Page 80 - ARTE!Brasileiros #39
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REPORTAGEM ACHADOS NA RUA
O AMERICANO ROBERT RAUSCHENBERG SUCATA E FIAÇÃO ELÉTRICA
(1925-2008), ícone da arte pop americana cuja AUTOR: EMMANUEL NASSAR
obra foi relembrada em mostra recente na Tate OBRA: TRAPTIC
Modern, em Londres, cultivou durante toda a ANO: 2013
sua trajetória um hábito singular: o de procurar
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objetos na rua e incorporá-los a uma obra. Obra do acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, intitulada
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Essa história é contada no texto de apresentação Traptic (2013). É uma pintura sobre chapa, madeiras, peneira e
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da mostra, que acabou em abril. Em seu trânsito restos de fiação elétrica, com 60 x 150 cm. A obra contém uma
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entre o abstrato e a figuração, o pop e a arte c h a p a e m f u n d o az u l , r e c o l h i d a e m u m a s u c at a r i a d e B e l é m .
chapa em fundo azul, recolhida em uma sucataria de Belém.
conceitual, Rauschenberg enxergou potência “ “Intervi no detalhe do E e do 15 pintados”, diz o artista. A madeira
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em objetos que, encontrados a partir de um de resto de moldura de porta foi recolhida em uma caçamba de
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olhar randômico, continham traços de histórias r rua em São Paulo, assim como a pequena peça de madeira em
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perdidas ou lapidadas pelo tempo. d e t a l h e s p r e t o s e b r a n c o s e a p e ç a d e m a d e i r a c o m r e c o r t e s e
detalhes pretos e brancos e a peça de madeira com recortes e
Um bom exemplo é a série Gluts (do inglês, encaixes, ele conta. “A peneira foi adquirida de um vendedor
encaixes, ele conta. “A peneira foi adquirida de um vendedor
“excessos”), iniciada em 1986. Rauschenberg de farinha de tapioca numa feira em Belém; o resto de fiação
de farinha de tapioca numa feira em Belém; o resto de fiação
elétrica com bocais de louça veio da sucataria em Belém; e o
estava visitando sua terra natal, o Texas, que elétrica com bocais de louça veio da sucataria em Belém; e o
quadrado branco é uma tela adquirida em papelaria.” O artista
passava por uma recessão causada por uma q u a d r a d o b r a n c o é u m a t e l a a d q u i r i d a e m p a p e l a r i a . ” O a r t i s t a
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desvalorização no mercado de combustíveis: o s se descreve como alguém que “é de juntar coisas e ficar bus- -
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excesso de estoque provocara a queda dos pre- cando um sentido, um significado, uma unidade”. “Talvez seja
cando um sentido, um significado, uma unidade”. “Talvez seja
um jogo em que me viciei. Um jogo em que o objetivo nunca é
ços da mercadoria. O artista começou a coletar um jogo em que me viciei. Um jogo em que o objetivo nunca é
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placas usadas por postos de gasolina e outras totalmente alcançado. Peças de quebra-cabeças com níveis de
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peças sucateadas de metal ligadas à indústria d i fi c u l d a d e s e m p r e c r e s c e nt e s . I s s o n ã o s e r e s t r i n g e a p e n a s à
dificuldade sempre crescentes. Isso não se restringe apenas à
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automotiva, transformando-as em esculturas. pintura. Tinta ou objetos são carregados de energia própria.
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Conforme atestou, queria, assim, “mostrar às Minha paixão é fazer essas conexões, dar luz ao que parece
pessoas sua própria ruína”. ter sido descartado, desprezado ou deixado fora de contexto.
Foi a obra de Rauschenberg e mais particular- Lembrando sempre quem nos precedeu nessas práticas. Marcel
mente esse estranho e belo hábito seu que ins - Duchamp, por exemplo”, analisa.
piraram o texto que segue, bem como a reunião
piraram o texto que segue, bem como a reunião
de imagens nas próximas páginas.
de imagens nas próximas páginas.
Em m a n u e l N a s s a r , A m a n d a M e i , M a r c e l o M o s -
Emmanuel Nassar, Amanda Mei, Marcelo Mos-
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t trazem consigo hábitos similares explicados por
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seu processo como um exercício de solitude, ,
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Nassar fala na estética do descarte, Naza- -
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r reth traz para debate um estado meditativo
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r resultante de suas extensas caminhadas.
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Não é preciso olhar com muita atenção
para identificar o desgaste na superfí--
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cie de algumas peças ou a forma
que adquiriram pelo uso e pelas
marcas deixadas pelo tempo, a
oxidação natural dos metais,
as madeiras que antes de apo-
drecer enrugaram, as ranhuras
d r e c e r e nr u g ar am , a s r anh u r a s
nos minerais.
GLUTS (1986), ROBERT RAUSCHENBERG
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