Page 32 - ARTE!Brasileiros #50
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EXPOSIÇÕES SÃO PAULO
de que os índios “fazem parte do
nosso passado”. Na contramão de
fala recente do presidente Jair Bol-
sonaro, que afirmou que “cada vez
mais o índio é um ser humano igual
a nós”, percebe-se que o mundo
indígena não só é parte do presente
como pode nos ensinar sobre outros
futuros possíveis, como pediu Vivei-
ros de Castro na Flip. “No século
16 os jesuítas pensavam os índios
como bestas-feras, ou seja, seres
em passagem do estatuto animal
para o humano. E essa mentalidade
típica daquela época é a mesma do
Foto da série presidente hoje em dia”, diz Caiuby.
Indiens de A antropóloga ressalta também
Mato Grosso, que as áreas mais preservadas da
de Marc Ferrez, Amazônia são as terras indígenas.
1890, na mostra
no Museu Afro “Muitos não percebem que a rique-
za está na floresta em pé, não nela
derrubada. E os índios, mais que
ninguém, não se colocam separados
da natureza. Acho importante essa
indígenas contemporâneas, mem- arte, de apresentar trabalhos de visão de muitos deles de que os rios,
bros de variadas etnias e com traba- artistas ocidentais influenciados as montanhas, a terra, elas agem
lhos diversos em suas linguagens e pela produção de outros povos (por e reagem. A terra sangra”, explica.
temáticas. “Os artistas indígenas são mais que isso também possa ocor- “Veja os rios de São Paulo se mani-
cada vez mais importantes hoje no rer), nem de trabalhar na linha das festando. Construímos cidades
Brasil. Já há muito tempo os cineas- mostras de etnologia, com viés mais sobre eles, aterramos, deixamos
tas indígenas têm uma presença científico, acadêmico ou histórico. sem porosidade, e eles se revoltam.”
conhecida, mas nas artes isso é algo É característica marcante no atual Como escreveu recentemente o líder
recente, diferente do que se vê em movimento o diálogo estreito com indígena Marivelton Baré, em artigo
países como Canadá e Austrália”, os próprios indígenas, participantes na Folha de S.Paulo, “o que nossos
explica a antropóloga Sylvia Caiuby ativos na construção das mostras, ancestrais já sabiam instintivamente
Novaes, coordenadora-geral de e um cuidado para não folclorizar há milhares de anos, hoje é compro-
Encontros Ameríndios. A exposição, ou exotizar as produções. Neste vado pela ciência do homem branco.
com curadoria de Aristóteles Barce- sentido, o maSp contratou para seu A mesma ciência que essas pessoas
los Neto, coloca em diálogo obras time a antropóloga Sandra Beni- negam. Somos nós os atrasados?”
contemporâneas de membros dos tes, de origem Guarani Nhandewa, Diretor do Museu Afro Brasil DIVULGAÇÃO/ COLEÇÃO RUY SOUZA E SILVA | DIVULGAÇÃO/ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES
povos Haida (Columbia Britânica), que se tornou a primeira curadora e curador da mostra Heranças de
Guna (Panamá), Huni Kuin (Acre) e indígena em uma grande institui- um Brasil Profundo, Emanoel Araujo
Shipibo Conibo (Peru). ção de arte do país, e a Pinacoteca segue a mesma linha. “Existe essa
convidou a artista e pesquisadora ânsia desgraçada de pegar toda a
De onDe se Fala Naine Terena, de origem Terena, floresta e transformar em soja e gado.
Neste contexto de aproximação para curar uma mostra. Por isso essas exposições vêm em
das instituições com o universo O trabalho com o universo um momento crucial. E é preciso que
indígena não se trata, como em contemporâneo procura, portan- as pessoas se conscientizem, porque
outros momentos da história da to, romper o arraigado estereótipo como isso parece estar longe de nós,
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