake, a Galeria Estação e a CASA Museu do Objeto Brasileiro, entre outros.

Neste sentido, o coordenador destaca que A Casa do Parque pretende trabalhar também em parceria com outras instituições, além de trazer para seu espaço diferentes públicos, “dos frequentadores do parque aos alunos do colégio Santa Cruz ou das escolas públicas da região”. Haverá também atividades extramuros, sendo a primeira delas um festival literário no Parque Villa-Lobos, realizado junto com a SP Leituras no segundo semestre deste ano.

Tensão política

Se há um clima de celebração com a abertura do novo espaço cultural, como é de se esperar, ele parece contrastar com a abordagem crítica e até obscura da exposição de inauguração, “reflexo do contexto político que vivemos hoje no Brasil”, segundo Chiarelli. Tensão Relações Cordiais reúne obras da coleção de Regina Pinho de Almeida selecionadas a partir de uma leitura bastante livre do curador, que não quis “escolher as peças mais famosas, fazer uma mostra cronológica nem mesmo seguir uma linha por analogias de linguagem”.

“A minha ideia foi que a Regina, com a coleção dela, está escrevendo um texto sobre arte contemporânea. E eu queria escrever um texto em cima do texto dela”, diz Chiarelli. “E pelo contexto de crise, eu tinha em mente essa distopia terrível que estamos vivendo. E a minha opção foi transformar o espaço expositivo em uma espécie de caverna, onde as obras se situariam independente de qualquer pré-determinação”.

Num ambiente escuro, com iluminação pontual e expografia de Pedro Mendes da Rocha, a potência das obras – de Jenny Holzer, Hildebrando de Castro, Liliana Porter, Estela Sokol, Waltercio Caldas, Nazareno, Laura Erber e Edgard de Souza, entre outros – se apresenta independentemente das possíveis relações estabelecidas entre elas. “A exposição não é agradável, é muito contida e investe na potência das obras. Para o público, acho que é uma experiência de reflexão sobre o momento atual.”

Sobre o título da mostra, inspirado em trabalho de Paulo Climachauska presente na mostra, o curador é enfático: “A obra do Paulo fala muito do país e do que estamos vivendo hoje. Essa cordialidade do brasileiro, historicamente falando, é uma falácia, uma hipocrisia”. “Essa obra, que é uma releitura do trabalho do Debret, mostra uma relação entre escravos e senhores que aparentemente é cordial, mas que é absolutamente pautada na violência, no medo. E é isso que nós vivemos hoje. Em certo sentido pode parecer que está tudo bem, mas nós estamos em uma tensão violenta”, conclui.

Tensão relações cordiais

A Casa do Parque Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 1300, São Paulo
De 23 de março a 30 de junho
Entrada Gratuita

A Troia de Taipa

Cerca de 400 jagunços, mulheres e crianças feitos prisioneiros no final da guerra de Canudos, em outubro de 1917. Foto: Flávio de Barros / Álbum Canônico Virtual de Canudos / Acervo Instituto Moreira Salles / Museu da República

“Canudos não se rendeu.” A frase, de enorme impacto, está na penúltima página de Os Sertões. A essa altura, o leitor está com a respiração suspensa, ouvindo o rugido raivoso de cinco mil soldados. Da enorme comunidade surgida em torno de Antonio Conselheiro restam apenas quatro, dentre eles um velho e uma criança. Todos os demais foram massacrados, não sem antes oferecer uma resistência nunca vista na História, que humilhou o exército republicano.

Euclides da Cunha presenciou apenas os últimos dias da guerra de Canudos, na condição de jornalista enviado pelo jornal O Estado de S. Paulo, comissionado como adido do marechal Macedo Bittencourt. Mas foi o suficiente para que se comovesse a ponto de rever todas as suas convicções. O resultado dessa experiência, uma série de reportagens que só seriam reunidas em livro muitos anos após sua morte, serviria de base para que escrevesse Os Sertões, uma obra-prima sem igual na literatura mundial, comparável apenas a livros do porte de Guerra e Paz e Ilíada. Obra à qual o autor chamou de “um ataque”. Seu objetivo era explícito: denunciar o fratricídio perpetrado pelos militares e responsabilizar os governos federal e baiano, e a Igreja (como bem nota Roberto Ventura).

