Page 90 - ARTE!Brasileiros #39
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CONTEXTO ANÁLISE
a financeirização da arte e das modos de continuar a garantir crise e renovação constantes
instituições, ou seja, a relação o acesso às leis de incentivo e sabemos que esse quadro
consolidada de artistas, à cultura. permanecerá por mais tempo,
museus, feiras, curadores, Como referido no início, e, no caso brasileiro, as leis
galerias, bienais, etc. o debate é amplo e complexo, de incentivo necessitam
por via dos atuais modelos com diferentes interlocutores ir a par do aprofundamento da
de incentivo fiscal, com um e variantes a serem levadas democracia, e não o contrário.
sistema econômico formado em conta, mas, ainda assim, É precisamente neste
pelo capitalismo avançado, é necessário. O uso de dinheiro contexto que importa pensar
aquele que determina de forma público tem de engendrar a capacidade “instituinte”
estratégica a expansão formas amplas de participação das instituições e como
da riqueza. O ponto crítico social, especialmente num país conseguiremos juntos
está no fraco poder regulatório de profundas assimetrias como imaginá-las daqui para diante,
do Estado brasileiro, na sua o Brasil, e há necessidade de lembrando a reflexão de
incapacidade de intermediar o Estado organizar critérios Castoriadis. A equação não
as relações entre as instituições públicos e maior controle social é simples, sem dúvida, mas
culturais e os grupos na distribuição dos recursos talvez seja a partir de um duplo
empresariais, o que gera trocas que reduza, a longo prazo, movimento que abre e protege.
diretas e autônomas entre o percentual de dinheiro público Abrindo as instituições
esses dois com consequências envolvido no montante da a diferentes espaços, níveis
diversas, tais como a crescente Rouanet, que já chegou a cerca e mecanismos de participação,
presença e participação de 95% e que tem contribuído alguns deles conflitivos. Assim
de modelos empresariais para acentuar as assimetrias se pode realizar um processo
nos conselhos e na governança nacionais, privilegiando coletivo a ser feito no contexto
das instituições culturais. em 80% a região Sudeste. dos antagonismos e das crises
O segundo efeito negativo Da mesma forma, é necessário atuais, e em diálogo com os
para o qual as atuais leis um controle efetivo quanto ao poderes econômicos privados.
de incentivo fiscal contribuíram uso de dinheiro público para E protegendo as instituições,
e contribuem é a acumulação fins privados: se é importante ou seja, criando as condições
de riqueza. A afirmação que colecionadores privados para que elas possam operar,
pode soar estranha, já que disponham as suas coleções independentemente das
as mesmas leis também nos museus para usufruto do flutuações dos mercados,
diversificaram o esquema público – o patrimônio artístico das megalomanias de
de produção das artes. brasileiro é disperso e só assim colecionadores privados
Contudo, é amplamente sabido se poderá ter acesso a núcleos ou dos interesses políticos.
que o dinheiro público no Brasil expressivos que ajudem a Parafraseando Hans Haacke:
também incentiva coleções entender a história da arte –, “Nunca foi fácil para
de arte privadas, feiras de arte, também deverá ser legítimo os museus preservar
ou mesmo galerias comerciais, querer saber sobre os destinos ou recuperar um grau
e o surrealismo, que por aqui dessas coleções, volvidas de condução e integridade
nunca vingou, começa a se décadas de conservação, intelectual. É preciso
proliferar em jogos linguísticos estudo e valorização comercial, ponderação, inteligência,
que transformam feiras de arte financiadas por leis de incentivo determinação e alguma sorte.
em “festivais”, ou galerias fiscal e recursos públicos. Mas uma sociedade
em “institutos” e “associações A vida das instituições culturais democrática não exige
culturais sem fins lucrativos”, nos últimos anos tem sido de nada menos que isso”.
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Book_POR_ARTE39_v1.indb 90 03/05/17 19:45