Page 97 - ARTE!Brasileiros #39
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CRÍTICA O NOME DO MEDO






            EM PROCESSO COLABORATIVO, RIVANE

            NEUENSCHWANDER DÁ NOME AOS MEDOS

             Mostra no Museu de Arte do Rio expõe capas
             criadas a partir de encontros com crianças


             POR FABIO CYPRIANO


             UM DOS DESAFIOS enfrentados pelos museus, atualmente, é como criar diálogos
             entre seus programas educativos e os próprios conteúdos das instituições, para
             que as pessoas envolvidas nesses programas sejam incluídas de forma ativa e não
             apenas como meros objetos a serem “instruídos”.
             Recentemente, na mostra Histórias das Infâncias, no Masp, desenhos produzidos
             por crianças no programa educativo do museu foram emoldurados e expostos
             junto ao acervo, um gesto um tanto excessivo de institucionalização de uma
             produção que não foi feita para ser exibida dessa forma.
             Já em O Nome do Medo, mostra criada por Rivane Neuenschwander em parceria com
             Guto Carvalhoneto, em cartaz no Museu de Arte do Rio (MAR), há uma estratégia
             muito mais perspicaz para abordar essa equação.
             A mostra é um desenvolvimento de um projeto já realizado por Neuenschwander, em 2015,
             para um programa de educação da Whitechapel Gallery, de Londres. No Rio, O Nome do
             Medo, com curadoria de Lisette Lagnado, foi realizado em parceria com a Escola de
             Artes Visuais do Parque Lage.
             Tanto no MAR como no Parque Lage foram realizados encontros com 196 estudantes
             de 6 a 13 anos das redes pública e privada de ensino, unidades de inserção social ou
             grupos espontâneos formados por diferentes famílias. Nesses encontros, as crianças
             abordaram seus medos, em um processo que culminava com a elaboração de uma
             capa protetora – construída a partir de diversos materiais disponíveis e selecionados
             pela artista.
             Essas capas eram levadas pelas crianças, tornando o encontro uma espécie
             de fabricação de parangolés infantis, feitos a partir de histórias pessoais e da
             possibilidade de seu enfrentamento. A referência a Hélio Oiticica se torna obrigatória.
             Afinal, ele foi o mentor, nos anos 1960, dos parangolés, que começaram como capas
             para se desenvolverem em um projeto de apropriação das coisas do mundo de forma
             tão abrangente que seu próprio criador passou a denominá-los de “antiarte”.
             Já na exposição O Nome do Medo, o que se vê são capas recriadas pelo desenhista
             de moda Guto Carvalhoneto, algumas expostas apenas para serem vistas,
             outras para serem utilizadas por crianças.
             A mostra, assim, é o resultado de um processo em que vários agentes se tornam
             colaboradores da artista – das crianças aos envolvidos no encontro, e finalmente o estilista
             –, mas o resultado final não se torna um objeto comercial, já que as capas passam a fazer
             parte do programa educativo do MAR.
             Com isso, há um duplo engajamento dos públicos do museu: nos encontros
             para a criação da mostra e na possibilidade de uso das capas durante sua exibição,
             tudo com a mediação de Neuenschwander, que personifica o artista propositor
             preconizado por Oiticica.
             Nessa trama complexa, ela detona vários gatilhos: o debate sobre os medos, a criação
             infantil, a moda e a própria arte, já que nas capas finais veem-se referências a Louise
             Bourgeois e Leonilson, entre outros artistas que trabalharam com costura. Assim, nos
             atuais tempos sombrios, Neuenschwander demonstra que os museus podem ser espaços
             de enfrentamento aos medos, a partir de um processo colaborativo.


                                       ESTUDANTES VESTEM AS CAPAS QUE PRODUZIRAM NAS
                                      OFICINAS MINISTRADAS POR  RIVANE NEUENSCHWANDER








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