Page 88 - ARTE!Brasileiros #39
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CONTEXTO ANÁLISE
A EXPANSÃO CONTINUA?
“LUGARES QUE TRADICIONALMENTE ERAM OCUPADOS POR CURADORES, ARTISTAS OU
‘INTELECTUAIS’ PASSAM A TER À FRENTE GESTORES, COLECIONADORES PRIVADOS OU ART ADVISERS,
E O BUSINESS PLAN PASSA A PREVALECER RELATIVAMENTE AO PROJETO ARTÍSTICO”
POR MARTA MESTRE
“A IMAGINAÇÃO INSTITUI é extenso, tem diferentes museus nas décadas de 60,
A INSTITUIÇÃO.” camadas de entendimento, e a 70 e início dos 80), e por
Independentemente do tempo ideia não é esgotar nenhum dos isso mesmo um alvo das
e das diferenças que distam argumentos, mas antes abrir estratégias de desmonte (bem
entre a frase de Cornelius um debate, sabendo que um dos conhecidas porque largamente
Castoriadis (1922-1997) e o aspetos “otimistas” da reflexão praticadas) dos governos
mundo pós-Trump que é hoje de Castoriadis é a ideia do autoritários: reduzindo as
o nosso, ela mantém uma força imaginário como força política instituições públicas (através
motriz capaz de transformar que se antecipa à materialidade do desinvestimento financeiro
o seu passado reminiscente das instituições e às suas e simbólico na cultura e na
num presente ativo e político. formas legislativas e que, tal educação), sucateia-se a nossa
Isso fica evidente se falarmos como um músculo principal com capacidade de imaginar.
do Brasil, onde vários campos grande capacidade instituinte, Uma das reflexões-chave passa
da sociedade, em especial tem poder de questionar a por entender que tipo de
a cultura, vivem uma crise fixidez e o status quo. É com instituições queremos e
democrática, alicerçada esse mesmo espírito que a podemos, sem que isso venha
no protagonismo cada vez documenta 14 deste ano, entre a ser definidor de consensos.
maior dos poderes econômicos Kassel e Atenas, opta por No caso das instituições
privados de princípio trabalhar exclusivamente com culturais (inclua-se aqui uma
especulativo. A ideia que instituições públicas: se o que ampla variedade de formas
defendemos é que, está em causa é a participação de organização pública
se a “imaginação instituinte” e a democracia numa Europa e privada: museus, galerias,
de que fala Castoriadis (e num mundo) dividida, coletivos, escolas de arte,
é contemporaneamente o projeto da documenta feiras, etc.), é a diferença entre
necessária, só estaremos deve ser entendido como “forma institucional” e “forma
garantindo instituições um serviço público. instituinte” que, julgo, vale
democráticas para o futuro, Imaginar as instituições trazer ao debate. Enquanto
isto é, lugares públicos é, portanto, um aspeto no primeiro caso a sociedade
onde poderemos exercer fundador da nossa condição e os seus instrumentos políticos
as nossas mais diversas contemporânea e pós- e econômicos operam para
subjetividades, gêneros e moderna, definidor da nossa produzir uma realidade
presenças, se atentarmos participação cívica no mundo “harmoniosa”, sendo que
para os atuais impasses das (veja-se a importância da as instituições convergem
políticas econômicas e das “crítica institucional” para e expressam a vida de modo
políticas culturais. O assunto a redefinição da função dos pacífico, no segundo caso,
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