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CENTENÁRIO JOSEPH BEUYS
Arte não deve se resumir à retina – por isso estou Quando Beuys defende que a arte é o ponto de partida
engajado com a substância, como “um processo para produzir algo em qualquer campo, ele está afi-
do espírito (soul)” (HARLAN, 2004, P. 14). nado com aqueles que, nos anos 1960 e 1970, viam na
arte o único espaço possível para novas práticas que
É como Beuys justifica o uso dos elementos naturais em descondicionassem o ser humano de, ao menos, duas
sua obra. Na versão de Cadeira com gordura, de 1981, (a visões então hegemônicas, faces do mesmo processo
primeira foi realizada em 1964) ou em Terno de Feltro, de civilizatório, tal qual descrito por Norbert Elias: o pen-
1970, vemos como o artista não está preocupado em criar samento racionalista e o condicionamento do corpo
uma escultura de maneira tradicional, mas em provocar através de formas de comportamento então vistas
uma reflexão sobre o papel da artista, construindo uma como civilizadas, mas que o contrapõe às forças da
narrativa a partir desses materiais. Assim, Beuys preocu- natureza, como se o homem estivesse delas excluído.
pa-se em reorientar o sentido e a função da arte. Um dos pontos centrais do pensamento de Beuys é,
Durante o nazismo, a arte moderna foi combatida justamente, a “defesa da natureza”, como prega numa
oficialmente através da mostra Arte Degenerada, uma obra, uma fotografia de 1984, numa concepção holística,
espécie de manifesto contra os movimentos modernistas que se relaciona em grande medida com antroposofia
como a Bauhaus, o cubismo e o expressionismo alemão, de Rudolf Steiner (1861-1925), ou seja, da necessidade
que pregavam na arte uma nova forma de observar de integração entre homem e natureza. É a partir daí
o mundo. O que os nazistas defendiam, então, era o que, explica o artista, sua obra deve ser compreendida.
retorno das belas artes, das formas clássicas como as
mais adequadas à sociedade ariana que se pretendia Meus objetos são para ser vistos como estímulos
erigir como soberana. para a transformação da ideia de escultura, ou da
Arte Degenerada, a exposição que teve início na arte em geral. Eles devem provocar pensamentos
Haus der Kunst de Munique, em 1937, e depois seguiu sobre o que escultura pode ser e como o conceito
para mais 11 cidades na Alemanha e na Áustria, reuniu de escultura pode ser estendido para materiais
650 obras de 112 artistas, entre eles Paul Klee, Kurt invisíveis usados por todo mundo:
Schwitters, Marc Chagall, Mondrian e Lasar Segall. Formas de pensar – como moldamos nossos
Em quatro meses, em Munique, a mostra reuniu mais pensamentos ou
de dois milhões de visitantes. Formas de falar – como damos forma aos nossos
Quase vinte anos depois, em 1955, Arnold Bode criou pensamentos ou
em Kassel uma exposição, a Documenta, cujo objetivo ESCUL TURA SOCIAL: como moldamos e damos
central foi reapresentar ao público alemão os modernis- forma ao mundo em que vivemos:
tas censurados no regime nazista. Essa mostra, que se Escultura como um processo evolutivo;
tornaria de periodicidade quinquenal, e hoje funciona Todo mundo artista (HARLAN, 2004, P. 9).
como o grande farol da arte contemporânea, foi uma
das grandes plataformas usadas por Beuys para suas Dessa forma, chegamos aqui no cerne da concepção
ideias. Ele participou de quatro de suas edições - em 1964, de arte de Beuys: usar a arte como uma plataforma de
1972, 1977 e 1982 -, contribuindo para a reconstrução do transformação da sociedade, como um estímulo para
pensamento artístico alemão de forma decisiva. E qual a reconstrução do mundo. Como afirma Harlan, em
foi essa forma? Em Beuys existe uma pergunta essencial: outra publicação:
“Qual a necessidade que justifica a criação de algo como
arte?”. E sua própria resposta é bastante clara: A principal preocupação de seu trabalho artístico é
a reformulação do campo social. Ele chama o orga-
Se essa questão não se torna o foco central da nismo social de escultura social (FARKAS, 2010, P. 27).
pesquisa e isso não é resolvido numa forma ver-
dadeiramente radical, que de fato veja a arte como No entanto, não se trata aqui de uma plataforma mera-
o ponto de início para produzir alguma coisa, em mente política, Beuys não é apenas um militante da
qualquer campo de trabalho, então qualquer transformação no campo social, mas também um revo-
pensamento de desenvolvimentos posteriores lucionário das formas plásticas, por isso seu discurso
é apenas perda de tempo (HARLAN, 2004, P. 10) e sua prática artística não podem ser separados: “Arte
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