Page 78 - ARTE!Brasileiros #55
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HOMENAGEM PAULO MENDES DA ROCHA
Ao longo de uma hora e meia de entrevista, o arqui- sobre arquitetura e arte
teto deixou claro, uma vez mais, que não se pode pensar “Nós estamos aqui, em qualquer das nossas atividades,
arquitetura como algo separado da vida cotidiana, da para resolver problemas. O que há são sempre pro-
resolução dos problemas das pessoas e da busca pela blemas, pois é muito difícil ser qualquer ente vivo na
satisfação das necessidades e desejos humanos. O natureza. Você vê o que as espécies tiveram que inventar,
título da matéria, publicada na edição da Brasileiros desde uma libélula até uma girafa, o negócio é muito
daquele mês - “O amplo sentido da arquitetura” - e complicado. Visto por esse lado, as coisas ficam até
a chamada na capa - “Paulo Mendes da Rocha: um certo ponto estimulantes, porque temos que resolver
pensador” - tentavam, minimamente, dar conta desta problemas. Ou, para que isso se configure, precisamos
amplitude do pensamento do arquiteto que, naquele saber formular os nossos problemas”.
momento, era o último grande nome vivo da arquitetura “Você não pode resolver problemas, no âmbito da
moderna brasileira. arquitetura, do ponto de vista puramente funcional. Aí
Agora, cinco anos depois, pouco após a morte de você no máximo cria máquinas. Justamente a graça da
Paulo Mendes da Rocha, aos 92 anos, em decorrência arquitetura é manter o discurso vivo de que, diante da
de um câncer de pulmão, a arte!brasileiros relembra urgência para fazer algo, já se faz também com altos
alguns dos trechos mais marcantes daquela conversa. ideais da visão que temos de nós mesmos. É o que os
O arquiteto, nascido em Vitória e radicado em São linguistas chamam de concomitância do surgimento
Paulo, foi um dos principais nomes da chamada Escola de necessidades e desejos. Você transforma a estrita
Paulista de Arquitetura - ao lado de seu mestre João necessidade, ao mesmo tempo, em desejo. Ou seja,
Vilanova Artigas. Projetou, entre muitos outros, o você resolve um problema do ponto de vista prático,
Ginásio do clube Paulistano, o MuBe (Museu Brasileiro quase mecânico, dando uma expressão de que aquilo
de Escultura e Ecologia), a reforma da Pinacoteca do ainda poderá ser mais bem resolvido no futuro”.
Estado, a Marquise na Praça do Patriarca, o Museu “Hoje em dia, vejo a expressão arte como um tanto
dos Coches (Lisboa) e o Sesc 24 de Maio. Foi professor reducionista. Não pode ser só arte, e eis aí a graça da
da fau-usp, perseguido pela ditadura civil-militar no arquitetura, que você não sabe bem se é arte, ciência ou
fim dos anos 1960, e influenciou de modo marcante o técnica. Ou seja, tem que ser tudo isso ao mesmo tempo.
pensamento arquitetônico das gerações que o segui- É um discurso sobre o conhecimento. A impressão que
ram. Com ênfase na técnica construtiva, na adoção do tenho é que tudo que o homem faz tem uma dimensão
concreto armado aparente e na valorização das estru- artística. A nossa existência exige uma posição daquilo
turas das casas e edifícios, suas obras são referência que chamamos de arte, ou de atitude artística. Na fala,
incontornável na arquitetura brasileira. no gesto, na expressão, na preocupação com o outro…
Mas, para além de suas obras, foram suas ideias No fundo, no fundo, arte significa preocupação com
e posicionamentos que o tornaram um dos maiores o outro”.
nomes da arquitetura nacional - assim como ocorreu “Há um mercado de uma pretensa arquitetura, espa-
com Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Artigas e Lina Bo lhafatosa, espaventosa, que, como qualquer embalagem,
Bardi, entre outros. Leia a seguir trechos da entre- o mercado produz, com um valor fictício, capaz de ser
vista de 2016. promulgado como valor. A arquitetura como mercadoria
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