Page 74 - ARTE!Brasileiros #56
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Camisa de força, proposição criada em 1968. A peça, que restringe o movimento corporal
            do participante, pode ser lida como uma obra política em um Brasil sob ditadura civil-militar



            extremidades do tubo – transformado, assim,     um ano, e iniciamos uma correspondência que durou
            em um anel circular – e ao esticá-lo, somos     até eu vir morar em Paris no outono de 1971 – quando
            desestabilizados por um ruído de respiração     parou pelo simples motivo de que eu a via quase
            sufocante: deste modo, a primeira vez que ouvi   todos os dias, até que ela voltasse ao Brasil em 1976
            esse suspiro, a consciência da minha respiração   (para começar, seu psicanalista morava a apenas um
            deixou-me obcecado em razão de uma asfixia que   quarteirão de minha minúscula sala de estudos).
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            se manteve durante várias horas” .Como observa     Quando cheguei em Paris, ela havia se mudado
            Guy Brett, temos “a sensação de tirar nosso próprio   para um apartamento/estúdio maior em um prédio
            pulmão e trabalhá-lo como qualquer outro objeto” –   igualmente horrendo, perto da Porte de Vanves – um
            o que pode ser aterrorizante ou inspirador.  4  ponto de encontro para todo artista, cantor ou cineasta
               Não percebi as implicações assustadoras na   brasileiro que passasse por Paris (havia muitos,
            época. Fui fisgado, por assim dizer. Lygia se tornou   especialmente durante os anos da ditadura militar). O
            a parte mais importante do meu “grupo de apoio”   músico e compositor Caetano Veloso, à época exilado
            na adolescência, e estive com ela em cada uma das   em Londres, nunca deixou de aparecer se estivesse
            minhas viagens a Paris durante o ano letivo seguinte.   em turnê pela capital francesa (comemorou uma de
            Então, após me formar no ensino médio, vim para os   suas visitas com uma canção – If You Hold a Stone –
            Estados Unidos como estudante de intercâmbio por   composta em homenagem a Pedra e ar).



               1.  Serge Guilbaut, How New York Stole the Idea of Modern Art:   com total incompreensão. É verdade que o momento foi infeliz,
             Abstract Expressionism, Freedom, and the Cold War (Chicago:   tendo ocorrido em novembro-dezembro de 1968, no auge do
             University of Chicago Press, 1983). Pelo que me lembro, o mundo   sentimento anti-Eua.
             da arte francesa estava completamente alheio ao que estava   2.  O título completo dessa obra é A casa é o corpo. Penetração,
             acontecendo do outro lado do Atlântico – a arte americana   ovulação, germinação, expulsão.
             estava praticamente ausente das paredes de galerias e   3.  Lygia Clark, “L’art, c’est le corps,” in Preuves 13 (1973): 142.
             museus. Uma exceção como a exposição A Arte do Real, em   4.  Guy Brett, “Lygia Clark: The Borderline Between Art and Life,”
             que o público francês descobriu o minimalismo, foi recebida   Third Text 1 (Outono de 1987): 84.

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