Page 81 - ARTE!Brasileiros #56
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Eau de Colonies [en construction], 2021, projeto comissionado pelo programa de residência artística do
            festival Internationale Photoszene Köln; acima, plataforma de frascos vista de cima; à esq. detalhe da obra



               entender a fotografia assim que me interessei pelo   de discutir a realidade, era até muito cruel. Afinal,
               grande leque da fotografia, que de certa forma fica   ela tinha essa agenda de comprometimento com a
               invisível. Ou que nunca foi muito explorado, ou não   denúncia. Eu tenho muito respeito pelos fotógrafos
               era aquilo que era o artístico. Descobri que era mais   que por muito tempo fizeram esse trabalho, dentro
               legal, muito mais interessante para mim trabalhar   das condições mais difíceis do mundo. Quantos
               com tudo aquilo que não era feito com uma pro-  fotógrafos fizeram imagens sutis para falar de coisas
               posta estética por trás. E aí eu tive que aprender:   tão pouco sutis? É isso, acho que havia uma inércia
               fotografia científica, fotografia vernacular, o micro   grande para aceitar que a fotografia podia ter uma
               e macro, quer dizer, os usos científicos que você faz   agenda maior do que a que era aceita naquela época.
               da imagem, desde a imagem no microscópio até    E eu sempre tive isso quase como uma espécie de
               aquela captada via telescópio... Tudo isso para mim   bandeira, entendeu? Acho que é por isso que eu
               era mais interessante, mais saboroso, mais insti-  sempre digo que sou fotógrafa. Sempre fui. Só não
               gante para discutir a fotografia do que os ensaios   preciso fazer foto.
               que se faziam, a fotografia de caráter modernista,
               fotografia como arte. Sempre achei aquilo chato.  Isso ainda se aplica hoje?
               De fato acho que pouca gente usava, na época, o   Acho que hoje nem cabe mais, porque todo mundo
               próprio meio para discutir isso. Se falava sobre   faz imagem digital. Nem faz muito sentido. É que
               isso na academia, os textos estavam ali para você   havia um nicho, por conta de uma especificidade
               ler. Mas no Brasil você tinha muito pouca gente   técnica. E você tinha que dominar aquela técnica
               questionando ou fazendo algum trabalho onde     para poder trabalhar com ela. Para não fotografar
               isso fosse visto de fato. Isso demorou para chegar   eu aprendi a fotografar. Sempre fui preguiçosa na
               aqui porque a fotografia ficou por muito tempo   hora de fazer fotos. Pra mim foto sempre foi meio
               associada ao fotojornalismo. Querendo ou não, a   xerox. Mas eu sei, aprendi. Eu queria trabalhar com
               gente vinha de um período de repressão. Você pedir   um meio e usar toda a potência possível que aquele
               para a fotografia deixar de ser a janela do real ou   meio me permitia.

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