Page 80 - ARTE!Brasileiros #55
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CENTENÁRIO JOSEPH BEUYS
Um dos mais radicais e influentes artistas
da segunda metade do século 20, referência
incontornável para a produção contemporânea,
completaria 100 anos em 2021; a arte!brasileiros
publica artigo que analisa diferentes momentos
e obras da trajetória do artista alemão
por Fabio CYpriano
JOSEPH BEUYS E O
ABANDONO À ARTE
o artista Joseph beuYs nasceu no dia 12 de maio século 20, O fim do século 20 trata da “ambivalência
de 1921 em Krefeld, na Alemanha, próximo à Holanda. das enormes catástrofes do século e, ao mesmo tempo,
Neste ano pandêmico se celebram, portanto, seus 100 como uma imagem positiva do valor da vida humana”.
anos de nascimento. Precursor de questões que esta- É essa visão essencialmente humanista, que ele-
mos debatendo de forma sistemática nesses meses de ge todo homem não só como um revolucionário, mas
confinamento, como a defesa da natureza, sua figura se também como um artista, responsável por contribuir
destaca também por repensar o sistema da arte. Esse na construção de uma nova sociedade, definida por
tema foi abordado por mim em uma palestra no Insti- Beuys como “escultura social”, que o coloca como
tuto Goethe, em 2011, no Terceiro Ciclo do Pensamento um dos principais pensadores do século 20 e cujas
Alemão, que se transformou em um capítulo de um livro ideias pretendo abordar neste texto O abandono à
com o mesmo nome do evento no ano seguinte. A atua- arte - inspirado em um cartão postal de 1985, intitulado
lidade do debate se mantém e consideramos pertinente Com isso abandono a arte - para refletir sobre o caráter
republicar agora o texto, sem grandes modificações. absolutamente radical de suas proposições.
O título original desse trabalho, aliás, é Hiermit trete
*** ich aus der Kunst aus e a tradução que adotei é a que
Uma das obras mais significativas de Beuys é O fim do consta do livro Joseph Beuys, de Alain Borer, na ilus-
século 20 (Das Ende des 20. Jahrhunderts) (1982-83), exibida tração 148. Literalmente, ela pode não ser a tradução
no museu Hamburger Bahnhof, em Berlim, uma instalação mais adequada, mas, conceitualmente, como veremos
composta por 21 rochas de basalto que podem representar a seguir, ela é totalmente pertinente.
entorpecimento, solidificação ou mesmo um cemitério FOTO: TATE E NATIONAL GALLERIES OF SCOTLAND / IMAGEM CEDIDA PELA GALERIA BERGAMIN & GOMIDE
coletivo. O basalto, é bom lembrar, contém cristais que 1. beuYs: o mito
não são vistos a olho nu. Em cada rocha, o artista fez um Para compreender o pensamento de Beuys é funda-
buraco circular e dali retirou um cone, reintroduzindo-o mental conhecer sua própria biografia. Não se trata aqui
novamente, desta vez colado com feltro e barro, como a de justificar sua obra como uma ilustração de sua vida,
sinalizar que mesmo o mais sólido e imutável pode sofrer mas da própria inter-relação que ele buscou entre arte e
transformações através da ação humana. vida, uma vinculação que se tornou essencial na forma
Segundo Peter-Klaus Schuster, curador da mostra de se conceber a arte nos anos 1960 e 1970, período que
Um século de arte alemã, que ocorreu em três grandes tem em Beuys uma de suas principais figuras.
museus de Berlim, em 1999, e que colocou Beuys como Esse momento particular do século 20 fez com que
o artista central de sua seleção sobre a arte alemã no artistas como Andy Warhol, Hélio Oiticica ou o próprio
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