Page 79 - ARTE!Brasileiros #55
P. 79

é um erro. A arquitetura não é mercadoria, ela é sempre   no planeta. Nós não somos nada. Sempre temos que
            fruto de necessidades”.                          imaginar o que seremos. E quando você indaga isso, eis
               “Acho muito bonito usar essa expressão popu- a dimensão política da nossa existência. O que seremos
            lar ‘arquitetar’. As pessoas dizem: o que você está   se pudermos tomar decisões sobre os nossos rumos?
            arquitetando? E isso é: estar dando forma a uma   É evitar o desastre. No fundo é isso”.
            ideia, a uma vontade, a um desejo. Nós estamos     “É preciso encarar o fato de o planeta ser um peque-
            condenados a transformar ideia em coisa, porque   no calhau desamparado girando no universo, e pela
            senão ninguém conhece a sua ideia. Se você escreve   primeira vez o homem não pode negar isso.”
            letras em um papel, eis o poema transformado em
            coisa. Quando estava só na cabeça do poeta, não   sobre eDuCação e Formação
            era nada”.                                      “O sistema educacional está todo errado. Nós devíamos
                                                             ensinar física, mecânica elementar junto com a alfabeti-
            sobre as CiDaDes e o espaço públiCo              zação. Uma criança brinca com peão na palma da mão,
            “Na verdade, a ideia de cidade não é de amparo físico,  empina papagaio, solta foguete, joga bolinha de gude. Ou
            no sentido de proteger do vento e da chuva. É a de um   seja, ele sabe o que é uma esfera que toca um plano só em
            lugar onde você possa conversar. A cidade é o labora- um ponto. Não se joga gude com paralelepípedo, mas com
            tório do homem. Ele precisa estar junto. E para viver  esferas perfeitas. E você amarra uma pedra num barbante
            junto é preciso transporte público, é preciso a escola   e qualquer criança vai entender o que é força da gravidade,
            das crianças etc. Isso não quer dizer que a cidade de   conservação da energia etc. É mais fácil ensinar física ele-
            São Paulo, com 20 milhões de habitantes, fruto da   mentar e mecânica a uma criança do que ensinar o que é
            decadência advinda de uma política colonialista, seja   o Dia das Mães. O difícil, para uma criança, é entender as
            a cidade ideal”.                                 besteiras que falam. E aí estou falando do mundo inteiro,
               “Nesses momentos de crise, quando fica explícita a   não só do Brasil. A educação hoje é feita para submeter o
            agudeza dos problemas, a cidade se transforma para   camarada aos desfrutes do mercado e da ideologia que
            dizer justamente o que ela pretende ser. Quando se   está posta aí, de um capitalismo estúpido”.
            ocupam espaços, quando a rua assume um caráter     “É mais fácil a criança entender o que é um coração
            de assembleia, é também uma visão arquitetônica da   se você colocá-la para sentir a pulsação com a mão,
            transformação. Porque nem sempre arquitetura exige   no próprio corpo, do que colocá-la para desenhar um
            que se construa algo. Ela pode ser realizada com as   negócio vermelho no papel, tão abstrato. O filho do
            atitudes humanas simplesmente”.                  pescador sabe tudo sobre vento, tempo etc. O confronto
                                                             com a natureza no seu conjunto de fenômenos educa,
            sobre o homem e a natureza                       ainda hoje, de uma maneira que serve um pouco de
            “Porque existe essa tendência de pensar que falar em   contraponto a essa educação oficial que temos”.
            natureza é falar no verde. Não, natureza é, inclusive, a   “Não tenho muita experiência, para mim o mundo
            condição masculina e feminina do ser humano, e nunca   é sempre novo. Eu não sei o que foi e o que será. Só
            se enfrentou isso com tanta evidência quanto diante da   sei que não tenho medo das coisas, muito menos do
            questão da impossibilidade de uma superpopulação   presente, porque ele é tudo o que temos”.

                                                                                                         79
   74   75   76   77   78   79   80   81   82   83   84