Page 96 - ARTE!Brasileiros #56
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REPORTAGEM MEMES E ARTE
“É quase impossível administrar um negócio susten-
tável no mundo da arte. Os meios de comunicação tam-
bém estão incluídos nisso. Portanto, posso ver porque
suas escolhas editoriais tendem a ser conservadoras.
Dito isso, eu não concordo de forma alguma com a
abordagem deles”, afirma Cem A., quando menciono o
caso da exposição Arte em Campo, realizada no final de
2020 e noticiada com a neutralidade de um detergente.
O evento reuniu cerca de 25 galerias e 54 artistas para
celebrar o “novo Paca”, resultado de sua concessão
à iniciativa privada por 35 anos. Era a oportunidade
de “se despedir” do estádio que teria, meses depois,
a área que abrigava seus ingressos mais acessíveis
demolida. A curadora Pollyana Quintella conta ter se
perguntado qual era o papel da exposição ali, “além de
maquiar, sofisticar e proporcionar uma fachada cool que
justificasse interesses que estão longe de favorecer a
cidade”. Logo, esse tipo de noticiário - ou distribuição
de “meras peças de relações públicas cuidadosamente
elaboradas”, como descreve Hilde - também entra no
radar das páginas de memes. Meme de @jerrygogosian: “Demonstrando minha
Aproveitando o flagra do affair arte neoliberalismo, apreciação refinada pela alta cultura ao me comportar
Cem A. não deixa de chamar atenção para “o trabalho conforme exigido diante de um Rothko”
invisível” dos projetos digitais: “Muitas vezes as pes-
soas esquecem o tempo e o esforço necessários para
montar um projeto digital. Os memes também estão
incluídos nisso. A pandemia nos mostrou que a inter-
net agora é parte integrante do ecossistema da arte e
muitas vezes pode atingir públicos maiores do que é
possível no mundo físico. Precisamos fazer mais para
lidar com as desigualdades financeiras nesse parado-
xo e compensar os artistas que priorizam o digital de
forma mais justa”.
Para abordar o elefante na sala antes de terminar este
artigo: afinal, memes são arte? “Costumamos pensar
que, por maior que seja a distância, eles possuem algu-
ma ligação com o conceitualismo dos anos 1960 e 1970,
principalmente no que concerne às operações realizadas
entre palavra e imagem”, assinala o New Memeseum.
Já Cem A. acredita que os memes devam ser reconhe-
cidos no contexto da arte porque carregam qualidades
estéticas e conceituais. “No entanto, isso não significa
necessariamente que devam ser considerados obras de
arte ou ‘arte contemporânea’”, e salienta: “Na verdade,
devemos questionar coletivamente a suposição de que
a arte contemporânea está em um nível superior”. Essa Meme de @jerrygogosian: “Selando o pacto com meu IMAGENS: CORTESIA @JERRYGOGOSIAN
e as outras questões apontadas acima ainda devem art dealer de que está tudo bem venderem minhas
ganhar fôlego. “Acreditamos que nada tenha se esgo- obras para um negociante de armas conhecido /
império farmacêutico / Walmart / predador sexual
tado porque, na arte, esses debates mal começaram”, conhecido etc., com a promessa solene de agir
reiteram os produtores brasileiros de memes. surpreso e indignado se algum dia isso vier à tona”
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