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CENTENÁRIO JOSEPH BEUYS





               No entanto, toda a radicalidade que marcou o perío-
            do de consolidação da obra de Beuys, nos anos 1960
            e 1970, com exercício de amplo diálogo com outros
            artistas e grupos, como o Fluxus, a Arte Povera, na
            Itália, e a forte presença de artistas da performance,
            como Marina Abramović e Ulay, vai se transformar na
            década seguinte.
               Os anos 1980 são marcados pela ideia do “retorno à
            pintura”, especialmente na Alemanha, com o surgimento
            dos chamados neoexpressionistas, como Georg Baselitz
            e Anselm Kiefer. Esse novo contexto, certamente, foi
            muito desestimulante para Beuys, o que, provavelmente,
            o levou a criar o postal-múltiplo Com isso abandono a
            arte, no dia 1 de novembro de 1985, praticamente três
            meses antes de morrer, em 23 de janeiro de 1986, em
            decorrência de um ataque cardíaco.
               Esse postal faz parte de uma série de nove frases,
            todas escritas à mão, em giz, sobre fundo escuro, tal
            qual um quadro negro, material que ele tantas vezes
            usou em suas obras, relacionadas a sua faceta de pro-
            fessor. É de se notar que, sabendo-se doente - Beuys
            há muito estava fragilizado em decorrência de seu
            acidente aéreo -, deixa esse último conjunto de obras
            onde não há imagem, não há cor, apenas texto. Outro
            dos textos escritos nessa série de postais é: “O erro   O postal Com isso abandono a arte (tradução livre do alemão), 1985
            já começa quando alguém se prepara para comprar
            uma tela” (der Fehler fängt schon an, wenn einer sich   em Veneza, em 1976, com a obra Tram Stop (Parada de
            anschickt, Keilrahmen und Leinwand zu kaufen)   Bonde) – Monumento ao Futuro; e em 1980, com Das
               Por isso, a mensagem dos postais é clara: Beuys não   Kapital Raum 1970-1977; representou ainda a Alemanha
            via mais possibilidade em veicular suas ideias no campo   em três Bienais de São Paulo (1979, 1985, 1989) e foi
            da arte, nem tomar parte dele. Assim como foi demitido   consagrado com uma retrospectiva no Guggenheim
            da Academia, e nunca eleito por suas agremiações   de Nova York, em 1979, que lhe rendeu grande prestígio
            políticas, o artista constatou que tampouco na arte sua   nos Estados Unidos.
            mensagem alcançava a repercussão necessária. Artista   Seu epitáfio, contudo, aponta que, de fato, essas
            emblemático de um período experimental na história   grandes exposições pouco representaram para Beuys,
            da arte, que tem início no pós-Guerra, Beuys chega   e que ele já vislumbrava um futuro pouco promissor
            pessimista na década de 1980, quando o mercado de   para a arte. Constatação triste para quem defendia que:
            arte ganha força e poder novamente e as experimenta-
            ções passam para o segundo plano. É a década do fim   Somente a arte, isto é, a arte concebida ao mesmo
            da história e, segundo Artur C. Danto, do fim da arte.  tempo como autodeterminação criativa e como
               Beuys participou de todas as mostras importantes   processo que gera a criação, é capaz de nos
            do circuito da arte: quatro vezes na Documenta; uma vez   libertar e de nos conduzir rumo a uma sociedade
            na Skulptur Münster, em 1977; representou a Alemanha   alternativa (BORER, 2001, P. 28)


            bibliograFia                                    FARKAS, Solange (2010). A revolução somos nós. São Paulo: Associação
                                                            Cultural Videobrasil/Sesc.
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            BORER, Alain. (2001). Joseph Beuys. São Paulo: Cosac Naify.  SCHUSTER, Peter-Klaus (1999). Das XX. Jahrhundert: ein jahr hundert
            FARIAS, Agnaldo. (2001). Bienal 50 anos. São Paulo: Fundação Bienal de SP.  kunst in Deutschland. Berlin: Nicolai.
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