Fernando Leite, Mira
Fernando Leite, Mira, 13 de maio de 2020. Foto: Thales Leite

Fernando Leite está em cartaz no Paço Imperial, no centro do Rio de Janeiro, com sua exposição individual, Ex-ótica. A mostra tem curadoria de Paulo Herkenhoff e apresenta 54 obras divididas em quatro séries de trabalhos. 

Em entrevista para a arte!brasileiros, o artista aponta que, enquanto Herkenhoff percebe um diálogo entre as obras, pelas questões comuns que envolvem a relação entre arte e natureza, Leite encara os conjuntos como “programas distintos, que podem, cada um obedecendo e desobedecendo aos critérios que criei, me levar a caminhos muito específicos”.

Foi a partir de 2007 que Leite começou a fotografar para atender demandas do seu trabalho como designer gráfico. “A edição da imagem em photoshop, que eu comecei a realizar para os livros de arte, me apresentou a fotografia como um campo de atuação, de interferência, em que eu poderia editar, manipular, fazer cortes, mudar perspectivas, alterar cores, enfim, um vasto campo de construção visual”, explica. 

Em 2014, trabalhou com Paulo Herkenhoff numa exposição no Museu de Arte do Rio (MAR) sobre a coleção Pororoca, de arte da Amazônia. O trabalho intenso resultou em uma exposição e um livro de 500 páginas. Ao longo do processo, Leite, que era responsável pelo projeto gráfico, mergulhou em obras de artistas, fotógrafos, escritores e pesquisadores que se relacionavam com um território natural. “A narrativa dos personagens de Milton Hatoum percorrendo trechos de rio para ir de um bairro a outro; as fotografias de Luiz Braga e Octavio Cardoso nas margens de rios; as performances de Luciana Magno no meio da floresta; assim como tantas outras obras, me fez perguntar a mim mesmo: ‘e o seu território natural?’, ‘e a sua floresta?’, ‘o seu rio?’. Minha resposta foi olhar para a Mata Atlântica, ou para o que restou dela, que era o meu entorno. A primeira pintura Ver te parece ser uma resposta a essa pergunta, e que me levou a empreender mais objetivamente os passeios fotográficos à Floresta da Tijuca”. 

As imagens em preto e branco que o francês Marcel Gautherot (1910-1996) registrou das áreas alagadas da Floresta Amazônica da década de 1940 serviram de referência para a série Igapós (2017-2023). Nesta, foi necessário que o artista exercitasse a imaginação para inventar e relacionar as cores que compõem o projeto. “Eu uso a fotografia como um guia, como um caminho já percorrido anteriormente pelo olhar, e que me deixa à vontade para trabalhar as relações das manchas, das áreas de cor, das matérias gordas da tinta”.

Leite não enxerga o terceiro núcleo, Mira (2020), como uma série, mas como um trabalho único, feito com mais de 20 pinturas produzidas em óleo sobre madeira durante o período mais restrito da pandemia da covid-19, em 2020. Neste trabalho, o céu é o protagonista, a partir de registros criados em diferentes horários.

“Nossa história recente envolve dois componentes trágicos, a pandemia e o bolsonarismo. Difícil escapar de alguma desestruturação. Comecei o tratamento com canabidiol (CBD) há cerca de dois anos, para tratar insônia, ansiedade e depressão. O resultado foi surpreendente, e o percurso extremamente produtivo”, revela. A partir dessa experiência, Fernando Leite foi atrás de imagens de flores de Cannabis e criou a quarta série que integra a mostra entre 2022 e 2023. “Acho que fundamentalmente a minha relação com a cannabis é poética e afetiva. Mas não deixo de perceber que o objeto de meu interesse parece ser um curativo delicado e ainda assim potente. Potente nas feridas psíquicas, patológicas e também políticas. Cannabis não dá suporte a violência, estupidez e burrice”.

Fernando Leite e Paulo Herkenhoff trabalham juntos desde 2008. Leite foi o designer gráfico de diversos projetos dos quais Herkenhoff foi o autor. De acordo com o artista, entre livros e exposições, a dupla divide mais de 40 grandes projetos no currículo. “Eu sei o que o diálogo artista-curador é capaz de produzir, já vi os ‘milagres’ que o embate crítico pode produzir para condução de problemas de uma obra ou mesmo para a produção de novas questões. Então estou muito grato de poder contar com esse diálogo que se fortalece nesse momento. O texto [de Paulo Herkenhoff] imanta a pintura de significados, produzindo um vertiginoso salto semântico. Acredito que a partir dessa generosa condução teórica, eu precise criar agora uma resposta significante ou então apresentar uma nova pergunta”, conclui. 

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