Page 36 - ARTE!Brasileiros #59
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DEMOCRACIA E REPARAÇÃO BIENAL DE VENEZA











































                 Barbara Kruger, Untitled (Beginning/Middle/End), 2022








                 talveZ seja importante DiZer que estive na 59ª      Mesmo assim, há uma excelente menção ao estado
                  Bienal de Veneza após ter visitado a documenta de   disso tudo: é o vídeo do artista brasileiro Luis Roque, que
                  Kassel e a Bienal de Berlim, ambas muito complexas,  filmou por algum tempo, em 2020, urubus vistos de sua
                  com trabalhos que demandam tempo e concentração,  janela, sobrevoando a vizinhança, como a anunciar as
                  e que abordam a difícil realidade do mundo atual, cada   mortes que se seguiram aos milhares frente ao descaso
                  uma a seu jeito.                                do governo. Assim, Urubu acaba sendo um dos poucos
                    Por isso, ver Veneza, de certa forma, foi uma sus- contrapontos a esse contexto onírico da curadora, que
                  pensão do tempo presente, quase um alívio. A mostra a   usa emprestado o título do livro The Milk of Dreams (o
                  cargo da italiana radicada em Nova York Cecilia Alemani   leite dos sonhos), de Leonora Carrington (1917-2011) para
                  é, essencialmente, uma sucessão de belos e agradáveis   conceituar sua própria mostra.
                  trabalhos, nos dois locais-sede da mostra internacio-  Ao menos a Bienal de Veneza tem tudo a ver com
                  nal: o Arsenale e o Pavilhão Central, no Giardini, onde   um debate atual e necessário: o da reparação. Dessa
                  também fica boa parte das representações nacionais.   forma, exibir mais mulheres que homens e incluir negros
                    Possivelmente, se eu tivesse feito o roteiro inverso,  e indígenas como nunca havia ocorrido por ali é um gesto
                  teria me decepcionado com uma mostra tão fora do   importante, contra o apagamento de mais de um século na   FOTO: ROBERTO MAROSSI / CORTESIA BIENAL DE VENEZA
                  contexto atual. Prorrogada, afinal, por conta dos anos   mais prestigiada bienal. Ao mesmo tempo, são trabalhos
                  mais difíceis da pandemia – ela estava prevista para   com uma camada estética muito dominante e um debate
                  2021 –, não há nada nela que lembre o caos sanitário e   social, quando ocorre, sem contundência, o que torna toda
                  socioeconômico gerado pela covid-19 e nem da guerra   a mostra muito reluzente, como nas pinturas de Jaider
                  em curso na Europa.                             Esbell, em que o caráter onírico é sempre prevalente.


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