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Achei que bubuiar, ir de bubuia, dibubuiar,
                                   dibubuismo, revelavam a intercorrência de ação
                                   exterior com a interior, navegação e devaneio,
                                   ’’
                                   sintoma de atitude reveladora de inteligente
                                   convivência do nativo com o ambiente e resolvi
                                   denominar esse ato de dibubuismo”













               desentranhar coisas muito originais. Não. Eu, por   coincidia de encontrar, indo na mesma direção, um
               exemplo, acho que nesses campi da universidade que   desses marapatá ou periantã,  que é o nome indígena.
               estão se espalhando pelo Estado, todos, sejam da   Pois bem, então eu vi. Amarrava aquela canoa numa
               Federal, seja da estadual, começam a gerar disser-  touceira daquelas, e, nessa aliança com a natureza, se
               tações e teses de pessoas que vivem no lugar certo,   deitava de chita, descansando. A reboque do periantã,
               que têm pertencimento, que falam puro, coisas que   seguia viagem tranquilo, boiando, ou bubuiando nas
               gostam, que amam, que acreditam, que revelam    águas, como se diz na linguagem ribeirinha. Sem pre-
               uma vivência das quais se poderiam desenvolver   cisar fazer esforço de remar, uma vez que rebocado
               inúmeros conteúdos.                             pela ilhota flutuante chegará aonde pretende sem
                 E se aprofundar na cultura amazônica, numa    gastar inutilmente suas energias. Fica pensando, se
               poética do imaginário em diálogo com “a cultura   lembrando das suas histórias, do que ele quer fazer.
               mundo”. Entendo a cultura amazônica como uma       Esta seria uma espécie de atitude de você não
               coisa que vive na atualidade, não como uma his-  desperdiçar sua energia quando em aliança com a
               tória dela, do passado. Uma coisa que aconteceu,   natureza. E não é nem no momento de ócio. Ao se
               não. Eu acho que ela vive em diálogo com o mundo   liberar do trabalho, você gera uma oportunidade
               atual, e é através desse diálogo que mostra ainda   para o outro tipo de trabalho.
               sua presença viva.                                 Assim, achei que bubuiar, ir de bubuia, dibubuiar,
                                                               dibubuismo, revelavam a intercorrência de ação exte-
                    – E a ideia de “dibubuismo”, como surgiu?  rior com a interior, navegação e devaneio, sintoma
               Nessas minhas contemplações eu via passar, e    de atitude reveladora de inteligente convivência do
               não era jovem, já depois de adulto, no Baixo Ama-  nativo com o ambiente e resolvi denominar esse ato
               zonas, pedaços de terra deslocados da margem    de dibubuismo. O dibubuismo difere do “ócio criativo”
               pela força do rio na enchente, que viravam uma   [conceito criado pelo italiano Domenico De Masi]
               ilha pequena. Uma ilha flutuante com árvores,    porque não é uma reação ao trabalho prático. É uma
               com touceiras, troncos de um açaizeiro [palmeira   alternância compatibilizadora com ele e parceria de
               do açaí], com cobras e também com garças que    harmonização com a natureza.
               vão pousar nelas.                                  Jamais alguém poderia fazer isso com motosserra.
                 Via que muitas vezes o canoeiro que vinha remando   Jamais alguém poderia fazer isso com um navio.
               na direção do seu trabalho ou para chegar na cidade,   Jamais. Então, essa foi, digamos assim, a gênese,
               por exemplo, para comprar as coisas e voltar, ou   a origem, digamos, experiencial, da construção
               para ir para o lugar onde ele podia pescar, enfim,   desse conceito.

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