Page 43 - ARTE!Brasileiros #59
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Docas Dom Pedro 2º
os recém-chegados da África) que podem ser vistos nas acompanhar de perto o esforço de resistência e afirmação
janelas arqueológicas dentro do museu. Em termos de dessa comunidade ancorada no centro do Rio, registrou
vestígios materiais, muito pouco foi encontrado. Em sua em centenas de imagens os esforços de escavação, os
maioria miçangas, contas, pedras ritualísticas e outros circuitos históricos que levavam do cais ao Cemitério dos
objetos do gênero porque eram pessoas absolutamente Pretos Novos ou ao Lazareto, para onde eram levados os
desmunidas e sem qualquer tipo de tratamento funerá- escravos que vinham doentes, bem como as tradições
rio. As cerca de 60 mil ossadas encontradas nos quatro preservadas em comunidades como a da Pedra do Sal,
terrenos do Instituto foram desovados, empilhados, onde viviam os recém-libertos. Parte desse registro
incinerados, revirados à terra. “Quando você mostra pode ser visto na exposição virtual O Jardim Secreto do
essa realidade, não tem como romantizar a escravidão. Valongo, na plataforma online artsteps.com.
Daí a importância desse lugar”, diz Marco. O que fica evidente nesse confronto entre o descaso
“Trato o Valongo como um sintoma”, diz o jornalista e o esforço por trazer à luz os resquícios dessa histó-
e historiador Rogério Pacheco Jordão, que dedicou ria de repressão e resistência – lembrado há pouco
seu doutorado ao estudo do apagamento ao que o por Chico Buarque em sua mais nova canção, Que Tal
Valongo foi submetido ao longo do tempo, por um claro Um Samba? – é que há em jogo uma luta entre forças
processo de branqueamento, de esforço por ocultar de conflitantes, entre aqueles que pretendem iluminar
uma memória que pulsa e persiste. “O que apagou o
e aprender com o passado e aqueles que continuam
FOTO: JOÃO MAURÍCIO BRAGANÇA do-se ao projeto de reforma e urbanização que buscou fortalecendo vícios antigos e recusando-se a aprender
querendo deixá-lo sob esse manto de apagamento,
Valongo foi o ideal de branqueamento”, diz ele referin-
com sua própria história, confirmando, na prática, o
transformar o Rio de Janeiro em uma Paris dos trópicos.
O fotógrafo João Maurício Bragança, que também
que dizia a historiadora Emília Viotti Costa: “Um povo
sem história está fadado a cometer, no presente e no
escolheu a região do Valongo como tema de pesqui-
futuro, os mesmos erros do passado”.
sa em cultura e territorialidade, trabalho que o levou a
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