Page 40 - ARTE!Brasileiros #59
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DEMOCRACIA E REPARAÇÃO VALONGO
O ABANDONO
DO VALONGO
DifíCil enContrar lugar ou situação que condense de forma mais para-
No cais construído digmática contradições históricas e sociais do País como a região do Cais do
em 1811, no Rio, Valongo, no Rio de Janeiro, que há anos se encontra ameaçada pelo retrocesso e
para receber descaso. Construído em 1811 para receber os milhares de africanos que tornaram
milhares de o Brasil – e o Rio – o principal porto de destino do tráfico escravo ao longo do
século 19 e reformado em 1843 para receber Thereza Christina, que viria a ser
escravizados, Imperatriz do Brasil, o Valongo acabou por cair no esquecimento ao longo do
e onde foram século 20, enterrado sob os escombros da reforma Pereira Passos. Sobrevivia
encontrados apenas nos registros históricos e iconográficos de autores como Maria Graham,
importantes Debret, Rugendas e Thomas Ender. Foi redescoberto em 2011, durante as esca-
registros vações para a reforma da área, que deveria transformar-se no prometido Porto
arqueológicos, Maravilha, cartão postal ligado ao projeto dos Jogos Olímpicos de 2016. Dois
museus nasceram nesse entorno, um deles ironicamente intitulado de Museu
reina a estratégia do Amanhã, enquanto o cais real continua inundando quando há chuva.
de desmonte Durante os trabalhos de prospecção foram encontrados milhares de registros
de políticas de arqueológicos, que permitiriam conhecer um pouco mais da cultura material
enfrentamento carioca da primeira metade do século 19, mas que ainda hoje se acumulam
do racismo e da longe dos olhos do público em 243 contêineres, abertos de quando em quando
para limpeza e fiscalização, mas rapidamente escondidos novamente. Graças
desigualdade a uma forte movimentação da sociedade civil, o local foi alçado à categoria
de Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco em 2018 – em categoria
por maria hirsZman
semelhante a de outros sítios históricos de memória sensível como o campo de
concentração de Auschwitz ou a cidade de Hiroshima. Mas o cais e seu entorno
encontram-se ainda em completo abandono, descuidados pelas instituições
que deveriam salvaguardá-lo.
“Todos estão faltando com sua responsabilidade, alguns de forma escandalosa,
outros por omissão”, afirma a defensora geral, Rita Cristina de Oliveira, uma das
responsáveis pelo esforço coletivo de recuperação do sítio e pela viabilização do
projeto de preservação e disseminação dessa memória. Várias iniciativas, como
diferentes processos judiciais envolvendo a defensoria e o Ministério Público
Federal, vêm sendo tomadas, mas poucos resultados foram obtidos até o momento.
São múltiplas as faces deste descaso.
DoCas peDro 2 o FOTO: JOÃO MAURÍCIO BRAGANÇA
Recentemente, ganhou mais visibilidade a situação do prédio conhecido como
Docas Pedro 2 , que passou por uma vistoria no último mês de maio. Atualmente
o
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