Janaina Barros, Quanto as Bonecas de Bitita Brincam.

Na estrada desde 2018, a mostra PretaAtitude, após exibição em Ribeirão Preto e São Carlos, chega agora em São Paulo, no Sesc Vila Mariana. A exposição está sob a responsabilidade de Claudinei Roberto, artista que também se afirma como curador interessado na produção artística afrodescendente (mas não somente).

A edição paulistana chama a atenção pela quantidade de obras dos 14 artistas convidados, totalmente em conflito com o espaço exíguo destinado à mostra. Uma pena, pois sabemos que o sucesso de uma exposição não está ligado ao número de peças exibidas, pelo contrário: o importante é impedir o excesso. Walter Zanini afirmava que, em uma exposição, em primeiro lugar deve estar a obra de arte. Depois, tudo aquilo que deve valorizá-la. O que isso significa? Em uma exibição, o protagonismo deve ser de todas as obras exibidas e de cada obra em particular. Independente do partido adotado para reuni-las, do tema ou do assunto, ou mesmo da importância já assumida pelos autores das obras (ou pelo responsável pela exposição), o que vale são as condições dadas para que cada obra possa dar-se à exibição plena, sem entraves, sem impedimentos, para que o espectador possa estabelecer contato direto com cada obra em particular, sem que uma atrapalhe a outra pela excessiva proximidade.

É possível estabelecer relações entre as obras que se exibem? É claro que sim. Inclusive, é desejável que isso ocorra, desde que essas relações não signifiquem o comprometimento da percepção de cada uma das obras em suas particularidades. Infelizmente não se percebe esse cuidado em PretaAtitude. O interesse de mostrar a maior quantidade possível de peças de cada artista acabou por prejudicar a plena visualização de grande parte das obras exibidas.

Sublinhada esta questão, é preciso afirmar, no entanto, que PretaAtitude  supera qualquer problema expográfico, na medida em que consegue com sucesso levar a cabo seu principal objetivo: marcar a profunda diversidade de caminhos que hoje em São Paulo apresenta a produção afrodescendente (a maioria dos artistas representados nasceu ou vive na cidade ou no estado). Se no conjunto das obras percebe-se a presença (difusa ou mais intensa, dependendo de cada artista) dos traumas da diáspora africana informando as respectivas subjetividades de seus autores, Claudinei Roberto também se esforça, e com sucesso, para apresentar obras de autores distantes dessas questões, demonstrando que o artista afrodescendente não precisa ser necessariamente identificado somente como aquele que, de maneira explícita, trata dos dramas do passado e do presente de seu povo.

As obras de Rosana Paulino e Sidney Amaral representam em PretaAtitude, dois artistas que conseguem/conseguiram, cada um à sua maneira, introjetar em suas preocupações estéticas questões inerentes às especificidades de suas histórias pessoais em relação à história coletiva dos afrodescendentes brasileiros. E fazem isso muito bem: se Amaral teve seu processo interrompido por morte tão prematura (o que não o impediu de trazer uma contribuição original para a arte brasileira), Paulino vem se firmando como uma das principais artistas de sua geração por sua capacidade em plasmar rigor estético/artístico aos questionamentos sobre a história dos afrodescendentes no Brasil e também sobre uma história da arte que se pretende hegemônica no país.

Se as produções dos dois artistas são, de fato, as mais potentes de PretaAtitude, chamam a atenção também as colagens e bordados de Janaina Barros, deslumbrantes pela delicadeza da fatura, mas, sobretudo, pela ironia fina das narrativas evocadas. Felizmente Janaina está longe de ter se tornado mais um êmulo de Leonilson. Se aqui ou ali, nota-se ainda alguma ressonância dos trabalhos daquele artista, impossível não considerar a singularidades de sua produção ao discutir gênero e raça por meio de soluções plásticas deliciosamente inusitadas.

A produção de André Ricardo, por sua vez, apresenta um jovem mergulhado na pintura, no imbricado jogo entre luz e planos, em que a referência ao real é apenas um mote para realizações no campo pictórico. Impossível ficar diante de suas produções e não perceber ressonâncias da “pintura paulistana” recente, das obras de Marco Gianotti, Paulo Pasta e Fábio Miguez, que André estuda e busca superar. Por último, menciono os papeis de Washington Silveira. A produção que o representa na mostra aponta para o processo de formulação de uma poética em embate frontal com o cotidiano brutalizado de hoje. Ele é um jovem que merece ser acompanhado.

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PretaAtitude, ao apresentar talentos tão variados e potentes, justifica a que veio pois conseguiu abranger a potência e variedade da produção afrodescendente mais jovem (não pela idade dos artistas apresentados, mas pelo frescor de suas produções). Peca pela grande quantidade de obras exibidas em espaço tão exíguo? Certamente, mas esse fato não retira da exposição o seu interesse, sobretudo pela capacidade do curador em não ficar circunscrito unicamente a um determinado tipo de produção, deixando que a diversidade de caminhos ali apresentado oxigene nossos olhares e mentes.

  

1 comentário

  1. Agradeço o construtivo comentário do professor Tadeu Chiarelli quando ele comenta critica e objetivamente a eleição que este curador fez pela manutenção da quantidade de obras no espaço a elas destinado, cumpre porem, salientar que as peculiaridades e dificuldades de uma exposição itinerante apresentam-se também na elaboração e/ou adaptação dos espaços á ela destinado que variam, em que pese o possível “congestionamento” de trabalhos no espaço acredito que, como menciona o professor Chiarelli, a exposição tem o mérito de realçar a pujança de uma produção que tendo vocações poéticas distintas são espessas e potentes nas suas formatações e penso que uma leitura que detenha-se na possível formulação dos diálogos entre essas proposições tem o codão de de revelar a força potencial da exposição.

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