Page 93 - ARTE!Brasileiros #56
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Quando o establishment começa a engolir memes
(que até então resistiam a ele com críticas ácidas e
bem-humoradas), eles perdem força (ao integrar o que
uma vez enfrentaram)? Uma constatação importante
é feita por Hilde Lynn Helphenstein, criadora do per-
sonagem virtual Jerry Gogosian (o nome alude a duas
figuras reconhecidas no mundo da arte, o crítico Jerry
Saltz e o mega galerista Larry Gagosian): “As maneiras
como pretendo monetizar o que criei com @jerrygo-
gosian, por exemplo, serão um meio de alcançar uma
versão do mundo da arte com a qual posso conviver em
uma microescala. [De todo modo,] minhas realizações
artísticas serão perpetuadas pela máquina capitalista
e não tenho nenhum problema com isso. Um artista
tem que sonhar grande (e comer)”.
“Não temos certeza se a institucionalização dos memes
pode causar algum impacto ou mudança para os criadores
de conteúdo”, nota o New Memeseum ao considerar que,
talvez, o impacto seja para as próprias instituições, que,
“ao olhar com menor distinção entre alta e baixa cultura,
Meme de @newmemeseum estejam incorporando em suas programações lingua-
gens que possam atrair novos públicos” - a exemplo da
exposição Língua Solta, no Museu da Língua Portuguesa.
preservadas em anonimato -, o poder dos memes resi- Cavando mais fundo, eles questionam se a narrativa não
de em seu caráter ficcional. “Parafraseando Karl Ove pode ser contada de forma inversa: na perspectiva das
Knausgård, talvez nós estejamos tentando combater redes sociais, pode ser que os museus e as galerias sejam
ficção com ficção”. No final do segundo volume da os “espaços de exceção”, justamente porque a arte ainda
série Minha Luta, do escritor norueguês, lê-se - e o é um tanto inacessível para a maioria da população. Ao
New Memeseum cita: “Havia uma crise, eu sentia em que observam, as instituições têm procurado seu espaço
cada parte do meu corpo, algo saturado, como banha na internet, têm investido e se preocupado com suas
de porco, se espalhava em nossa consciência, porque plataformas virtuais. “Existe um desejo de engajamento
o cerne de toda essa ficção, verdadeiro ou não, era a de públicos. A economia de likes também impactou
semelhança, e o fato de que a distância mantida em as fontes de patrocínio - lembremos do edital cultural
relação à realidade era constante. Ou seja, a consciência que, recentemente, assumiu como critério a soma do
via sempre o mesmo. E esse mesmo, que era o mundo, número de seguidores dos integrantes de cada projeto”,
estava sendo produzido em série”. acrescentam. Com essas questões postas no horizonte,
No que tange essa atividade de contraposto, Cem eles ressaltam que o New Memeseum (da mesma forma
A. (também conhecido como @freeze_magazine, em que Jerry e Freeze) é um perfil do Instagram e, como tal,
paródia à revista de arte britânica) apresenta a pos- funciona dentro de um aplicativo gerenciado por um
sibilidade dos memes como agentes de mudança, conglomerado trilionário. “Nós também vivemos sob a
embora não de forma revolucionária, mas reformista. regência de algoritmos.”
“Os memes deveriam ser vistos como uma ferramenta Sob tal regência, o humor é um formato eficaz para
para popularizar ideias progressistas. Sua popula- enfrentar os poderes estabelecidos?, pergunta Hilde,
ridade pode nos dar vantagem na conversa”. O que ao que ela mesma responde de modo negativo. “Ser o
surge como uma barreira para tal? A possibilidade bobo da corte que declara o óbvio aos palacianos na
deles serem absorvidos pelo mercado. “Se os memes presença do rei ainda é estar em dívida com o rei. O
fossem comercializados com uma abordagem ime- humor é um remédio que alivia temporariamente a dor
diatista, isso apenas os tornaria menos genuínos e de quem não está no poder e cria a ilusão de retomar
eficientes. Até me faria questionar se eles poderiam o controle. Tirar dinheiro dos poderes instituídos e
ser considerados memes, no fim das contas”. redistribuir a riqueza é provavelmente a única maneira
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