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ARTISTA BÁRBARA WAGNER
A CONSTRUÇÃO DE
UM NOVO POPULAR
BÁRBARA WAGNER CRIA OBRAS A PARTIR DA OBSERVAÇÃO DE CULTOS EVANGÉLICOS,
DO UNIVERSO DO FUNK E DE OUTROS FENÔMENOS DE MASSA E EXPRESSÕES COLETIVAS
POR MARIANA TESSITORE
DE 2005 A 2007, Bárbara Wagner fotografou os banhis - me atenho ao tema do popular, não no sentido da tra-
tas de Brasília Teimosa, bairro popular na zona sul do dição, mas sim a partir da ideia de uma classe que con -
Recife. Em suas andanças pelo local, conheceu Charles, some muito e tem compreensão da própria imagem.”
um segurança que costumava frequentar a praia. O novo A artista comenta que voltou seu olhar para as con-
amigo começou a ajudá-la no trabalho, segurando o quistas sociais do brasileiro e para o poder aquisitivo
flash enquanto a artista fotografava. Quando as imagens obtido pelos mais pobres antes da crise observada no
finalmente foram exibidas em uma galeria, Charles foi o governo Dilma (2011-2016). “Em 2005, por exemplo, as
primeiro a ver a exposição. Com semblante sério, o segu- câmeras digitais não eram tão populares. Já em 2012,
rança andou pela mostra inteira e pronunciou-se para havia claramente uma nova classe média estabelecida,
a artista, já ansiosa: “Bárbara, que molduras bonitas”. que se manifestava nas selfies, nas redes sociais e nos
Rindo, ela relembra essa história para ilustrar o caráter videoclipes”, afirma.
de troca que caracteriza sua produção: “É engraçado. Esse novo panorama aparece nas duas obras que a
Para Charles, a moldura era a verdadeira manifestação artista apresentou na última Bienal de São Paulo: o
de arte e não as fotos. Diálogos como esse são essenciais vídeo Estás Vendo Coisas e a série de fotos Mestres
para o meu trabalho, é assim que vejo como tudo é rela- de Cerimônias, ambos de 2016. A primeira é uma his-
tivo. Aquilo que muitas vezes consideramos excepcional, tória de ficção de um cabeleireiro e de uma bombeira
pode ser tomado como ordinário pelo outro”, diz. O olhar que sonham em se tornar estrelas da cena musical do
voltado para o “corpo popular”, como define a artista, é Recife. O vídeo foi feito com Benjamin de Búrca, artista
o ponto central de sua obra, que investiga estratégias parceiro de Bárbara desde 2013, e concorreu ao prêmio
de visibilidade adotadas pelas classes populares. de melhor curta-metragem no Festival de Berlim deste
Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de ano. E a última retrata a indústria dos videoclipes do
Pernambuco, Bárbara começou a trabalhar como artista brega, no Recife, e a do funk, em São Paulo.
nos anos 2000, atuando na fronteira com o documental. Os dois trabalhos foram concebidos paralelamente, em
A brasiliense, que já expôs em mostras como a 32ª Bienal um esforço da artista em entender o que a cerca. “Eu
de São Paulo e o 33º Panorama de Arte Brasileira, no tinha uma urgência de documentar o que acontecia nas
Museu de Arte Moderna de São Paulo, foi selecionada ruas do Recife. E, para mim, a cultura do brega repre-
para a nova edição do Festival Sesc_Videobrasil, além sentava essa visibilidade de uma nova classe, unindo
de ter uma exposição individual programada para o consumo, ostentação e a ideia de celebridade.”
segundo semestre na galeria Fortes D’Aloia & Gabriel. Nas duas obras citadas acima, a artista mostra como
Paralelamente à produção na arte contemporânea, DJs e MCs (mestres de cerimônia, como são chamados
Bárbara também frequenta bailes funks, os salões de os rappers) saem dos bailes da periferia e alcançam o
beleza e igrejas da periferia. “Desde meu primeiro tra- mainstream, apropriando-se dos símbolos historica-
balho – que foi a série de fotos Brasília Teimosa – eu mente pertencentes às classes dominantes. “Os códigos
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Book_POR_ARTE39_v1.indb 84 03/05/17 19:45