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CRÍTICA O CÉU AINDA É AZUL, VOCÊ SABE
UMA GUERRA QUE NÃO ACABOU
Obra de Yoko Ono prossegue
tensionada entre mídias para
as massas e a experimentação
POR MIRTES MARINS DE OLIVEIRA
EM CONCERNING CONSEQUENCES. Studies in Art,
Destruction and Trauma, Kristine Styles analisa
a obra dos artistas que viveram o período da Segunda
Grande Guerra e seus desdobramentos nas relações
geopolíticas durante a Guerra Fria. Essa geração,
nos países diretamente envolvidos, enfrentou
perseguições, fome, violência, migrações forçadas
e, na vida adulta, realizou trabalhos nos quais
a destruição, corporal inclusive, surge como resposta
visual ao que a autora denomina culturas do trauma.
Para Styles, no caso de artistas como Istvan Kantor
(1949) ou Larry Miller (1944), impactados pela
dissolução econômico-social provocada pela guerra,
a equação é solucionada sob a forma de dupla entidade. MAPA IMAGINE A PAZ (2003), YOKO ONO. OBRA-INSTRUÇÃO
Em relação a Yoko Ono (1933), para a autora, essa
duplicidade é demonstrada por meio da fusão de
diferenças entre a artista e seu marido John Lennon
(1940-1980), na parceria denominada LENONO.
Não é possível abordar as obras de Yoko Ono sem do espectador. Ainda no contexto da relação com Fluxus,
atentar para essa reunião e suas determinações: está presente na exposição o vídeo da performance
ao mesmo tempo que o músico passa de um produto Cut Piece (realizada a partir de 1964). Nesse trabalho,
aprimorado pela indústria musical para um artista podem ser vislumbrados tanto a violência resultante do
aberto às experimentações, Ono, sem deixar trauma quanto um comentário específico da perspectiva
seu radicalismo artístico, mergulha no mundo dos feminista, adiantando em pelo menos uma década as
ícones, no caso dela negativo, da mídia de massa. propostas provocadoras que só se tornariam pauta
Essa interpenetração é mais visível na obra do músico, a partir do início dos anos 1970 nos Estados Unidos.
mas também é presente na figura midiática da artista. Um aspecto positivo da mostra é uma atualização
Em O Céu Ainda É Azul, Você Sabe... (até 28 de maio contextuada de War is Over (If You Want It), série de
no Instituto Tomie Ohtake), com curadoria de ações de ativismo pacifista realizada desde o final dos
Gunnar B. Kvaran, diretor do Museu Astrup Fearnley, anos 1960, com a presença de elementos que evocam
evita-se o estereótipo propagado, e é possível captar as disputas por terras no Brasil, relacionando o cartaz
outras dimensões da artista, nas aproximações daquelas ações e eventos em Canudos, Ñande Ru
e, principalmente, distâncias de Lennon. Mangaratu (Kaiowa) e Eldorado dos Carajás. Ou os
O trauma – violência e desaparecimento – perpassa trabalhos desenvolvidos por outros artistas a partir
muitas das obras, sendo mais evidente e direto, por de uma instrução específica na série de Eventos Água.
exemplo, em Pessoas Invisíveis (2011-2017), que trata A quantidade de trabalhos com mais de 50 ou 60 anos
de Hiroshima. Mas também é possível observar as que ainda apresentam força crítica mereceria talvez
ressonâncias da guerra em Peça para Acender (1955), um espaço mais amplo para exibição, já que exige
vídeo de cerca de cinco minutos, resultado de uma a participação física e ruidosa do público. Muito
instrução para observar a consumação do fósforo pela facilmente é possível colidir com algumas das placas
chama, destruindo o objeto. Trabalho importante na suspensas que apresentam as instruções, por exemplo.
cronologia da artista, Peça para Acender é do período Por outro lado, a exposição exibe de forma tímida
em que a artista participa dos eventos com os artistas o importante papel experimental de Ono no
conceituais do Fluxus, no qual as instruções – indicações campo musical, em suas relações com John Cage
textuais com proposições mentais que eventualmente e na cena japonesa dos anos 1950, e nas
se materializam – servem como obra-ativação experimentações na Plastic Ono Band.
Book_POR_ARTE39_v1.indb 96 03/05/17 19:46