Page 89 - ARTE!Brasileiros #39
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as instituições devem ser     a manutenção desse acesso.   mercados neoliberais. O texto
                               capazes de se abrir           Disso é recorrente uma       de Haacke tem o mérito
                               às dinâmicas conflitivas da    nova configuração dos cargos    de anunciar o aparecimento
                               sociedade civil e seus mais   e funções nas instituições   de formas avançadas
                               diversos capitais simbólicos.   culturais. Lugares que     do capitalismo na cultura
                               Dando um exemplo concreto,    tradicionalmente eram        e também o desaparecimento
                               em 2011 o Instituto Oi Futuro/   ocupados por curadores,   galopante da função cívica
                               Rio de Janeiro, pertencente    artistas ou “intelectuais”   dos museus. Sem que o refira
                               à empresa de comunicações     passam a ter à frente gestores,   explicitamente, o artista
                               homônima, operadora em toda   colecionadores privados      reforça a importância dos
                               a América do Sul, descartou   ou art advisers, e o business   anos 80 para aquilo que virá
                               uma exposição previamente     plan passa a prevalecer      a ser o imaginário atual:
                               confirmada da fotógrafa        relativamente ao projeto     a consolidação dos modelos
                               norte-americana Nan Goldin,   artístico. Não se confunda esta   corporativos e dos consensos
                               por alegado conflito das       última afirmação com posições   neoliberais. Fabricando tanto
                               imagens de conteúdo sexual    radicais que defendem        vontades quanto consumidores,
                               com o seu projeto educativo.   o descarte da presença      as empresas passam a operar
                               Na sequência, o Museu de Arte   de profissionais de gestão,    diretamente nas narrativas que
                               Moderna do Rio de Janeiro     ou até mesmo a idílica       devem ou não devem compor
                               recebeu a mostra, vendo nela   “autonomia” total do artístico   a sociedade e a cultura passa
                               uma oportunidade não só de    nas instituições, pois não    a ser regida pelo consumo
                               expor o trabalho da artista   se trata disso – a autonomia    e pelo entretenimento.
                               como também de promover       é uma miragem e não existem   É precisamente a partir dos
                               um fórum público de discussão   instituições “independentes”.   anos 80 que surge o grande
                               multidisciplinar sobre        Aquilo a que me refiro        divisor de águas para as
                               o conteúdo sexual das imagens.   é a disputa por quem fala no   instituições culturais públicas
                               Entre “forma institucional”    número do “ventríloquo”,    e privadas no Brasil: leis de
                               e “forma instituinte”, aquilo    a falta de estabilidade política   incentivo fiscal, a Lei Sarney
                               que as distingue é, em grande   mínima para que as instituições   (de 1986) e depois a Lei Rouanet
                               medida, a disputa pelo direito   culturais possam manter um   (de 1991). Um “campo de
                               do “museu” (em sentido        diálogo democrático com os   forças” onde se jogou (e ainda
                               ampliado) em exercer          poderes econômicos privados.   se joga) um duplo movimento
                               cidadania, algo que surge     E isso, não raras vezes, resvala   que tanto profissionalizou
                               ameaçado no atual contexto.   em formas de subserviência.  as instituições e diversificou
                               No caso do Brasil,            Recentemente pude            a cadeia produtiva das artes
                               a instabilidade política      ler Museums: Managers        como privatizou e moldou
                               e econômica que se tem vivido   of Consciousness (1986), de   a cultura às empresas,
                               nos últimos anos favorece     Hans Haacke, texto sensível e   que passam a ser os efetivos
                               as “formas institucionais”,    premonitório, em que o artista   players dos acontecimentos.
                               em detrimento das “formas     alemão analisa a estrutura    Dentre os pontos críticos
                               instituintes”. Ou seja, o Estado,   dos conselhos dos museus   das leis de incentivo
                               cada vez mais demissionário    públicos e privados dos EUA –   no Brasil, e que podem servir
                               na sua função de assegurar    “organizações sociais” que   de comparação com outros
                               os princípios constitucionais    seguem “modelos industriais” –,   casos na América Latina,
                               de acesso à cultura, passa    vendo à época mudanças       dois me parecem importantes
                               para os poderes privados      profundas com a adesão aos   destacar. Em primeiro lugar


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