Page 93 - ARTE!Brasileiros #39
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conceituais que surgem de acordo com o tema
                                                                           tratado. Cohen observa que há lapsos, às vezes
                                                                           de até dez anos, entre uma obra que se relaciona
                                                                           temática ou tecnicamente com outra.
                                                                           Mostram-se, ainda, por trás da produção do
                                                                           artista, processos que vão se transmutando em
                                                                           hábitos, como o de garimpar e coletar materiais
                                                                           diversos em livros (que são, inclusive, protago-
                                                                           nistas em toda a trajetória do artista). “Identificar
                                                                           um parentesco entre os objetos (durante a coleta)
                                                                           é algo que tem várias origens. Há um fator intui-
                                                                           tivo e trata-se de uma etapa que vai sofrendo
                                                                           um refinamento inevitável. Por outro lado, é
                                                                           importante preservar a natureza desse sentido
                                                                           – a intuição – e não permitir que o refinamento
                                                                           esvazie a energia que dará início à execução da
                                                                           obra”, explica ele.
                                                                           Na entrevista, Odires revela também detalhes
                                                                           de algumas obras mais conhecidas e com desdo-
                                                                           bramentos expressivos, como é o caso das peças
                                                                           que pertencem à série Mestres Açougueiros e
                                                                           Seus Aprendizes, colagens de partes de corpos,
                                                                           especialmente pernas e braços, cujas imagens
                                                                           foram recortadas de revistas pornográficas. Em
                                                                           trabalhos desta série, o artista faz referência
                                                                           explícita às figuras que surgem nas pinturas de
                                                                           Francis Bacon, atribuindo ao próprio fio narrativo
                                                                           a ação de “reconstrução de corpos” e a criação
                                                                           de “corpos-ciborgues”.
                                                                           Há  também  obras  feitas  sem  a  presença  de
                                                                           figuras  humanas,  como  as  que  pertencem  à
                                                                           série  Monólitos_IBM  (2013),  que  surgem  da
                                                                           junção de fragmentos de fitas de máquina de
                                                                           escrever usadas. O material contém marcas do
                                                                           próprio uso, definidas por Odires como obje-
                                                                           tos “que contêm informação deixada pelo uso
                                                                           fantasma de textos e letras em fluxo cursivo”.
                                                                           Lógica e bastante cartesiana em várias de suas
                                                                           arestas, mas profundamente aberta para leituras
                                                                           sensoriais, a obra de Odires é toda atravessada por
                                                                           conexões improváveis, mas que resultam precisa-
                                                                           mente naturais, e o livro não se furta a obrigação
                                                                           de relacionar, por exemplo, as séries Matrizes
                                                                           para Línguas Bifurcadas e Trabalhos Caseiros de
                                                                           Escalpos, ambas feitas com capas de livros que
                     NA PÁGINA AO LADO, MALE PORTRAIT 28 (1996); ACIMA, NU EM TRANSE (2002)  sofreram algum tipo de intervenção.


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