Page 82 - ARTE!Brasileiros #56
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ARTISTA NO MARTINS






                            Com obras de grande porte que contrariam as narrativas
                            onde a carência e a violência estão imediatamente associadas
                            ao cotidiano dos negros, artista apresenta um projeto
                            artístico que compreende sua dimensão social e histórica

                            por ClauDinei roberto Da silva




            NUNCA COMO AGORA:


            AS PINTURAS RECENTES


            DE NO MARTINS






            Como Já é possÍvel Constatar, a história recente   mais permeáveis ao diferente e, portanto, mais plurais.
            daquela parcela da arte brasileira que convencionamos   Num cenário social injusto caracterizado pelo racismo
            denominar contemporânea será marcada pela emer- e desigualdade de gêneros, essa mudança de atitude é
            gência de uma produção artística periférica, antes   louvável e necessária, ainda que as iniciativas adotadas
            negligenciada, que apesar da sua atual eminência per- sejam insuficientes para coibir o déficit de representati-
            manece acossada por múltiplas adversidades.     vidade negra, indígena e feminina geralmente presente
               Esse fenômeno, de caráter global, reflete uma sen- aos acervos.
            sibilidade que se quer decolonizada, multicultural e   No entanto, não é difícil observar que nem todas as
            policêntrica, referindo-se não apenas às populações   produções pressurosamente prospectadas e rapida-
            da diáspora afro-atlântica e os povos originários, mas   mente exibidas têm um grau equivalente de qualidade.
            a todo conjunto de corpos divergentes submetidos ao   Um número não desprezível dessas produções sugerem
            epistemicídio e ao etnocídio impostos aos excluídos -  pesquisas pobres e apressadamente desenvolvidas, mal
            como consequência da experiência, contestada, mas   alinhavadas no escasso tempo de suas vivências aca-
            até aqui hegemônica, da heteronormatividade branca,  dêmicas ou não. As dificuldades para desenvolvimento
            que na defesa de seus privilégios cria e põe em prática   e exercício da crítica e historiografia de arte afro-bra-
            a necropolítica que promove a desvalorização de toda   sileira também contribui para a promoção imatura de
            uma produção intelectual e simbólica.           artistas ainda em formação. Como consequência existe
               Quando efetivas, algumas estratégias organizadas   a chance de um contingente desses artistas terem suas
            por esses segmentos da sociedade instigam as insti- trajetórias olvidadas em curto espaço de tempo. O risco
            tuições culturais, incluídos os meios de comunicação   da impermanência dessas trajetórias artísticas pode
            e a imprensa, a reverem suas políticas de exibição e   implicar num reforço do sistema de apagamento de
            aquisição de obras de arte - o que tem criado uma   memórias e histórias vitimando justamente as popula-
            inédita circulação das produções realizadas a partir  ções excluídas que são celebradas nessas produções.
            dessas margens.                                    É também por isso que o projeto artístico desen-
              Atento a esse fenômeno, bastante complexo, o sis- volvido pelo artista No Martins reveste-se de impor-  FOTOS CORTESIA DO ARTISTA
            tema de arte através de suas múltiplas instituições têm   tância que nada tem de ordinária. Em visita recente
            (às vezes de maneira reticente) procurado adequar seus   ao ateliê do artista no bairro de Barra Funda em São
            repertórios semânticos e seus acervos, tornando-os   Paulo, constatamos a correção do excelente juízo que a





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