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CRÍTICA O NOME DO MEDO
EM PROCESSO COLABORATIVO, RIVANE
NEUENSCHWANDER DÁ NOME AOS MEDOS
Mostra no Museu de Arte do Rio expõe capas
criadas a partir de encontros com crianças
POR FABIO CYPRIANO
UM DOS DESAFIOS enfrentados pelos museus, atualmente, é como criar diálogos
entre seus programas educativos e os próprios conteúdos das instituições, para
que as pessoas envolvidas nesses programas sejam incluídas de forma ativa e não
apenas como meros objetos a serem “instruídos”.
Recentemente, na mostra Histórias das Infâncias, no Masp, desenhos produzidos
por crianças no programa educativo do museu foram emoldurados e expostos
junto ao acervo, um gesto um tanto excessivo de institucionalização de uma
produção que não foi feita para ser exibida dessa forma.
Já em O Nome do Medo, mostra criada por Rivane Neuenschwander em parceria com
Guto Carvalhoneto, em cartaz no Museu de Arte do Rio (MAR), há uma estratégia
muito mais perspicaz para abordar essa equação.
A mostra é um desenvolvimento de um projeto já realizado por Neuenschwander, em 2015,
para um programa de educação da Whitechapel Gallery, de Londres. No Rio, O Nome do
Medo, com curadoria de Lisette Lagnado, foi realizado em parceria com a Escola de
Artes Visuais do Parque Lage.
Tanto no MAR como no Parque Lage foram realizados encontros com 196 estudantes
de 6 a 13 anos das redes pública e privada de ensino, unidades de inserção social ou
grupos espontâneos formados por diferentes famílias. Nesses encontros, as crianças
abordaram seus medos, em um processo que culminava com a elaboração de uma
capa protetora – construída a partir de diversos materiais disponíveis e selecionados
pela artista.
Essas capas eram levadas pelas crianças, tornando o encontro uma espécie
de fabricação de parangolés infantis, feitos a partir de histórias pessoais e da
possibilidade de seu enfrentamento. A referência a Hélio Oiticica se torna obrigatória.
Afinal, ele foi o mentor, nos anos 1960, dos parangolés, que começaram como capas
para se desenvolverem em um projeto de apropriação das coisas do mundo de forma
tão abrangente que seu próprio criador passou a denominá-los de “antiarte”.
Já na exposição O Nome do Medo, o que se vê são capas recriadas pelo desenhista
de moda Guto Carvalhoneto, algumas expostas apenas para serem vistas,
outras para serem utilizadas por crianças.
A mostra, assim, é o resultado de um processo em que vários agentes se tornam
colaboradores da artista – das crianças aos envolvidos no encontro, e finalmente o estilista
–, mas o resultado final não se torna um objeto comercial, já que as capas passam a fazer
parte do programa educativo do MAR.
Com isso, há um duplo engajamento dos públicos do museu: nos encontros
para a criação da mostra e na possibilidade de uso das capas durante sua exibição,
tudo com a mediação de Neuenschwander, que personifica o artista propositor
preconizado por Oiticica.
Nessa trama complexa, ela detona vários gatilhos: o debate sobre os medos, a criação
infantil, a moda e a própria arte, já que nas capas finais veem-se referências a Louise
Bourgeois e Leonilson, entre outros artistas que trabalharam com costura. Assim, nos
atuais tempos sombrios, Neuenschwander demonstra que os museus podem ser espaços
de enfrentamento aos medos, a partir de um processo colaborativo.
ESTUDANTES VESTEM AS CAPAS QUE PRODUZIRAM NAS
OFICINAS MINISTRADAS POR RIVANE NEUENSCHWANDER
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