Page 36 - ARTE!Brasileiros #50
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ENTREVISTA DENILSON BANIWA

                  A ARTE NÃO SE




                  DESLIGA DA VIDA








                                                     Entrevista com um dos expoentes da
                                                     representatividade índigena nas artes visuais


                                                     por Jamyle rkain








                  venCeDor Do prêmio pipa online em 2019, Denilson   Pode exemplificar?
                  Baniwa se descreve como um artista indígena, que é   DB – Recentemente eu estava num congresso falan-
                  indígena e é artista. Nascido em uma comunidade do   do sobre decolonialidade e sobre apropriações his-
                  povo Baniwa no Rio Negro, no estado do Amazonas, o   tóricas e alguém me provocou falando: “Você está
                  artista fala em entrevista à ARTE!BRASILEIROS sobre   falando de descolonização mas está falando em
                  a sua inserção no circuito das artes, sobre decoloniali-  português, está articulando os pensamentos de uma
                  dade, apropriação cultural e o sagrado.            maneira ocidental que não é Baniwa. Como você quer
                                                                     falar de descolonização se você não utiliza a lingua-
                           –  O que a arte indígena é hoje no cenário   gem indígena, já que você quer quebrar com esse
                  da arte brasileira?                                processo histórico?”. Eu respondi em Baniwa para
                    DB – Essa questão da arte indígena em contraste   ela e ela não entendeu. E eu disse: “Esse é o motivo
                     à arte “considerada arte” é uma coisa que já vem   que a gente utiliza de linguagens não indígenas”. Se
                     sendo discutida há bastante tempo. Acho que até   formos, de cara, falar num código que só indígenas
                     antes de ter essa galera toda indígena trabalhando   entendem, essa comunicação vai ficar com ruídos
                    e circulando. Acho que o diferente agora é que   muito grandes. O que os artistas indígenas têm feito
                    tem esse tanto de artistas indígenas com um      nesse momento é conversar em código que seja
                    poder de aproximação e de voz bem marcante,      entendível pela maioria das pessoas, indígenas ou
                     que consegue conversar e dizer um ponto que     não. Acho que em determinado ponto nesse caminho
                    não era visto antes, que é a partir dessas pessoas   a gente vai começar a falar em códigos indígenas.
                    indígenas. Para a gente, não tem essa diferença   Mas vai ser um grande processo ainda.
                    entre arte e vida ou arte e resistência assim como   Já que apontou a questão da descolonização/
                    tem no Ocidente, onde a arte é um instrumento de   decolonização, queria saber como você acha que
                    poder em relação a outros seres humanos. Mas     isso tem avançado aqui.
                     quando esses artistas indígenas se propõem a     O discurso de decolonização é cheio de controvér-
                    circular de uma maneira que se utiliza de lingua-  sias e equívocos, porque até onde a gente sabe tudo
                     gens não indígenas também é uma estratégia      isso começou com uma mulher latino-americana que
                     de conversar por uma língua que seja entendido   começou a falar e publicar sobre isso. Ninguém deu
                    por quem não faz parte dessa cultura. Acho que   ouvidos a ela, primeiro porque ela é mulher e segundo
                     se a gente começasse a trabalhar com códigos    porque é da América Latina.
                     que só, por exemplo, os Baniwas entendessem    Tudo o que ela já falava e publi-
                    ficaria difícil para o meu trabalho conversar com   cava acabou sendo absorvido   Denilson Baniwa,
                     quem não é Baniwa.                              por um grupo de homens da     Mona Lisa cunhã.


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