Retrato de Décio de Almeida Prado, Lourival Gomes Machado e Alfredo Mesquita, por Luis Bueno D'Horta, 1981.

Foi Ana Candida Avelar (hoje professora na Unb, antes minha orientanda na USP) quem me apresentou o artigo de Lourival Gomes Machado, “Conversa de Barr”, publicado no Suplemento Literário do Estadão em 19 de outubro de 1957. O texto fazia menção à polêmica que acompanhou a escolha e premiação dos artistas brasileiros da 4ª. Bienal de São Paulo, ao mesmo tempo em que criticava, de forma elegante, mas contundente, as declarações de Alfred Barr sobre a arte brasileira vista naquela edição da Bienal (Supl. Literário, 28 de setembro de 1957). Não era pouca coisa o artigo: Barr tinha sido o grande formulador do Museu de Arte Moderna de Nova York (esteve presente na instituição de 1929 a 1968) e, mais do que isto, um dos curadores mais influentes do século XX. Bonito ver o crítico brasileiro batendo de frente na prepotência e no desconhecimento do norte-americano sobre a arte brasileira daquela década.

Porém, apesar da excelência e da pertinência do artigo de Machado, confesso que o que mais apreciei no artigo foi, de fato, o título: “Conversa de Barr”. Com essa expressão tão simples, com esse trocadilho aparentemente tão barato, Lourival Gomes Machado sintetizou muito bem o que pensava sobre a polêmica em pauta e sobre o posicionamento de Alfred Barr a respeito da arte local: não passavam de conversas de bar. E para Machado, “conversa de bar” denunciava um estado de espírito muito comum no ambiente artístico de São Paulo: “um estado de espírito, aliciante e jeitoso, camarada e exclusivista, inteligente e concessivo, brilhante e inconsequente…”.

Quando Patricia Rousseaux me convidou para manter uma coluna em ARTE!Brasileiros, sugerindo que eu pensasse em um nome para a mesma, logo me veio o título do texto de Machado: por que não nomear a coluna “Conversa de Barr”? Sem dúvida uma homenagem a Lourival Gomes Machado – que com o título do artigo provou não ser um dos “chato-boys”, como Oswald de Andrade nomeou o grupo ao qual pertencia Machado no início da carreira (o pessoal do grupo da revista Clima).

Por outro lado, apropriar-me do título, além da homenagem, significava também propor uma espécie de conversa de bar aos leitores da ARTE!Brasileiros, e isso porque acredito que – ao contrário do que pensava Machado no artigo – muito do que se conversa numa mesa de bar não morre ali, pressionada pela própria inconsequência. Pelo contrário: a conversa pode ser leve e aparentemente inócua, mas, se possui alguma fundamentação, tende a permanecer na cabeça dos interlocutores que a ruminam até que ela se modifique, ganhe corpo novo, transforme-se em novas ideias, projetos, obras.

Fechada a escolha do título – Conversa de bar –, me perguntei se deveria ou não retirar a referência a Alfred Barr. Por fim, cheguei à conclusão de que manter seu nome no título da coluna significava perpetuar o genial trocadilho de Machado. O que, por sua vez, ampliava a homenagem que queria fazer com aquela escolha. Explico: se Lourival Gomes Machado e sua geração significaram muito para a minha formação, não resta dúvida de que o papel exercido por Alfred Barr junto ao Museu de Arte Moderna de Nova York (além de seus livros e textos) também teve um grande significado para mim. Manter no título da coluna para a ARTE!Brasileiros referências a nomes significativos para minha formação profissional (e para a de tantos outros colegas) seria um lastro importante a se preservar, mesmo que, no caso do intelectual norte-americano, ele apenas seja referido no “r” entre parênteses – uma espécie de chiste que deverá ser levado a sério. Pelo menos por mim.

*Tadeu Chiarelli é curador e crítico de arte. É professor titular no curso de Artes Visuais da USP. Foi diretor da Pinacoteca de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP). Também já atuou como curador-chefe do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP). 

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