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LIVRO ANDRÉ PENTEADO
UMA HISTÓRIA
CHEIA DE PISTAS
EM MISSÃO FRANCESA, O FOTÓGRAFO ANDRÉ PENTEADO
RETOMA PROJETO DE INVESTIGAR ELEMENTOS HERDADOS
PELA CULTURA BRASILEIRA; AGORA ELE JOGA LUZ SOBRE
GRUPO DE FRANCESES QUE, EM 1816, DESEMBARCOU NO RIO
POR MARIANA TESSITORE
O FAMOSO HISTORIADOR Carlo Ginzburg cos- hoje ainda permanece essa ideia de que as soluções para os
tumava comparar o estudo do passado a uma nossos problemas virão de fora”, pontua o fotógrafo.
investigação de detetive. Nos rastros do tempo, Em busca dos vestígios da Missão Francesa, Penteado per-
seria possível encontrar os sinais para a inter- correu as ruas cariocas durante dois anos. Ele registrou
pretação do presente. À sua maneira, o fotógrafo desde locais emblemáticos, como o Museu Nacional de Belas
André Penteado adota um procedimento similar: Artes, onde está grande parte da produção do período, até
“Em meu trabalho, reflito sobre as narrativas his- personagens associados de alguma forma ao movimento,
tóricas e como elas definem o que somos hoje”, como os descendentes do pintor Nicolas-Antoine Taunay,
afirma. Em seu novo livro, Missão Francesa, lan- que foram localizados por meio de contatos obtidos por uma
çado pela editora Madalena, Penteado se dedicou cunhada de Penteado.
a estudar possíveis heranças da Missão Artística Nem sempre as fotos têm conexões evidentes com o tema,
Francesa, grupo de artistas que aportou no Rio como enfatiza o artista: “Ao pesquisar sobre o assunto, faço
de Janeiro, em 1816, para fundar a primeira aca- uma lista de imagens possíveis para o projeto, que são basi-
demia de arte do Brasil. camente os lugares onde irei fotografar. Mas o interessante é
A publicação faz parte de uma trilogia do autor que, quando estou em campo, acontecem coisas imprevisíveis
sobre eventos históricos anteriores à populariza- e novas imagens se oferecem”.
ção da fotografia. Lançado em 2015, o primeiro Ele relembra, por exemplo, o seu encontro com o porteiro José
livro trata da revolta paraense Cabanagem (1835- Inácio da Silva. Andando pelo Rio, o artista avistou um prédio
1840). O último, que está em fase de produção, que levava o nome de Grandjean de Montigny, principal arqui-
será sobre a Revolução Farroupilha (1835-1845). teto da missão. O porteiro utilizava um uniforme com o mesmo
O intuito da série é discutir grandes questões nome bordado. Impressionado com a situação, o artista fez um
da sociedade brasileira a partir da fotografia. retrato de José e o publicou no livro. Na página ao lado, há uma
“Quando fiz o livro sobre a Cabanagem, eu queria tela, de 1850, que representa o maestro Francisco Manuel e suas
questionar esse estereótipo do brasileiro como um enteadas. Provenientes de épocas distintas, as duas imagens
homem cordial, que não se revolta. Já ao abordar acabam dialogando, enfatiza Penteado: “Eu faço um jogo nessa
o tema da Missão Francesa, me interessava tratar página, confrontando a pintura do maestro e a sua família, que
da importação de modelos. É irônico como até representam a nossa elite, com a imagem do porteiro”, conta.
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