Man Ray, Volta à Razão,1923

 

Leia também:
1] Curadoria como sistemas simbólicos em conflito,
2] Forma estética e contradição social  
3] Formalização e Temporalidade
4] Arquitetura e Espaço: a Soberania das Imagens
5] Lugar, Voz e Linguagem: Empatia e Estranhamento

Resumo

Pretendo mostrar como as práticas de mediação convidam ao encontro com a obra como experiência de leitura reconstrutiva. Este processo pode ser entendido como experiência ética de reconhecimento, envolvendo forma estética e contradição social. A função ética do discurso, concentrada na noção de letra determina modos de relação com a obra que são também modelos de relação intersubjetiva com o outro. Apresento este tema a partir de sete desafios éticos para os museus contemporâneos.

 

6.Construção de Séries Históricas e Leitura Crítica de Imagens

 

Até aqui estamos nos desviando dos operadores clássicos de leitura de imagens: o autor e a obra. A crítica das neovanguardas dos anos 1960 insistiu na dissolução da unidade destas categorias: a obra é aberta, sua descontinuidade com o mundo é problemática, sua intrusão na vida é um problema insolúvel. Problema conexo é a reação ao excesso de biografismo e de psicologização da leitura da obra pela vida de seu autor. O sujeito que se critica aqui é sobretudo o sujeito soberano, auto-idêntico e reflexivo, possuidor e mestre de sua produção assim como Hitchcock parecia controlar todos os detalhes de seus filmes.

Ora, este uso da psicanálise traz o que ela tem de pior, que é a reprodução de uma narrativa mestre a partir da qual se pode fazer hermenêutica de obras de arte. Em alguma medida isso parece ser inevitável, mas o que se observa em críticos mais recentes, como Didi-Huberman e Hal Foster ou Kosalind Krauss, é que a psicanálise é antes de tudo uma estratégia de leitura de formas, não de conteúdos.

 

Ela, como tantos outros discursos e experiências está interessada centralmente no sofrimento e na transformação, no modo como contradições vivenciais, como o trauma, mas também o sofrimento narcísico com a identidade, o sofrimento em estranhamento com o sintoma, o sofrimento derivado do bloqueio, fracasso ou limitação de nosso trabalho de imaginarização ou simbolização retorna como real.

Este é o problema central na série já aludida de telas sobre o desastre do Césio 137 e sua interpolação no contínuo de trabalhos e Siron Franco. O fio condutor não precisa ser a vida, mas pode ser apenas a recorrência, construída pelo destinatário das variações que se compõem no tempo. Como antropofagia dos seus primeiros trabalhos, se reúne com a resposta aos ataques terroristas em Paris, ou ao desastre de Goiânia? Não precisamos encontrar uma lógica, uma coerência ou um encadeamento necessário, como faziam Wolflin e Vasari.  Mas uma escuta empática da obra produzirá, como uma espécie de efeito secundário, estruturas de unidade, sobrepostas ou não, às estruturas de identidade.

Este é o exercício aberto da leitura como construção de corpos políticos. Tarefa na qual psicanálise, pensamento museológico, mas também tantos outros discursos e agenciamentos estão agrupados.

 


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