A nova edição, primeiro lançamento da nascente Ubu editora, ao lado da Edições Sesc, faz jus ao trabalho visionário de Euclides da Cunha (1866-1909). Primeiro porque reproduz, num volume à parte, o exaustivo trabalho feito pela crítica e professora Walnice Nogueira Galvão de coligir as cerca de dez mil variantes existentes entre a primeira edição, de 1902, e a terceira, de 1905, determinadas pelo próprio autor, um obcecado por mínimas questões de estilo; segundo porque acresce 12 artigos de grandes críticos literários, também selecionados e editados por Walnice, juntamente com reproduções da caderneta de campo do autor e as célebres fotos de Flávio de Barros, mostrando as marcas da destruição e o estado miserável dos combatentes.

Dentre os artigos, chama atenção os três primeiros textos, pois feitos no calor da hora, assim que Os Sertões foi lançado. O grande crítico da época, José Veríssimo, por exemplo, resume bem a obra (tão difícil de definir), ao dizer que “é ao mesmo tempo o livro de um homem de ciência, um geógrafo, um geólogo, um etnógrafo; de um homem de pensamento, um filósofo, um sociólogo, um historiador; e de um homem de sentimento, um poeta, um romancista, um artista, que sabe ver e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos da natureza, como ao contato do homem, e estremece todo, tocado até o fundo d’alma, comovido até às lágrimas, em face da dor humana.”

Em ensaio de 1943, Gilberto Freyre também exalta, com seu característico estilo frondoso, o talento incomum de Euclides, destacando a forma como desvelou, para os sulistas ricos, uma realidade escondida no Brasil profundo: “O artista os interpretou [os sertões] em palavras cheias de força para ferir os ouvidos e sacolejar a alma dos bacharéis pálidos do litoral com o som de uma voz moça e às vezes dura, clamando a favor do deserto incompreendido, dos sertões abandonados, dos sertanejos esquecidos.”

Antonio Candido, por sua vez, escreve em 1952, com precisão e poesia, que há no livro “uma visão por assim dizer trágica dos movimentos sociais e da relação da personalidade com o meio – físico e espiritual. Trágica, no sentido clássico, de visão agônica em que o destino humano aparece dirigido de cima. O homem euclidiano é o homem guiado pelas forças telúricas, engolfado na vertigem das correntes coletivas, garroteado pelas determinações biopsíquicas: – e, no entanto, elevando-se para pelejar e compor a vida na confluência dessas fatalidades”.

Um dos textos mais completos é o de Franklin de Oliveira, publicado em 1982, em que aborda o conflito interno de Euclides e defende sua honestidade intelectual: “Antes de visitar Canudos, ele via a tragédia sertaneja de um ângulo reacionário. Considerava-a reação monárquica pura e simples. Fazia coro com os que preconizavam o seu esmagamento. Depois de testemunhar a luta dos sertanejos, de conhecer-lhes as condições de vida, de sabê-los proscritos da civilização, réprobos sociais, mudou radicalmente de posição. E escreveu o livro vingador.” Afirma que o escritor fundou a mímesis brasileira e ressalta, com fervor, a força de seu estilo: “Não é um verbalismo frouxo, ralo, reles, de quem não tem o que dizer e inflaciona a frase. É pletora verbal de quem tem muito a dizer e, por força da pressão expressiva, necessitava violar os padrões clássicos, subverter normas, inovar, renovar, revolucionar. Ou fazer o contrário: ressuscitar arcaísmos, em busca do insólito.”

E de fato, ao contrário da ideia corrente de que é melhor ler o livro a partir da terceira parte, A Luta, naturalmente a mais empolgante, as duas primeiras, A Terra e O Homem, trazem momentos de grande imaginação verbal. Do ponto de vista puramente literário, é possível dizer mesmo, em coro com Walnice Nogueira Galvão e o escritor Marcelino Freire, que o começo de Os Sertões é seu ponto alto. Ao descrever um cavalo atingido na refrega, o autor sai-se com um parágrafo que impressiona pela beleza evocativa e que, além de fundir os diversos elementos da natureza num mesmo quadro vivo, mostra a força da arte diante da finitude: “Fora a montada de um valente, o alferes Wanderley, e abatera-se, morto juntamente com o cavaleiro. Ao resvalar, porém, estrebuchando malferido, pela rampa íngreme, quedou, adiante, à meia encosta, entalado entre fraguedos. Ficou quase em pé, com as patas dianteiras firmes num ressalto da pedra…E ali estacou feito um animal fantástico, aprumado sobre a ladeira, num quase curvetear, no último arremesso da carga paralisada, com todas as aparências de vida, sobretudo quando, ao passarem as rajadas ríspidas do nordeste, se lhe agitavam as longas crinas ondulantes…”

