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Foto do professor João Paes Loureiro com o rio Guamá ao fundo
se referindo à criação do mundo”, à criação do planeta – Queria que você começasse nos contando
Terra. A primeira noite de tudo saiu do coração de um quando e como foi que você iniciou sua pesquisa
tucumã (pequeno coco de palmeira). (...) Pode se também sobre as diferentes formas do encontro do homem
recorrer a Nunes Pereira, no antológico Moronguetá – e a natureza.
um decameron indígena: O sol, antigamente, era um João de Jesus Paes Loureiro – Nasci numa cidade
moço forte e bonito (...) O sol bebeu todo o urucu e foi do interior do Pará, a cidade de Abaetetuba, que fica
ficando com a cara vermelha como o urucu e a muira- debruçada no rio Tocantins, num trecho chamado
piranga. Depois subiu para o céu e se meteu entre as Baixo Tocantins, próximo de Belém. Lá nós temos em
nuvens. (1) (...) Há no mundo amazônico, a produção frente a cidade, mas fazendo parte do município uma
de uma verdadeira teogonía cotidiana. Revelando uma reunião de 72 ilhas. Eu sempre lembro isso, porque
afetividade cósmica, o homem promove a conversão essas ilhas são uma espécie de região mítica do nosso
estetizante da realidade em signos, por meio dos labores município. Ela é uma espécie de labirinto e, nesse
do dia a dia, do diálogo comas marés, do companhei- lugar, íamos passar todos nós, eu e minhas irmãs, as
rismo com as estrelas, sasolidariedade dos ventos que férias. O meu pai veio de um dos rios dessas ilhas,
impulsionam as velas, da paciente amizade dos rios. (...) do Rio Távora, e um tio nosso morava no Engenho
Um mundo único real e imaginário.” Tucumã, em Tubarão, onde a garotada toda passava
A seguir, as palavras de Loureiro durante nosso as férias de junho.
encontro, no seu apartamento em Belém, no mês Curiosamente, foi lá que me refugiei da ditadura.
de novembro. Era jovem, tinha 20, 21 anos, e foi para lá que fugi, para
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