Page 85 - ARTE!Brasileiros #56
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Sem título, 2021, da série Encontros
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                                                                        de ouro sobre tela, 200 x 300 cm






                                                                        é isso que eu tenho feito. Sempre pensei
                                                                        de modo empreendedor. Patrimônio é o
                                                                        que é preciso entre os afro-americanos.
                                                                        Patrimônio. Ter coisas”. Para superar o
                                                                        capitalismo é preciso alcançá-lo. Nas
                                                                        superfícies lisas e brilhantes das telas de
                                                                        No Martins os personagens negros apre-
                                                                        sentados “têm coisas”, mas não apenas
                                                                        isso, eles têm “valores”, e são os valores
                                                                        que os consagram e os elevam, são os
                                                                        valores que os fazem aspirar pelo poder.
                                                                           Os negros são ensinados a se odiarem.
                                                                        O negro sendo espelho dele mesmo foi
                                                                        levado pela métrica do racismo a crer que
                                                                        aquilo que ele vê refletido no espelho é
                                                                        feio e precário. Martins, nessas pinturas,
                                                                        propõe que o encontro entre negros será
                                                                        sempre um ato político e tanto mais será
                                                                        se a afetividade for o componente media-
                                                                        dor desses encontros. A arte em geral e
                                                                        a pintura em particular ainda são, num
                                                                        certo sentido, uma projeção de poder. Isso
                                                                        fica mais evidente na pintura monumen-
                                                                        to que nos séculos 18 e 19 consagrou os
                                                                        protagonistas e os feitos da aristocracia
                                                                        e burguesia do norte ocidental. Entre os
                                                                        excluídos, nunca como hoje um projeto
                                                                        estético e ético similar a esse tem a chance
                                                                        de se efetivar e dar, por exemplo, nova
                                                                        significação aos esforços do cintilante e
                                                                        fugaz Jean-Michel Basquiat. Mas, entre
                                                                        nós, nunca como hoje artistas como No
            são no mínimo confortáveis, quando não francamente   Martins podem se referir e confessar influências dos
            luxuosos. Essas ambiências tem conotação política,  seus contemporâneos e daqueles que imediatamente
            contrariam as narrativas onde a carência e a violên- os precederam, oportunidade que corre paralela à luta
            cia estão imediatamente associadas ao cotidiano dos   social promovida fora e dentro dos ateliês, das acade-
            negros. Nessas pinturas o indivíduo, ou os indivíduos   mias e das galerias. O resultado desse empenho esta
            apresentados, empoderam não a si mesmos: os sinais   espelhado nas produções de artistas como Arjan Martins,
            externos de poder ostentados por eles são resultado de   Aline Motta, Sidney Amaral, Rosana Paulino e outros que
            uma luta mais geral e de todos. O cineasta Spike Lee, em   reinventam cotidianamente a representação do negro
            entrevista à revista Rolling Stone, afirmou: “(...) eu estou   nas artes, investigando sua história para compreender o
            apenas tentando obter o poder para conseguir fazer o   presente e também por essas produções que, em dialogo
            que tenho que fazer. Para conseguir este poder, você   com aquelas, preveem o futuro a ser arrebatado a partir
            precisa acumular um tanto de dinheiro na sua conta. E  do presente - como parece ser o caso de No Martins.

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