Prêmio de Arte Marcos Amaro anuncia os cinco finalistas

Estela Sokol, André Komatsu, Jonathas de Andrade, Marcelo Moscheta e Virginia de Medeiros. FOTOS: Divulgação

Foram anunciados nesta quarta-feira, dia 19, os cinco finalistas do Prêmio de Arte Marcos Amaro, realizado pela Fundação Marcos Amaro em parceria com a SP-Arte. Os escolhidos desta edição são André Komatsu (galeria Vermelho), Estela Sokol (Anita Schwartz Galeria de Arte), Jonathas de Andrade (galeria Vermelho), Marcelo Moscheta (galeria Vermelho) e Virginia de Medeiros (Galeria Nara Roesler).

O vencedor, que será anunciado no dia 4 de abril, durante a 15ª edição da SP-Arte, receberá uma premiação no valor de R$ 50 mil e terá mais R$ 45 mil para desenvolver um projeto inédito, a ser exposto na Fábrica de Arte Marcos Amaro (Itu, São Paulo) em 2020, paralelamente à 16ª edição da SP-Arte. A orientação do projeto ficará a cargo do curador Ricardo Resende e, posteriormente, o trabalho poderá ser incorporado ao acervo da Fundação Marcos Amaro.

Devido ao grande número de inscrições, 139 ao todo, com nomes de artistas consagrados e jovens talentos, o júri – composto por integrantes do conselho consultivo da Fábrica de Arte Marcos Amaro – não teve tarefa fácil na escolha dos finalistas. Os selecionadores Marcos Amaro, Ricardo Resende, Raquel Fayad, Aracy Amaral, Fábio Magalhães, Gilberto Salvador e Patricia Rousseaux (publisher da ARTE!Brasileiros) avaliaram com base no corpo da obra dos artistas e no projeto proposto para o acervo.

O Prêmio de Arte Marcos Amaro nasceu em 2017, durante a 13ª SP-Arte, a partir da proposta de valorizar e dar visibilidade para artistas brasileiros e estrangeiros. Ivan Grilo (Casa Triângulo) e Brígida Baltar (Galeria Nara Roesler) foram os premiados em 2017 e 2018, respectivamente.

 

Rodrigo Moura é o novo curador chefe do Museo del Barrio

Para Patrick Charpenel, Rodrigo tem uma visão alinhada a ideia do museu. FOTO: Divulgação/MASP

A exposição de Djanira da Motta e Silva, com co-curadoria de Isabella Rjeille, encerra os trabalhos de Rodrigo Moura como curador adjunto no MASP. Ele foi anunciado, nesta sexta-feira (15), como o novo curador-chefe do Museo del Barrio, na cidade de Nova Iorque.

Com a integração de Moura ao quadro de profissionais, o museu busca “expandir o entendimento e o alcance de sua Coleção Permanente, fomentar as relações com os emergentes e estabelecidos artistas”, segundo nota divulgada. Além disso, a instituição acredita que tê-lo na equipe irá aprofundar relações com comunidades latino-americanas e caribenhas.

Para o diretor executivo do museu, Patrick Charpenel, no cargo desde 2017, “Rodrigo traz uma visão curatorial arrojada para o El Museo del Barrio, combinando pensamento inovador enérgico com habilidades de liderança aperfeiçoadas ao longo de doze anos em uma das principais instituições culturais do Brasil”. O diretor faz referência ao tempo que Moura passou em Inhotim, onde atuou como curador e diretor artístico. Em 2016, ele foi para o MASP, assumindo o cargo de curador-adjunto de arte brasileira.

