Page 37 - artebrasileiros-65
P. 37

Foto do professor João Paes Loureiro com o rio Guamá ao fundo




            se referindo à criação do mundo”, à criação do planeta    – Queria que você começasse nos contando
            Terra. A primeira noite de tudo saiu do coração de um   quando e como foi que você iniciou sua pesquisa
            tucumã (pequeno coco de palmeira). (...) Pode se também   sobre as diferentes formas do encontro do homem
            recorrer a Nunes Pereira, no antológico Moronguetá –  e a natureza.
            um decameron indígena: O sol, antigamente, era um   João de Jesus Paes Loureiro – Nasci numa cidade
            moço forte e bonito (...) O sol bebeu todo o urucu e foi   do interior do Pará, a cidade de Abaetetuba, que fica
            ficando com a cara vermelha como o urucu e a muira-  debruçada no rio Tocantins, num trecho chamado
            piranga. Depois subiu para o céu e se meteu entre as   Baixo Tocantins, próximo de Belém. Lá nós temos em
            nuvens. (1) (...) Há no mundo amazônico, a produção   frente a cidade, mas fazendo parte do município uma
            de uma verdadeira teogonía cotidiana. Revelando uma   reunião de 72 ilhas. Eu sempre lembro isso, porque
            afetividade cósmica, o homem promove a conversão   essas ilhas são uma espécie de região mítica do nosso
            estetizante da realidade em signos, por meio dos labores   município. Ela é uma espécie de labirinto e, nesse
            do dia a dia, do diálogo comas marés, do companhei-  lugar, íamos passar todos nós, eu e minhas irmãs, as
            rismo com as estrelas, sasolidariedade dos ventos que   férias.  O meu pai veio de um dos rios dessas ilhas,
            impulsionam as velas, da paciente amizade dos rios. (...)   do Rio Távora, e um tio nosso morava no Engenho
            Um mundo único real e imaginário.”                 Tucumã, em Tubarão, onde a garotada toda passava
               A seguir, as palavras de Loureiro durante nosso   as férias de junho.
            encontro, no seu apartamento em Belém, no mês         Curiosamente, foi lá que me refugiei da ditadura.
            de novembro.                                       Era jovem, tinha 20, 21 anos, e foi para lá que fugi, para

                                                                                                         37
   32   33   34   35   36   37   38   39   40   41   42