Page 89 - ARTE!Brasileiros #56
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Concílio das lamentações,
colagem digital desenvolvida
por Ventura Profana para o
programa de quarentena do
Instituto Moreira Salles
sua imagem como empecilho, ao foto-
grafar na cidade amazônica encontrou
um espelho. “Começo a me reconhecer
nessas imagens e vê-las tão possíveis
aqui neste lugar - e eu tão impossível
em São Paulo.” A artista pontua que ao
chegar na Amazônia pensava apenas na
imagem indígena, “mas a imagem negra
é parte do contexto e acaba sendo tão
essencial quanto”. Hoje, afirma, “eu e
a Amazônia estamos nos reconhecen-
do”. Nos últimos anos, Marcela tem se
dedicado a um trabalho de retomada da
Amazônia negra, retratando populações
que vivem em lugares mais afastados da
cidade: ribeirinhos, povos tradicionais,
quilombolas. “É muito importante dizer
que são populações, no plural, porque a
palavra ‘negro’ parece uma coisa enxuta,
né? Antes de ser negro, eram identidades.
Mais de 500 anos depois [da chegada dos
portugueses], estamos aqui, pegando
essa palavra, essa redução e ampliando-a
de afirmação e reafirmação, da busca pela identidade em multiplicidade.” Por isso, para a fotógrafa faz pouco
perdida e das violências contra esses corpos. É nesse sentido tratar dessas questões sem se colocar dentro
da discussão. “A ideia é ressignificar esse processo,
sentido que pretende trabalhar na exposição do Prêmio
FOTOS: CORTESIA DO ARTISTA | CORTESIA PRÊMIO PIPA desafia a pensar trabalhos que nasçam a partir do digital. Amazônia negra.”
sendo como camada dessa fotografia. É nessas linhas
pipa 2021, enxergando na opção pelo virtual uma outra
paralelas que eu me coloco de frente pro espelho nessa
possibilidade de investigação do formato: “Isso me
Enquanto Marcela parte das comunidades para
Não gosto de pensar o meu trabalho sendo digitalizado,
compreender a sua identidade, Ventura Profana parte
gosto de pensar a partir de onde ele é nativo”.
É também atravessado pela ideia de recuperação
de sua vivência particular para expressar uma outra
da identidade que o trabalho de Marcela Bonfim se
reflexão. Criada em meio a uma tradição batista, ela
configura. Formada em economia, foi apenas ao se
busca investigar as implicações do evangelicalismo no
Brasil e seus impactos nas relações coloniais. “Tento,
mudar para Porto Velho, Rondônia, que a paulista se
através dessas investigações do cristianismo, entender
entendeu de fato como mulher negra. Se nas ruas de
São Paulo buscava os discursos de meritocracia e via
como o processo colonial se impregnou” e como é
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