Page 96 - ARTE!Brasileiros #39
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CRÍTICA O CÉU AINDA É AZUL, VOCÊ SABE






            UMA GUERRA QUE NÃO ACABOU

             Obra de Yoko Ono prossegue

             tensionada entre mídias para
             as massas e a experimentação


             POR MIRTES MARINS DE OLIVEIRA



             EM CONCERNING CONSEQUENCES. Studies in Art,
             Destruction and Trauma, Kristine Styles analisa
             a obra dos artistas que viveram o período da Segunda
             Grande Guerra e seus desdobramentos nas relações
             geopolíticas durante a Guerra Fria. Essa geração,
             nos países diretamente envolvidos, enfrentou
             perseguições, fome, violência, migrações forçadas
             e, na vida adulta, realizou trabalhos nos quais
             a destruição, corporal inclusive, surge como resposta
             visual ao que a autora denomina culturas do trauma.
             Para Styles, no caso de artistas como Istvan Kantor
             (1949) ou Larry Miller (1944), impactados pela
             dissolução econômico-social provocada pela guerra,
             a equação é solucionada sob a forma de dupla entidade.   MAPA IMAGINE A PAZ (2003), YOKO ONO. OBRA-INSTRUÇÃO
             Em relação a Yoko Ono (1933), para a autora, essa
             duplicidade é demonstrada por meio da fusão de
             diferenças entre a artista e seu marido John Lennon
             (1940-1980), na parceria denominada LENONO.
             Não é possível abordar as obras de Yoko Ono sem   do espectador. Ainda no contexto da relação com Fluxus,
             atentar para essa reunião e suas determinações:    está presente na exposição o vídeo da performance
             ao mesmo tempo que o músico passa de um produto   Cut Piece (realizada a partir de 1964). Nesse trabalho,
             aprimorado pela indústria musical para um artista   podem ser vislumbrados tanto a violência resultante do
             aberto às experimentações, Ono, sem deixar    trauma quanto um comentário específico da perspectiva
             seu radicalismo artístico, mergulha no mundo dos   feminista, adiantando em pelo menos uma década as
             ícones, no caso dela negativo, da mídia de massa.   propostas provocadoras que só se tornariam pauta
             Essa interpenetração é mais visível na obra do músico,   a partir do início dos anos 1970 nos Estados Unidos.
             mas também é presente na figura midiática da artista.   Um aspecto positivo da mostra é uma atualização
             Em O Céu Ainda É Azul, Você Sabe... (até 28 de maio    contextuada de War is Over (If You Want It), série de
             no Instituto Tomie Ohtake), com curadoria de    ações de ativismo pacifista realizada desde o final dos
             Gunnar B. Kvaran, diretor do Museu Astrup Fearnley,    anos 1960, com a presença de elementos que evocam
             evita-se o estereótipo propagado, e é possível captar   as disputas por terras no Brasil, relacionando o cartaz
             outras dimensões da artista, nas aproximações    daquelas ações e eventos em Canudos, Ñande Ru
             e, principalmente, distâncias de Lennon.    Mangaratu (Kaiowa) e Eldorado dos Carajás. Ou os
             O trauma – violência e desaparecimento – perpassa   trabalhos desenvolvidos por outros artistas a partir
             muitas das obras, sendo mais evidente e direto, por   de uma instrução específica na série de Eventos Água.
             exemplo, em Pessoas Invisíveis (2011-2017), que trata   A quantidade de trabalhos com mais de 50 ou 60 anos
             de Hiroshima. Mas também é possível observar as   que ainda apresentam força crítica mereceria talvez
             ressonâncias da guerra em Peça para Acender (1955),   um espaço mais amplo para exibição, já que exige
             vídeo de cerca de cinco minutos, resultado de uma   a participação física e ruidosa do público. Muito
             instrução para observar a consumação do fósforo pela   facilmente é possível colidir com algumas das placas
             chama, destruindo o objeto. Trabalho importante na   suspensas que apresentam as instruções, por exemplo.
             cronologia da artista, Peça para Acender é do período   Por outro lado, a exposição exibe de forma tímida
             em que a artista participa dos eventos com os artistas   o importante papel experimental de Ono no
             conceituais do Fluxus, no qual as instruções – indicações   campo musical, em suas relações com John Cage
             textuais com proposições mentais que eventualmente   e na cena japonesa dos anos 1950, e nas
             se materializam – servem como obra-ativação    experimentações na Plastic Ono Band.








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