No museu paulistano, executou exposições como Portinari popular, Agostinho Batista de Freitas e Imagens do Aleijadinho. Em comunicado à imprensa, Rodrigo afirma: “É com grande entusiasmo que me uno à equipe do El Museo del Barrio para imaginar e implementar uma nova visão curatorial para esta instituição histórica e singular”.

 

 

As pias da discórdia de Alex Flemming

Série "Ecce Homo", de Alex Flemming. FOTO: Divulgação

Alex Flemming costuma olhar para sua própria obra sob dois pontos de vista distintos, por mais que eles estejam sempre entrelaçados. Por um lado, a produção artística deve ser politicamente contundente, com mensagens fortes, seja quando trata de opressão e autoritarismo, de extremismos religiosos, de questões ambientais, de liberdade sexual ou da sensualidade do corpo. Por outro lado, a arte deve ser bela e sedutora, mesmo quando fala sobre estas “questões cortantes”, diz ele, “por mais que eu entenda que isso não é uma unanimidade do pensamento crítico”.

“Minha vida tem sido a pesquisa da cor, do material e do corpo. Sou um colorista que já se utilizou de bichos empalhados, tapetes persas, computadores velhos, cuecas, móveis e outras superfícies para fazer meus objetos”, afirma Flemming, paulistano radicado em Berlim há cerca de três décadas. Em sua nova série, Ecce Homo, exposta na Galeria Emmathomas, o artista de 64 anos segue fiel à essa trajetória.

Desta vez, o material escolhido foram pias industriais brasileiras de diferentes cores – em tons pastéis –, provenientes dos anos 1970 e 1980. Nelas, Flemming desenhou, com pontas de diamante, mãos humanas em variadas posições, propondo uma metáfora entre uma passagem bíblica e o Brasil atual. O artista encontrou no episódio da condenação de Jesus Cristo por Pôncio Pilatos uma relação com a “situação escabrosa” em que o Brasil se encontra, consequência direta de “todos nós termos lavados as mãos”.

“Não foi Pilatos quem lavou as mãos e deixou o Brasil chegar ao estado em que está, e sim as elites, nela incluindo o egoísmo de todos os partidos políticos, a omissão das instituições e a ganância do mercado”, diz ele. “Penso que nós, inclusive da esquerda, temos que fazer uma autocrítica. Porque se as coisas chegaram a esse nível, também somos culpados”.

Sobre a escolha das pias, Flemming explica que sempre teve interesse em utilizar o material, encontrado em qualquer lugar do mundo – “de Bangladesh ao México, do Chile à Suécia” –, mas praticamente não utilizado na história da arte. Após as primeiras experiências em Berlim, “onde só existem pias brancas”, procurou os lavatórios em cidades brasileiras, já que a ideia era retratar uma temática de seu país de origem. Encontrou por aqui pias roxas, verdes, beges e cor de abóbora, e nelas gravou seus desenhos durante a residência artística realizada na Fábrica de Arte Marcos Amaro (FAMA), em Itu.

“Pias dessas cores não existem na Alemanha. Isso tem a ver com um Brasil colorido, multifacetado”, diz Flemming. Curiosamente, para ele as formas destes objetos remetem diretamente a duas coisas: os altares brasileiros domésticos das fazendas dos séculos 18 e 19 e às antigas televisões de bobina do século 20.

Ao falar novamente sobre a crítica de arte e sobre as dificuldades para a produção cultural no Brasil, que devem se intensificar sob um governo conservador, Flemming conclui: “Estou expondo o mais íntimo do meu ser, minha alma, meus pensamentos. Fico muito contente com as pessoas que gostam e respeito as que não gostam. Mas eu crio porque isso grita dentro de mim, porque é minha vida. Quer dizer, não podemos depender só de apoio, de editais. A arte é independente de partidos e, sem dúvida, do Estado”.

Alex Flemming – Série Ecce Homo

Até 22 de março

Galeria Emmathomas – Alameda Franca, 1054 – Jardim Paulista (São Paulo)

Entrada gratuita

 

Marc Ferrez ganha grande retrospectiva no IMS

Uma ampla exposição focada em diferentes períodos e facetas da obra de Marc Ferrez (184-1923) ocupa, a partir do dia 26 de março, as salas do IMS Paulista, com fotos, álbuns originais, câmeras, equipamentos e documentos que dão um vasto panorama da produção do fotógrafo carioca.

