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BIENAL DAS AMAZÔNIAS MUSEU EMÍLIO GOELDI
Com um ethos em que predominam
ontologias perspectivistas e práticas
xamânticas de transformação corporal”
’’
(VIVEIROS DE CASTRO, 2002)
modeladas em suas paredes, urnas funerárias capazes Guarani, Médio-Baixo Xingu, Volta Grande do Xingu,
de preservar os restos humanos ou representações de Foz do Xingu, Alto Xingu, as de Açatuba e Manacapuru,
um lugar simbólico, como a demarcação de territórios da Amazônia Central, do Caiambé no Lago Amanã, no
sagrados. Todas trazem diferenças nas pastas e argi- meio Solimões.
las utilizadas, na queima, torração ou oxidação, já que Dentre tantas, as da cultura de Santarém e Baixo
pertencem a territórios e grupos sociais diferentes. Tapajós pertencem a sociedades indígenas que habi-
Hoje se sabe, por meio destas e de outras pesquisas, taram a região entre os séculos VIII ou IX até XIX, no
que vestígios encontrados por escavadores datam de período pós-colonial, marcando, a partir daí, culturas
até 13mil anos atrás. No caso das cerâmicas da Ama- híbridas. Mais recentemente estudadas, possuem
zônia, elas estão entre as mais antigas das Américas. uma diferença substancial das outras, apresentando,
“Se considerarmos as datações de Taperinha, no Baixo por exemplo, nos denominados vasos de cariátides,
Amazonas (remontando a ca. de 8000 AP), e da Tradição iconografias e esculturas de elementos zoomorfos
Mina, no litoral do Pará, (remontando a ca. de 6000 (cabeças de urubus) e antropomorfos (figuras femini-
AP).” (pág.23) nas sentadas) desenhadas e aderidas às suas bordas.
Dentre os diferentes grupos, as cerâmicas Marajoa-
ras foram das mais estudadas da Amazônia. À diferença o desafio e as estratégias para dialogar com
das cerâmicas andinas ou mesoamericanas, em que a memória
as representações de cultivos são comuns, na icono- Em Devires para a diversidade no campo museal, artigo
grafia das cerâmicas Marajoaras enfatizam-se corpos que faz parte do projeto Arqueologias, materialidades e
animais e humanos. “Com um ethos em que predomi- paisagens entre os povos da floresta, Helena Pinto Lima
nam ontologias perspectivistas e práticas xamânticas coloca uma das maiores preocupações dos acadêmicos
de transformação corporal (Viveiros de Castro, 2002).” e curadores na contemporaneidade:
Estas cerâmicas pertencentes à Tradição Polícroma “Qual é o papel do museu nos atuais tempos de crise,
– que se expande ao longo de 6.600 km em distintos tempos de transformação? Essa é uma discussão não
pontos da bacia amazônica e, cronologicamente, por somente pertinente, mas latente no campo dos museus,
mais de 1000 anos – possuem técnicas decorativas, mundialmente. Produtos da lógica eurocêntrica e da
enorme repertório de símbolos, a determinação de empresa colonial, os museus operaram historicamente
certas partes de animais como cobras e escorpiões no nas rememorações coletivas e no esquecimento seletivo
lugar de olhos e braços, constituindo exemplos claros da a serviço de tal empreita nacional. Apesar dos importan-
vivência cosmogônica, homem-natureza, da Amazônia. tes avanços sociais liderados pela nova museologia da
Há uma infinidade de grupos estilísticos, com dife- década de 1970, só mais recentemente a problemática
rentes particularidades: as das guianas; as do complexo da descolonização ganha mais espaço nas práticas,
do Amapá; a cerâmica Mina do Pará, as do Maranhão; alinhada com reivindicações identitárias hoje em voga.
as do Tupi Guarani no Baixo Amazonas; do Baixo Xingu Junto com o Conselho Internacional de Museus (ICOM),
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