Page 79 - ARTE!Brasileiros #56
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Você poderia falar sobre a questão da ecologia, que E aí ficou muito mais saboroso o trabalho, muito mais
está no título da exposição? Tem a ver com essa divertido. Pude agregar histórias e falar sobre colônias,
recuperação de materiais que você faz, mas há sobre colonização. E sobre consumismo, universo no
outras dimensões menos evidentes, não? qual a gente está mergulhado e eu não vejo como sair.
Quando fiz Pequena Ecologia da Imagem já me interes-
sava pensar numa certa ideia de economia das imagens. E o segundo trabalho, que você está fazendo espe-
É uma questão relacionada a um pensador que nos cialmente para a exposição?
anos 1980 me marcou muito, o Andreas Müller-Pohle. Desde o ano passado estou trabalhando com uma ideia.
Muito pouca gente leu, muito pouca gente falava nele, Ganhei uma série de slides, que são kits educativos produ-
mas ele era o editor da revista European Photography zidos pelos salesianos, que são uma catequese, no sentido
junto com o Vilém Flusser e tinha textos maravilhosos. amplo, não é só do ensino da religião. Um material muito
No fundo, o que ele chamava de princípio político da estranho, mas que me interessou muito porque percebi
ecologia da informação eu trouxe para o território das que, na questão pedagógica, praticamente nada mudou,
imagens. Porque eu já era, naquela altura, uma cole- salvo algumas coisas muito pontuais. Percebi que dentro
cionadora desses resíduos fotográficos que povoavam dos problemas, ou da construção do sujeito - uma das
meu laboratório, sem saber muito bem o que fazer com sequências era Vida em Construção -, não se falava em
aquilo. Se estava tratando da imagem como informação, racismo, por exemplo. No mais é exatamente a mesma coisa.
para mim era natural que eu trabalhasse com os títulos.
Essa era a brincadeira, essa intertextualidade forçada. Estamos presos em um mesmo ciclo, como uma
E foi a partir da Pequena Ecologia da Imagem que eu repetição infernal?
assumi essa coisa de criar esses ruídos de leitura. As
imagens eu ampliava com os restos de laboratório e
colocava uns títulos meio malucos, alguns nonsense, Terra de José Ninguém, 2021
ligados a uma espécie de hecatombe do mundo. Você
lembra daquele filme Brazil, do Terry Gilliam? Além
do visual louquíssimo, ainda tinha aquela coisa de
ficar tocando Aquarela do Brasil no fundo, algo de
um mundo pós terceira guerra mundial. E ali estava
também minha inspiração para os títulos malucos:
Nós éramos felizes antes da bomba; Feixe de elétrons
rumo ao século 21... Olhei para aquilo e pensei: olha o
que eu fiz em 1988! E aí ficou impossível não trazer de
volta esse trabalho. Gostei muito de poder chamar a
exposição de Pequena Ecologia.
Falando das obras mais recentes, há também um
trabalho feito especialmente para a mostra?
Na verdade tem dois trabalhos super novos. Tem o Eaux
des Colonies. É um trocadilho, infame, básico. Eu deveria
ter feito ano passado uma residência lá em Colônia para
pesquisar nos arquivos das indústrias de lá, só que a resi-
dência não rolou por causa da pandemia. Mas alemães
são alemães e a exposição não foi adiada. A emenda
saiu melhor do que o soneto. Acabei invertendo a lógica
da produção do trabalho e abri meu leque, acessando
tudo que me contava sobre a história da água de colônia,
sobre a história da perfumaria no mundo inteiro. Acabei
entendendo toda uma lógica que relacionava a água de
colônia à cidade de Colônia, que era uma colônia romana,
o que inevitavelmente me levou à questão da colonização.
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