Intitulada Marc Ferrez: Território e Imagem, a mostra, com mais de 300 itens, retrata as mudanças vividas pelo Brasil do fim do século 19 ao início do 20, durante os cerca de 50 anos de atuação do fotógrafo. Segundo o curador Sergio Burgi, coordenador da área de Fotografia do IMS, o legado de Ferrez “constitui uma plataforma única e singular para a compreensão do país e de sua representação, das últimas décadas do Império às primeiras da República”.

Vista da enseada de Botafogo a partir do Corcovado em 1885. FOTO: Marc Ferrez/Acervo IMS

A exposição percorre diferentes períodos do trabalho do fotógrafo, partindo das imagens de paisagens cariocas do início de sua carreira e passando por sua produção como fotógrafo oficial da Comissão Geológica do Império do Brasil – que inclui, por exemplo, fotos dos índios botocudos do sul da Bahia. Há ainda imagens de obras públicas – como a construção e modernização de ferrovias –, de cidades e construções urbanas, registros do trabalho escravo nas fazendas de café do vale do Paraíba e fotos pessoais, de viagens e visitas a amigos, que mostram um viés mais intimista do fotógrafo.

Além das imagens em si, a mostra trata também das mudanças tecnológicas vividas pela fotografia no período, época de rápida modernização das técnicas e profundas transformações no campo da imagem. A exposição contará ainda com uma programação paralela que inclui debates, um curso e o lançamento do livro Marc Ferrez, Uma Cronologia da Vida e da Obra, de Ileana Pradilla Ceron.

Marc Ferrez: Território e Imagem

Instituto Moreira Salles – Avenida Paulista, 2424

De 26 de março a 21 de julho

Entrada gratuita

Prêmio PIPA divulga lista completa dos indicados de 2019

Obra de Arjan Martins, vencedor da última edição do PIPA. FOTO: Divulgação

A lista completa dos indicados ao Prêmio PIPA 2019 foi divulgada nesta sexta-feira, dia 15, no site da instituição. Entre os 76 nomes estão artistas contemporâneos de diferentes idades e que trabalham com diversas plataformas, entre eles Ana Prata, Berna Reale, Bruno Dunley, Erika Verzutti, Paulo Nimer Pjota, Lia Chaia, Daniel Jablonsky, Daniel de Paula, Maxwell Alexandre, Vivian Caccuri, Marina Rheingantz, Regina Parra, Letícia Ramos, Armando Queiroz, Jaime Lauriano, Marilá Dardot, Cristiano Lenhardt, Rosana Paulino e  o coletivo OPAVIVARÁ. Confira a lista completa aqui.

Da lista de 76 participantes serão escolhidos os quatro finalistas, que recebem R$ 30 mil reais cada e doam uma obra para o Instituto PIPA, e, na sequência, o grande vencedor, que recebe mais R$ 30 mil para o desenvolvimento de um projeto. Da lista inicial sai também o vencedor do PIPA Online (votação do público), que recebe R$ 15 mil e doa uma obra para o instituto.

O processo de escolha dos indicados e vencedores passa por diferentes etapas e júris: o Conselho, com os representantes do prêmio Roberto Vinhaes, Lucrécia Vinhaes e Luiz Camillo Osorio e os convidados Flávio Pinheiro, Moacir dos Anjos, Luís Antônio Almeida Braga e Tadeu Chiarelli; o Comitê de indicação, com 30 críticos, artistas e curadores; e o Júri de Premiação, ainda não divulgado.

O prêmio tem como missão, segundo sua página oficial: “Divulgar a arte e artistas brasileiros; estimular a produção nacional de arte contemporânea, motivando e apoiando novos artistas brasileiros (não necessariamente jovens); além de servir como uma alternativa de modelo para o terceiro setor”. De 2010 para cá os vencedores foram, respectivamente, Renata Lucas, Tatiana Blass, Marcius Galan, Cadu, Alice Miceli, Virginia de Medeiros, Paulo Nazareth, Bárbara Wagner e Arjan Martins.